DOUBLE | Especial de Halloween

DOUBBLE

Todo Halloween, Hyunjin sentia uma pontada de culpa surgir no fundo do peito, uma dívida silenciosa que ele carregava desde que conseguia se lembrar. A culpa de ter sobrevivido, de ter nascido, enquanto Sam, seu irmão gêmeo, não teve a mesma chance. Embora soubesse que nada daquilo fora culpa sua, algo em sua mente sempre sussurrava, ano após ano, que ele devia uma vida a Sam, nem que fosse por uma única noite.

E, com sua força invisível o obrigando, ele acabava cedendo, deixando seu irmão assumir o controle em um pacto silencioso. Era a forma que Hyunjin encontrara para compensar a vida roubada de Sam, um dia para uma vida que ele nunca teria. Assim, todos os anos na noite de Halloween, ele permitia que o espírito de Sam que sempre o acompanhava se manifestasse, possuindo seu corpo, ocupando sua mente e seus sentidos. Ele se tornava apenas um espectador aprisionado, pagando o preço por estar vivo enquanto seu irmão jazia em algum limiar entre os mundos.

Mesmo assim, Hyunjin sempre acreditava que podia manter um limite, que poderia interromper qualquer coisa que ultrapassasse o aceitável. Mal sabia ele que, na verdade, cada dia de vida que ele dava a Sam alimentava uma fome que não poderia mais ser contida. Sam não queria apenas viver — ele queria mostrar a Hyunjin o que significava realmente estar no controle.

Hyunjin já estava de pijama arrastando o enorme urso marrom até a cama quando em seu peito, o familiar aperto se intensificou. Ele sabia o que aquilo significava. Sam estava se manifestando. Ele sempre fora uma presença constante, escura e maligna, como uma sombra que não se esvai mesmo debaixo do poste.

Você e eu somos partes de um todo. Deixe-me ser completo novamente, só por uma noite.

Era o mesmo pedido que ele fazia todo ano, e Hyunjin, sempre relutante, cedia. Permitindo que seu irmão tomasse o controle, mergulhando-o em uma escuridão que durava apenas aquele período.

Mas naquela noite, algo estava diferente. Hyunjin sentia um cansaço profundo, uma exaustão da batalha interna. A tentação de descansar e deixar Sam assumir, parecia mais forte do que nunca.

Está bem, Sam. Tome o que você quer.

Assim que as palavras saíram de sua boca, Hyunjin sentiu uma onda de frio percorrer seu corpo, como se estivesse sendo mergulhado em um rio gelado. Seus músculos enrijeceram, sua visão escureceu por um momento, e ele perdeu o controle. Quando seus olhos se abriram novamente, ele sabia que já não era mais ele mesmo. Sam era seu corpo completo e, ele mesmo, apenas como uma sombra esvaída.

Um sorriso frio se formou em seus lábios, e ele partiu em direção à avenida movimentada. Os olhos que refletiam no espelho de uma vitrine eram os de Hyunjin, mas o brilho neles era inconfundivelmente sombrio. Sam sentia a adrenalina queimando em suas veias enquanto seus olhos passeavam pela multidão numa festa de Halloween que ele havia invadido. O lugar estava cheio de pessoas fantasiadas, música alta e luzes piscantes. Era o cenário perfeito para o tipo de caos que Sam ansiava. Ele passou por entre as pessoas, atraindo olhares curiosos, alguns tomados pela bebida e outros mal notavam a presença do garoto de fios vermelhos, pijamas e óculos redondos.

Sam avistou uma garota de olhos brilhantes e ele a enlaçou, guiando-a para longe da multidão, para um canto escuro, onde os gritos seriam engolidos pela música alta, mas quando ela percebeu o olhar cruel que agora iluminava os olhos de Sam, era tarde demais. Hyunjin sentiu o horror crescer enquanto assistia a tudo como um espectador silencioso cujas mãos envolviam o pescoço delicado, mesmo não sendo ele a exercer a força em seus dedos.

Era como se ele estivesse preso numa cela em sua própria mente, incapaz de gritar, de interferir. Ele sentia o ritmo acelerado do coração dela, e a angústia que se enraizava em seu peito. Cada toque de Sam, cada sorriso falso que lançava, acertavam Hyunjin como um golpe seco.