Capítulo 1 - Órfãos do amor de Prim

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Desço do trem, com Haymitch em meu encalço. Nós caminhamos em silêncio pela cidade destruída. Há pessoas sobre os telhados que restaram, começando os reparos pelos prédios que conseguiram resistir. Eles param para nos olhar, mas eu não os olho de volta. Estou cansada de ser alguém de quem é esperado qualquer tipo de interação. Eu quero desaparecer, ser mais uma na multidão. Quero que esqueçam meu nome, meu passado, a minha história. Eu quero viver como Haymitch após os jogos: como uma sombra, um fantasma, nada demais, nada de menos. Só mais uma sobrevivente da guerra.

Eu sei que não é possível. Mesmo assim, que digam que sou antipática, isolada de todos, arrogante. Eu não me importo mais.

Ao chegarmos à Aldeia dos Vitoriosos, percebo que outras pessoas tomaram as casas que antes estavam vazias. Uma delas, inclusive, se transformou em uma pequena e modesta prefeitura onde tudo é decidido provisoriamente. Haymitch segue para lá, como todos devem fazer para se registrar como moradores sobreviventes do distrito 12, ou visitantes de outros distritos que vieram ajudar na reconstrução. Não sei como ainda existem voluntários, já que toda Panem está destruída. Mas há uma energia de união e fraternidade entre as pessoas. Uma atmosfera de recomeço e liberdade. Não compartilho do mesmo otimismo, então vou direto para casa. Não preciso avisar a ninguém que estou aqui. Todos sabem, depois de tudo o que fiz. Seria natural que me prendessem no Distrito 12, já que não sabiam o que fazer comigo.

Abro a porta principal e o cheiro característico de casa me envolve. Tranco a porta e ando pelos cômodos, como uma entidade, vagando. Nada parece me pertencer. Eu preferia voltar para nossa antiga e velha casa, se ainda estivesse de pé.

Evito o quarto de Prim, cubro suas fotos que estão nos porta-retratos espalhados pela casa e sigo, subindo para o meu quarto. Tudo está sujo e empoeirado. A janela esteve aberta todo esse tempo. Eu não tenho energia o suficiente para limpá-lo. Desço e improviso uma cama no sofá da sala. Depois preparo o meu banho. Ainda não há energia elétrica, mas deixo a água fria cair sobre meu corpo e percebo que não sinto mais nada. Talvez por ter mais enxertos de pele do que eu possa contar, ou por realmente não me importar. Eu não sei. Tudo parece irreal, ainda. Eu me sinto dentro de uma névoa densa, como em um sonho. Nem bom, nem ruim. Só um sonho. Irreal e delirante.

Volto para a sala após me secar e me enfiar em roupas limpas e quentes. Eu durmo, como, durmo novamente. Desisti de olhar o relógio ou o calendário. Não importa mais. Os dias passam por mim sem me afetar. Nem sei quantos dias se vão até que a minha comida acabe e eu me pergunto quem encheu a minha dispensa antes que eu chegasse.

De qualquer forma, seja quem for, imaginou que eu já fosse capaz de me cuidar sozinha e desapareceu. Resolvo retornar à floresta. Foi assim que sobrevivi a vida toda, afinal.

Visto minhas botas de caça, a jaqueta do meu pai e rumo para a floresta. Lá, encontro meu arco no esconderijo de sempre, mas só tenho duas flechas na aljava. Elas terão que ser suficientes, por ora. Eu levaria algumas horas para produzir flechas novas.

Afasto o meu pensamento de Gale, meu antigo companheiro de caça, quem tinha a habilidade de produzir flechas em minutos. Não posso lembrar dele agora ou vou ser sugada pelo redemoinho de dor que venho tentando ignorar há semanas.

Caminho por dentro da floresta até o lago, bebo um pouco de água e continuo caminhando, sentindo o cheiro da tarde. De repente, minha mente está vazia. Nada de pensamentos. Apenas silêncio e meus ouvidos treinados buscando o barulho da presa.

Lá está ela. Uma pequena lebre. Não é muito, mas vai me render um bom jantar. Além disso, não me sinto muito forte para carregar um animal maior. Também não tenho tempo para preparar a carne de nenhum outro bicho. O anoitecer está próximo.

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⏰ Última atualização: 5 days ago ⏰

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