Capítulo 1

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A bacia de vidro transparente abarrotada de pipocas doces era sua refém mais preciosa naquele momento. A melhor, mais linda, gostosa e encantadora companhia que poderia ter. O caramelo em ponto de puxa, esticava a cada vez que mais uma era levada aos lábios macios e bem moldados do jovem rapaz. Parecia estar em câmera lenta e talvez estivesse, era proposital.

A forma delicada que aquele pequeno filete de açúcar assentava sobre seu lábio inferior grosso, o deixava com uma visão ainda mais sexy que o habitual. Seu olhar estreito e ladino, junto aos fios escuros que lhe tomavam parte da visão, só completavam a situação. Ninguém precisava levar em conta que trajava pijamas e pantufas de animal naquele momento. Havia algo bem mais interessante que precisava ser notado. Algo não, alguém.

Ohm o encarava com uma expressão confusa, quase cômica. O garoto de fios compridos tinha como vestimenta pijamas de algodão escuro com listras, além é claro, da maravilhosa pantufa de bichinho.

Seus olhos expressivos, eram arregalados, enquanto os lábios ligeiramente mais finos, compunham uma meia careta confusa, de dentes à mostra. O cenho franzido e a testa enrugados completavam a expressão fabulosa que emoldurava sua face delicada.

Ele o julgava silenciosamente, isso era fato. O garoto sequer piscava diante da sua luxuosa cena, mas não reagia positivamente. Era frustrante, completamente.

— Deu câimbra na sua cara, Nanon? — O garoto o perguntou ao apontar a feição "sedutora", completamente falha. — Ou o caramelo estava quente demais? Eu avisei para esperar ou assoprar antes de comer, acabou queimando os neurônios. — completou ao assoprar o caramelo da própria pipoca, para finalmente levá-la aos lábios despreocupados.

Era frustrante, sempre que tentava uma abordagem discreta, seguia diretamente à falha. Parecia que Ohm não o enxergava realmente, não como um possível parceiro romântico e sim como um amigo bobão. Um velho amigo bobão.

Abordagens sutis com certeza eram insignificantes naquele momento. Se queria realmente fazer com que o outro o enxergasse além da amizade, deveria partir para algo direto, mais certeiro.

Duas coisas estavam em risco: sua amizade de anos e uma possível repulsa eterna vindos do outro.

Até então, Ohm acreditava que Nanon era apenas um hétero garanhão, mas o que ele não sabia era sua recente "descoberta" sobre sua sexualidade. Na verdade, sua auto-aceitação.

Talvez esse fosse um bom ponto de partida. Não que não soubesse antes, só não queria admitir uma situação tão complicada, inclusive para si mesmo. Amar deveria ser simples, sem rótulos ou julgamentos. Mas não era bem assim que acontecia.

— Eu acho que talvez esteja quente demais. — respondeu Nanon ao dar de ombros enquanto balançava uma das pipocas no ar. Com certeza a bacia de pipocas era uma melhor companhia. Mais bonita, aconchegante e doce. Bem mais doce. Bufou claramente inconformado.

O som frustrante que escapou de seus lábios fez com que seu amigo o encarasse com certa curiosidade. Uma curiosidade que até então não havia despertado. — Qual o problema? —  desta vez ele o observava mais sério, parecia preocupado.

A vantagem de se ter um amigo de anos, era que ele sempre sabia quando algo estava errado, sempre. Ohm era assim. A comunicação entre ambos não era das melhores, muitas vezes um olhar bastava para revelar o que os lábios não conseguiam pronunciar. Eram  parceiros, para muitas coisas. Se animavam, se apoiavam, riam, choravam e jamais discutiam por algo banal, apesar do jeito desatento de um e o afobado do outro.

A desvantagem de se ter um amigo de anos, era que ele sempre sabia quando algo estava errado. Dificilmente conseguia esconder uma coisa por muito tempo, fosse um corte de dedo ou um assalto à banco.

Dedilhou a borda da bacia de plástico com a ponta do indicador e estalou a língua do céu da própria boca. Parecia ferida pelo excesso de açúcar. — A quanto tempo somos amigos, Ohm? — A abordagem pelas bordas era sua melhor decisão. Menos invasiva e consequentemente, menos constrangedora, mas ainda assim, eficaz.

A face curiosa e pensativa do mais alto o fez questionar-se sobre a própria abordagem. — A uns bons anos. — afirmou ele ao comer mais uma porção generosa de sua pipoca caramelada. — Qual é a dessa pergunta do nada? — Óbvio que aquilo levantaria suspeitas, Ohm o conhecia o suficiente para saber que não era uma situação comum.

Realmente a pergunta levanta suspeitas, dúvidas até mesmo sobre seu relacionamento. Será que havia feito a escolha certa ao abordá-lo tão inesperadamente? — Como você me vê? — tentou parecer casual.

— Com os meus olhos, ué. — O riso interrompido por um apertar de lábios forçado, não foi eficiente para lhe segurar o som que escapou de forma estranha por entre eles.

— Você andou cheirando perfume? Está muito esquisito. Talvez o doce tenha subido para sua cabeça. Seu cérebro está legal? — Ele apontou para a própria cabeça com o indicador e balançou-a de forma desengonçada.

Negou imediatamente de maneira fervorosa, nem ele mesmo sabia o que pensar, ou o que deveria falar.

— Estou falando sério, Ohm. — Sua feição séria arrancou um suspiro longo do amigo, ao que ele abandonou - temporariamente - a bacia de guloseima sobre o sofá de couro da sala de estar.

— Hum... — pensou dedilhando o maxilar com suavidade. Os dedos grudentos sobre a face alva, lhe obrigando a fazer uma careta ao que, o açúcar gruda sobre a pele aparentemente macia. — Você é um cara legal, confiável e divertido. Você tem ótimos conselhos e sabe ouvir quando é necessário apesar de ter uma personalidade forte. Eu acho que você é o tipo de pessoa sensata que tem solução para tudo. Do tipo confiável e sincera. Mesmo que às vezes haja como um completo imbecil. — Riu manso.

— Mas eu gosto desse seu lado também. — tratou de completar ao cruzar as pernas como índio sobre o sofá. — Do divertido, meio bobo. Desse que parece não ter problema algum na vida. Do que faz a tristeza da gente ir embora em instantes. Do que me apoia quando estou confuso e do que me coloca de pé quando eu já não sei mais como andar. Eu gosto disso. Dessa liberdade. De falar de tudo, rir de tudo. — Via em Nanon uma pessoa que sabia lidar com a vida e com suas surpresas. Coisas ruins não o deixavam desistir dos ideias, nunca deixou. Ohm o tinha como um exemplo.

A resposta do amigo o deixou lisonjeado. Sequer fazia ideia do que poderia representar ao outro, tão pouco que fosse tão inspirador, já que ele dificilmente dizia algo sobre sentimentos.

Naquele momento temeu por sua amizade e pela possível mudança de comportamento entre ambos. Eram coisas que deveria levar em consideração se quisesse realmente lhe dizer o que pretendia. Coisas que poderiam mudar tudo. Tudo.

Suspirou fundo, o suficiente para que o novo ar lhe refrescasse os pulmões aquecidos e atormentados. — Você é mesmo incrível. — admitiu meio segundo depois de se ajeitar no sofá com as pernas cruzadas sobre o mesmo, em posição de índio como o outro. — Se alguma coisa mudasse... — começou calmamente, as mãos ligeiramente trêmulas eram escondidas pela bacia ainda cheia.

O peito parecia explodir, os batimentos acelerados e a respiração descompassada tão pouco lhe ajudaram naquela situação e nem clarearam sua mente confusa. Ergueu o olhar ao outro diante de si. Ele parecia ainda mais confuso, suas feições eram estranhas, mais que o habitual.

Ohm coçou a cabeça, bagunçando completamente os fios ao se jogar contra o encosto do estofado, aquele sorriso esperto de sempre lhe tomando os lábios ao mesmo encarar o rosto bonito de seu amigo.

Angels like you (Ohmnanon)Onde histórias criam vida. Descubra agora