-PRÓLOGO-

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Eu lembro de muita coisa daquele dia. Na verdade, eu lembro de muitos dias em especial onde ela estava. A pequena cidade estava nublada, chuvosa e em silêncio. Nenhum barulho além das gotas que caíam no chão, nada além dos meus passos arrastados contra as poças de água. St. Edward James era um internato que misturava magia e o mundo real. Uma construção cinzenta rodeada de verde e árvores com troncos grossos. Uma instituição educacional para garotas. O internato foi criado em 1920 por um casal inglês, por isso muitos dos professores ali eram ingleses; quando as alunas se formavam, não era surpresa que todas carregassem um sotaque meio britânico mesmo nunca tendo ido para lá. Era até engraçado, se bem me lembro. Naquele dia em especial, meu casaco branco estava totalmente encharcado com as gotas de chuva que não diminuíram a intensidade desde que saí da casa dela. Meu corpo estava trêmulo, mas eu realmente não sabia se era pelo frio ou pela adrenalina em meu corpo. Ela estava dormindo quando eu saí. Deixei o colar e, junto a ele, um pequeno papel que deixasse claro que eu sabia. Que eu tinha escutado tudo.

Ela tinha admitido. Ela tinha olhado nos meus olhos e dito aquelas palavras. Ela tinha noção de tudo. Eu me lembrava do dia em que a vi pela primeira vez; tinha mechas vermelhas no cabelo, vestia o uniforme azul-escuro obrigatório e tinha pele oliva. Ela era linda. Animada, extremamente animada, não tinha dificuldade alguma em se comunicar, ao contrário de mim. Lembro-me também que a primeira vez que ela falou comigo foi quando precisou de ajuda com a matéria de história. Eu amava história; ela não.

Uma dor percorreu meu corpo e os soluços misturados às lágrimas. Eu deixei meus joelhos chegarem ao chão e continuei ali. Por tanto tempo que, quando me dei conta, não estava mais na rua; estava em um hospital. As paredes eram brancas e os lençóis azul-bebê. Azul era uma cor que me acompanhava em toda a vida até ela chegar com o vermelho.

Tudo parecia tão irreal, coisas que acontecem em filmes, com as protagonistas, estavam acontecendo comigo.

Eu tinha acordado há um bom tempo, tentei falar, mas nada. Por algum motivo, eu não consegui. Então, pouco tempo depois, descobri que, assim como fiquei sete meses sem andar, a ansiedade me tirou a possibilidade de falar por um tempo. O nome disso era mutismo psicogênico; foi uma situação assustadora, mas que me deu um "bom" motivo para não explicar toda a história por trás de um novo trauma que me fez perder a fala por algum tempo. Ao contrário da situação que tive quando mais nova, agora, pelo menos, tinha sido "apenas" 4 meses. Um alívio para meus pais.

Mas, nesse tempo que fiquei sem falar, implorei para sair do internato. O que não foi tão difícil, já que mamãe imaginou que eu pudesse estar sofrendo bullying, o que não era. Acredito que, se fosse isso, eu lidaria melhor, mas o que me fez sofrer foi algo gradual e que muitos sonham em viver: amor. Eu mudei para a cidade de Londres; meus pais sempre quiseram morar lá, então fomos. Aceitei de bom grado ir para outro país, onde começaria uma nova vida, onde Kylie Cantrall não estaria.

PAST LIVES- KYLIAOnde histórias criam vida. Descubra agora