---Era uma manhã fria e cinzenta, e Mayumi Lee caminhava lentamente pelos corredores da Escola . O uniforme impecável e o cabelo rosa claro, levemente trançado, destacavam-se em meio aos outros alunos. Seu rosto tranquilo, quase angelical, trazia sempre um leve sorriso que todos interpretavam como serenidade, mas, na verdade, era um escudo.
Mayumi aprendeu a esconder suas emoções muito cedo. Os olhos azuis brilhavam na luz do corredor, mas, se alguém realmente prestasse atenção, perceberia que, apesar do sorriso, havia algo diferente – algo quebrado – no olhar dela. Porém, ninguém percebia, ou talvez ninguém se importasse o suficiente para olhar além das aparências.
Ao final de mais uma manhã de aulas, Mayumi aguardava o sinal do intervalo sentada no canto da sala, folheando um caderno sem realmente enxergar as palavras. Sua mente vagava para longe dali, para o hospital onde sua mãe estava internada. A mãe de Mayumi fora diagnosticada com câncer meses antes, e, desde então, a doença parecia consumir tudo ao redor delas, devorando não apenas a saúde da mãe, mas a paz que um dia tinham em casa.
Mayumi passava todas as tardes ao lado da mãe, segurando sua mão fria enquanto tentava convencê-la de que tudo ficaria bem. E, por mais que dissesse isso, parte dela sabia que talvez não houvesse mais esperança. Cada visita ao hospital era uma nova batalha, em que ela se esforçava para ser forte, para esconder o medo e a tristeza que guardava dentro de si.
Mas, o que realmente doía era voltar para casa. Enquanto sua mãe lutava pela vida, seu pai parecia ter desistido de tudo. Ele passava cada noite afundado em álcool, tornando-se um estranho que Mayumi quase não reconhecia. O cheiro de bebida impregnava a casa, oscilando entre silêncios dolorosos e explosões de frustração que ela tentava ignorar. Nas raras vezes em que estavam na mesma sala, ele mal a olhava; e, quando olhava, era como se enxergasse apenas o vazio.
Ninguém sabia disso, nem mesmo as pessoas mais próximas. Afinal, Mayumi se escondia por trás daquele sorriso calmo, que colocava no rosto todos os dias. Aquele sorriso era a única coisa que lhe restava, uma forma de garantir que o mundo ao redor não soubesse de sua tristeza. Ela era a “anjo da escola”, a garota tímida e gentil que ajudava a todos, a que nunca reclamava e sempre fazia tudo certo.
A escola era, de certa forma, o único lugar onde podia fingir que a vida era normal. Ali, ninguém conhecia o caos que a esperava depois das aulas, nem o vazio que preenchia as noites na casa silenciosa. Era irônico, ela pensava, como ninguém suspeitava de que aquela garota sorridente e aparentemente perfeita estava se desfazendo aos poucos.
O toque do sinal trouxe Mayumi de volta ao presente, e ela respirou fundo antes de se levantar. Guardou o caderno na mochila e seguiu para o pátio. O céu continuava nublado, o que combinava com o humor dela naquele dia. Ela encontrou um lugar mais afastado e sentou-se sozinha, observando as outras pessoas ao seu redor. Não era que ela não quisesse companhia, mas o peso que carregava parecia sempre afastar as pessoas, como se ela estivesse isolada por uma barreira invisível.
Ela observou um grupo de amigos rindo juntos, e, por um segundo, sentiu um aperto no peito. Não era comum que se permitisse sentir inveja, mas naquele momento não conseguiu evitar. Queria poder compartilhar suas preocupações, queria alguém para ouvi-la, para dizer que tudo ficaria bem. Mas as poucas vezes em que tentara se abrir foram recebidas com olhares desconcertados ou palavras vazias de conforto. Era mais fácil sorrir e fingir que estava tudo bem do que ouvir conselhos que, no fundo, só a faziam se sentir ainda mais sozinha.
Ao longe, o céu escurecia aos poucos, e Mayumi sentiu uma gota de chuva em sua mão. Ela observou a gota escorrer, desfazendo-se em seu dedo, e sentiu o mesmo vazio frio que sempre a acompanhava. Fechou os olhos, imaginando por um segundo que aquela chuva lavaria toda a tristeza que carregava.
Quando o sinal tocou novamente, ela se levantou, secando a mão levemente molhada no casaco e forçando o sorriso habitual. Como todos os dias, ela colocou o disfarce de "anjo" e seguiu para a próxima aula, enquanto a tempestade, tanto a do lado de fora quanto a que crescia dentro dela, continuava a se formar.
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