Capítulo 5.

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Sem Mais Lágrimas
A luz na janela é uma rachadura no céu.
Ozzy Osbourne -No More Tears

— 5. Um Grupo De Mortos-vivos —

Estou me adaptando lentamente ao acampamento. Não é tão ruim quanto pensei que seria. As pessoas são receptivas e estão fazendo de tudo para me receber da melhor maneira. Entretanto, não consigo depositar minha confiança nelas totalmente. Ainda que não tenha encontrado motivos para desconfiar, também não ouso confiar inteiramente em quem acabei de conhecer.

Também não pretendo ficar aqui por muito tempo. Embora seja bom ter pessoas comigo e um acampamento seguro para estar, não consigo deixar de sentir que estou presa. Afinal, passei anos pela cidade, vivendo sozinha com Lilo e lidando com meus problemas por conta própria. Lá fora, enfrentei muitas dificuldades, mas não sentia que devia nada a ninguém, como estou sentindo agora. E nesse cenário, ficar em dívida é uma grande merda. Principalmente por não saber se vão querer retribuição.

Essa é a lei que rege os humanos: tudo tem um interesse por trás das ações, e eu não gosto de me sentir na obrigação de retribuir o que fazem por mim.

Meu corpo se recuperou surpreendentemente rápido, dadas as circunstâncias, o que foi ótimo. Ficar vulnerável em um local desconhecido é perigoso.

Encontrei Luíza algumas vezes na área de banho por acaso; não era minha intenção, mas simplesmente aconteceu. Certa vez, por impulso, eu disse um breve "Oi", do qual me arrependi rapidamente. Contudo, Luíza passou por mim e respondeu com um aceno de cabeça. Fiquei surpresa. Pelo que Roberto havia dito, todos a evitavam como se fosse uma praga.

Entretanto, comecei a ter a impressão de que esse comportamento de pena oferecido pelas pessoas do acampamento às duas irmãs não ajuda em nada a sanidade de Luíza, nem a construir uma confiança sólida com Luana. Ninguém gosta de ser olhado com pena; ao menos eu não gostaria.

Limpei os cabelos cortados do chão da barraca e limpei meu pescoço e ombros. Meus cabelos têm um tom de castanho avermelhado e não passam da altura dos ombros, mas prefiro deixá-los mais curtos. Não tenho produtos para cuidar deles e, mesmo que tivesse, não tenho paciência para isso; por isso, decidi cortá-los bem rente à nuca.

Esse corte deixa meu pescoço totalmente exposto, e tenho a impressão de que ele parece muito mais longo do que o das outras pessoas. Minha estatura alta, com membros longos e magros, acentua ainda mais isso. Sempre fui muito alta, graças à genética dos meus pais — uma ex-modelo e um homem de quase 1,95 m de altura. Mas ter toda essa grande estatura me rendeu uma postura corcunda, algo que minha mãe tentava me fazer corrigir para que eu não sofresse bullying na escola.

Naquela época, eu me importava muito com isso, mas, com o passar dos anos, minha falta de postura foi jogada para o fundo da minha mente. Contudo, hoje acordei com muitas dores nas costas e uma certa tensão nas omoplatas. Talvez agora eu deva tentar corrigir minha postura.

Saio da barraca e vou até a área da cozinha. As pessoas, exceto Luíza e Luana, já estão sentadas sob as árvores, comendo arroz, ovo e alguns vegetais. Descobri hoje de manhã que o acampamento cultiva alguns cereais, vegetais, frutas e galinhas.

Eles também têm uma plantação de cana-de-açúcar perto do riacho. Elisa disse que, no início, foi difícil cultivar a matéria-prima do açúcar, pois o solo não era muito compatível e a situação era um pouco desfavorável. Somente depois de longos dois anos, fertilizando o solo e contando com a sorte, a cana deu seus primeiros sinais.

Estão também procurando um meio de fabricar temperos salgados. Roberto confidenciou que já estava cansado de comidas insossas. Diferente do açúcar, que pode ser produzido, o sal não pode ser obtido por meios de fabricação humana.

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