Game Over

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  • Dedicado a Elaine Souza
                                    

Aquela noite estava difícil do sono aparecer.

Elaine estava deitada na cama ao lado do namorado completamente adormecido. Ele sempre dormia antes dela, deixando-a sozinha com seus pensamentos – nem sempre muito felizes. Ela estava coberta com o edredom quase até o pescoço; fazia muito frio.

Luzes entravam pela janela e dançavam no teto. Elas produziam um efeito engraçado... Parecia que o teto tremulava como águas calmas após se jogar uma pedra nelas. Foi nesse momento que, de repente, as luzes se tornaram mais fortes, brilhantes. Elaine esfregou os olhos. O teto foi se dissolvendo aos poucos até ficar completamente brilhante; a luz era tamanha que ela, mesmo sem perceber, foi se cobrindo mais e mais, até que o edredom protegeu seus olhos e tudo o que ela via era o brilho intenso através do lençol florido.

E então tudo ficou escuro.

Bem devagar, Elaine puxou as cobertas.

O teto tornara-se um espelho perfeito. Ela conseguia ver a si mesma na cama, deitada, observando seu rosto refletido, ainda assustado e com os olhos arregalados. Seu namorado do espelho, porém, estava acordado e a encarava com um sorriso meio safado no rosto (ou será que era meio perverso?). Ela olhou para o lado, o lado real, mas Evandro continuava dormindo a sono solto.

O casal do espelho segurava controles de videogame; o seu outro namorado não parava de jogar, o sorriso amplo no rosto, quase enlouquecido. A outra Elaine se aproximou do espelho – era como se estivesse se levantando da cama – e tocou a película que a separava da verdadeira Elaine. Naquele lugar, o espelho se desfez novamente como a água de um rio e, então, uma mão estendida apareceu.

Era a sua mão – Elaine logo percebeu. Estava pintada com o mesmo esmalte cor de laranja berrante que ela colocou por teimosia e o namorado reclamou tanto dizendo que ela parecia uma árvore de Natal.

Ela agarrou a mão estendida – não sabia por que. Será que era um sonho? Quando a gente sonha, faz coisas que não entende. Mas geralmente a gente não sabe que está sonhando. Ou sabe? Quais eram as regras de um sonho, afinal? Apesar disso, ela ainda segurava a mão gelada da Elaine do espelho. Logo, percebeu que incapaz de soltá-la.

Sentia-se flutuar quando ultrapassou o espelho. Ele parecia água, mas apenas isso. Era geladíssimo, tão frio que Elaine sentiu o corpo todo tremer compulsivamente. De repente se viu sentada na sua cama, mas do outro lado, aquele que Evandro costumava dormir.

Ele estava acordado agora.

- Pronta para jogar? – ele perguntou com um sorriso maníaco que não lhe pertencia. Não pertencia ao Evandro de verdade.

Ela olhou para o teto e viu a si mesma, no espelho, dormindo ao lado do namorado. O outro Evandro, no entanto, não esperou pela resposta – apertou o botão START e o jogo começou.

Mas era Elaine que controlava Evandro e Evandro que controlava Elaine. Quando ela apertou o direcional para direita, viu o namorado se virar para o outro lado da cama. Ele ficou de frente a ela. O outro Evandro apertou um botão com um X. Elaine abriu os olhos. Meia-lua para frente e bolinha, ele apertou. Elaine obedeceu ao comando e colocou as mãos no pescoço de Evandro. Meia-lua para trás e quadrado. Elaine apertou o pescoço do namorado, sufocando-o. O outro Evandro apertou triângulo várias vezes. O verdadeiro Evandro parecia sem ar.

O outro Evandro finalizou apertando bolinha e quadrado.

Evandro estava morto.

Elaine soltou o controle, assustada, e abriu os olhos. O teto não era mais um espelho. Suas mãos não seguravam mais um controle. Tum, Tum, Tum. Seu coração batia depressa, parecia que ia sair pela boca. Ela mesma parecia sem ar, assim como o Evandro do sonho – o Evandro que ela assassinara. Um nó se formou na boca do seu estômago e Elaine pensou que iria vomitar. Sempre ficava enjoada após ter um pesadelo ruim e aquele era especialmente horrível. Ela ainda sentia o peso do controle de videogame nas mãos e via o sorriso torto e ligeiramente doentio do Evandro do espelho dentro de sua cabeça. Mas o pior eram os olhos arregalados e a pele arroxeada do Evandro real.

Bobagem. Sonhos eram apenas uma bobagem da nossa cabeça, seria exatamente o que diria seu namorado no dia seguinte quando ela lhe contasse aquele sonho idiota. E então eles iriam rir e tomar café juntos na cama. Com bolo de chocolate, só para tirar aquele gosto ruim de sua boca. Teria que se lembrar de pedir a ele que comprasse o bolo no mercado quando fosse buscar o pão.

Foi pensando nisso que Elaine abraçou Evandro, tentando se recuperar daquele pesadelo, mergulhando, aos poucos, em um sono tranquilo.

Só no dia seguinte, quando acordou, notou que Evandro não estava respirando.

GAME OVER

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