Antonella respirou fundo, tentando disfarçar o tumulto interno que se instalara desde que Matthew Hyde havia deixado a casa. Observou pela janela do salão a silhueta dele se afastando na noite, a postura rígida contrastando com a leveza com que ele havia se movido até então.
Ela soube, naquele momento, que ele não se encaixava no papel de "padre" que todos esperavam — não completamente. Havia uma sombra em seus olhos, algo que os outros certamente não enxergavam, mas que, para ela, soava como um grito de dor familiar.
Quando ele desapareceu de vista, Antonella teve que segurar o impulso de segui-lo, mesmo que apenas para ouvir o som de sua voz uma última vez naquela noite. Não entendia por que ele parecia tão fundamental, tão... necessário, como se aquela presença pudesse salvar algo que ela sequer sabia que precisava ser salvo.
— Antonella! — A voz do pai, ríspida, trouxe-a de volta ao salão.
Ele estava ao seu lado, sorrindo para os convidados, mas o aperto de sua mão em seu ombro a fazia sentir-se como se estivesse presa a uma corrente. Com um gesto forçado, ele a fez se sentar novamente à mesa. Ela obedeceu sem contestar, notando o olhar avaliativo dele, atento a cada mínimo sinal de resistência. Era como se ele estivesse decidido a esmagar qualquer faísca de independência que pudesse surgir em sua postura.
Os próximos minutos passaram em uma mistura de murmúrios abafados e conversas superficiais, enquanto Antonella fingia participar do jantar, o olhar frequentemente vagando para a porta por onde Matthew desaparecera. Por mais que tentasse se concentrar em qualquer outro pensamento, ela voltava sempre à intensidade daquele breve encontro — à forma como ele a olhara, como se houvesse reconhecido nela algo que ninguém mais parecia notar.
E então ela se perguntou: o que ele veria se realmente a conhecesse?
Sentada à mesa, Antonella tentava afastar as lembranças daquele olhar, mas quanto mais tentava, mais os pensamentos a puxavam para ele. Nunca antes experimentara algo tão intenso. Matthew Hyde não era como qualquer homem que já tivesse conhecido — e, na verdade, quase não havia conhecido homens, dada a rígida vigilância de seu pai. Mas Matt parecia ver através dela, e isso a deixava em um misto de medo e fascinação. Havia algo sombrio em seus olhos, algo que refletia um mundo de dor e segredos que ecoava a própria escuridão que ela carregava.
Era insano sentir-se assim, ainda mais por um padre, alguém tão próximo da fé que ela mesma já havia abandonado em seu coração. Havia algo inaceitável em sua própria atração, como um pecado silencioso que mal conseguia reconhecer. Mas quanto mais lutava contra aquele impulso, mais irresistível ele se tornava.
Ele é um padre, Antonella, sussurrava para si mesma, tentando aplacar o coração acelerado. Mas, ironicamente, foi essa mesma proibição que parecia tornar tudo ainda mais intenso. Aquilo a atraía como o perigo, como uma porta proibida que ela sabia que jamais deveria abrir.
Antonella sabia que algo dentro dela havia sido despertado, algo que ela sequer sabia existir. Algo que clamava por um tipo de liberdade e coragem que ela jamais tivera a chance de conhecer.
Havia trocado apenas algumas palavras com ele, compartilhado breves olhares. Ainda assim, Matthew parecia estar gravado em sua mente como uma marca profunda e irremovível. Em questão de minutos — talvez até de segundos — ele fora capaz de romper as paredes de indiferença e apatia que ela construíra ao longo dos anos para sobreviver naquela casa. Era como se, em pouquíssimo tempo, ele tivesse enxergado nela algo que nem ela mesma sabia que ainda existia.
A razão lhe dizia que tudo aquilo era insensato. Eles eram praticamente desconhecidos, ligados apenas pela formalidade do jantar e pelos papéis que desempenhavam na cidade — ele como o novo padre, ela como a filha intocável do prefeito. A lógica a fazia sentir-se tola, mas não conseguia ignorar a intensidade com que sua alma parecia se inclinar para ele, como se estivesse sedenta por algo que ele, de alguma forma, possuía.
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PROFANO | Em Andamento
RomanceAssim como existem dois lados de cada história, existem dois lados de toda pessoa. Um lado que revelamos ao mundo e outro que mantemos escondido. Por trás da batina, aparência angelical e sermões sobre amor ao próximo e perdão, o padre Matthew Hyde...