Sinto-me um pouco como quando me gabava de que nunca tinha partido nada,quando estava no quarto ano. Parti o dente. A partir daí comecei a dizer que nunca tinha levado pontos. Fiz um corte com vidro e acabei a levar três pontos.
Mas agora, aos dezassete anos, é um bocado diferente. Nunca tinha namorado. Namorei. Nunca tinha beijado. Beijei. Nunca tinha tido o coração partido. Adivinhem? Agora já tive. É isso mesmo. Com um par de cornos, para decorar no Natal.
A vida é uma ironia incrível à volta da qual estamos a girar em direção à desgraça, de certezinha absoluta. Pelo menos entrei na universidade. Se não precisasse de uma distração, talvez tirasse um ano entre o secundário e a universidade para fazer qualquer coisa, mas, e para surpresa de todos, eu inclusive, acabar o meu primeiro e único relacionamento não me deixou a chorar. Deixou-me com raiva (eu choro quando estou com raiva, mas vamos relevar esse facto).
Tanto dela como dele. E adoro a teoria de que cada gota de suor que cai do nosso corpo representa uma lágrima dos meus inimigos por estar a ficar melhor. E garanto que se formos por aí eles estão com depressão porque se há coisa que eu fiz foi exercício físico. E dedicar ódio a putas e a gajos mentirosos.
Para quê mentir? Para quê trair? Não era mais fácil ter evitado drama e ficado com ela? Não que me agradasse ver o meu melhor amigo com uma puta, mas pelo menos ela não levou cornos. Realmente ele deve ter o cérebro vazio porque, honestamente, quem é me troca, a mim, uma pessoa incrível e esplendorosa por uma puta? No mau sentido da palavra. Há dois tipos de puta: a puta, no sentido opressor da palavra que critica na mulher atitudes louváveis no homem, e a puta descarada que merecia cem porcento um tijolo na testa. Nem se pode dizer que afetasse a atividade cerebral, porque para isso era preciso estar ali qualquer coisa para se danificar.
Não era mais fácil não ter acabado com ela para tentar qualquer coisa comigo? E aí vem a questão principal. Porque é que acabou com ela para tentar um relacionamento comigo, embora tenha levado meses até eu entender o real motivo da separação deles, e comigo não teve a decência de acabar? Será que chegou a acabar com ela, sequer?
Eu sei que não era suposto eu estar a pensar nele, mas não dá. É tipo o meu traço tóxico, pensar e repensar situações digerindo de pouco em pouco. Fazer isso é quase como fazer um sudoku. Passa-se vezes e vezes os olhos a tentar descobrir onde meter os números que faltam, a tentar entender. E, pouco a pouco, às vezes ao fim de dias, a olhar um pouco para aquilo diariamente, o quadrado gigante começa a encher-se de números até estar tudo cheio de números e todo acabado. Todo desvendado.
Realmente esta coisa de fazer corridas longas ajuda a reorganizar os pensamentos.
Abro a porta do prédio e subo (arrasto-me) escadas acima. Estou a morrer por um banho. E por um cubo de chocolate preto. E um milhão de euros, uma casa, um carro, uma oportunidade de emprego e uma biblioteca privada em que os livros são todos meus para fazer o que me apetecer.
Quando abro a porta está obviamente algo de errado. Não sei ao certo o quê, mas que está, está. Agarro rapidamente no telemóvel e meto as chaves por entre os dedos, só por precaução. Vejo primeiro a cozinha/sala e a seguir passo para os quartos. Vejo primeiro no que partilho com a Mel e vejo tudo como de costume. Pelo menos parece-me. De seguida vou para o quarto onde é suposto as criaturinhas virem dormir a partir da semana que vem. Ainda preciso de muita preparação mental para poder partilhar casa com O Estúpido sem o matar à pancada.
Oh merda. Mas que dia é hoje? Não pode. Não! Eu recuso-me. Mas como caralhos é que ele... Não. Por favor, Unicórnios, por favor que seja uma alucinação provocação pelo cansasso. Tem de ser. Merda. Merda, merda, merda, merda. Puta da vida.
Respira. Calma e profundamente. Pausadamente. Dentro. Fora. Dentro. Fora. Acalma-te. A pouco e pouco os tremores, os suores e o pulsar na minha testa abrandaram até que, eventualmente, pararam.
-Que lindo, Mariana, um ataquezinho de ansiedade por causa do ex estar a dormir na mesma casa é uma coisa super normal. Não se vê em todo o lado? Humm. Não? Porque será?- revirei os olhos para mim mesma. Continuei a ver resmungar enquanto passava água nos pulsos e na cara.
Eu só preciso de sair e ir dar outra corrida. Mais dois quilómetros não devem matar. Vou à cozinha encher a garrafa de água, aproveito e olho para o calendário e quase caio para o lado. Afinal era mesmo para eles chegarem hoje. A Mel e Artur devem ter saído os dois e o imbecil do James ficou a dormir. Maldita a hora em que decidimos procurar apartamento todos juntos ainda antes da escola acabar.
Bom, se não fosse assim, provavelmente nem teríamos encontrado um apartamento. Isso. Foca no bom, Mariana. Ao menos tens um apartamento. E a possibilidade de ver O Estúpido todos os dias. Uau. Até o meu otimismo agora é pessimista. Vou ter de começar a dar-lhe na meditação. Não há cá mais baldas. Se bem que meditar e atirar uma frigideira ao James são duas opções igualmente terapêuticas
Depois meto-o num armário, tranco o armário com uma cadeira e ele acaba sem escolha a não ser ir para Nárnia para ser congelado pela Rainha das Neves. Hum. Opção interessante. Acho que vou experimentar. Mas depois é menos um a contribuir para a renda.
Ai que horror. Já estou a pensar na renda e eu nem sequer pago a minha parte toda (os meus pais ajudam). Imaginar quando estiver por minha conta. Ai, credo. Faço uma careta. Isto de ser adulta não é para mim.
Acabo de encher a garrafa e quando me viro dou de caras com quem? O Donald Trump? Não. Mas igualmente assustador e desprovido de inteligência.
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Mama Mia
RomanceA Mariana era um tipo de rapariga daquelas que estão sempre a dizer que não precisam de rapaz (e não precisam) e que os relacionamentos são muito giros,mas é entre os outros. O James era um rapaz que só queria ter uma segunda oportunidade e esclarec...