E eu vou descer até o fim
Na estrada para o inferno
AC/DC - Highway To Hell— 6. Mutação —
Léo se afasta dos mortos-vivos, dando ré com o carro. Ele o volante bruscamente, fazendo todo o jipe — e inclusive nós — balançar violentamente, enquanto tenta se afastar das aberrações. Mesmo por cima do ronco do motor raivoso, ainda consigo ouvir os grunhidos dos mortos-vivos, que parecem determinados a devorar nossa carne.
Meu coração bate desenfreado dentro da minha caixa torácica. Estou quase acreditando que, a qualquer momento, ele irá quebrar meus ossos, romper minha pele e saltar para fora, de tão forte e rápido que bombeia meu sangue.
Estou assustada. Nunca houve uma situação em que essas malditas aberrações levantaram-se após um tiro na testa ou sequer se escondessem e recuassem, como aquele morto-vivo fez.
— Merda! Merda! Merda! Mas que porra! — Kenji grita, batendo as mãos nas coxas.
— Aquelas malditas aberrações sofreram uma nova mutação após anos. — Diz Léo, mais calmo que Kenji, embora eu detecte nervosismo em sua voz.
— Não me diga, Sherlock Holmes! — Ironiza o mestiço, cheio de raiva.
Léo revira os olhos e continua dirigindo, enquanto os mortos-vivos nos perseguem.
Olho para trás e percebo outra coisa que me faz estremecer.
— Eles estão mais rápidos. — Digo. Kenji olha para trás e solta uma nova série de palavrões.
— Ótimo! Força extrema, ótima audição, voltam à vida, de novo, estão mais rápidos e brincam de pique-esconde. Agora falta mais o quê? Algum morto-vivo tarado que vai sair correndo pela rua de pau duro à mostra!? — Abro a boca e olho horrorizada para Kenji.
— Kenji! Cale a porra da boca por um segundo. — Sibila Léo para o mestiço.
Limpo o suor das mãos na calça.
— Não podemos voltar para o acampamento. — Olho novamente para trás. — Não sabemos até onde a mutação melhorou essas coisas, então não podemos arriscar voltar e colocar todo mundo em perigo.
— Você tem razão. — Léo concorda. — Mas então, o que faremos? Não podemos lutar com eles agora. Se gastarmos nossas munições, e mesmo assim, eles continuarem de pé, será bem ruim 'pra nós.
Deixo um suspiro escapar.
Poderíamos tentar desmembrar os mortos-vivos, mas isso nos deixaria vulneráveis e expostos se usássemos as armas brancas. Por outro lado, se usarmos as granadas, o som da explosão pode atrair outros mortos-vivos. É quase como se estivéssemos num beco sem saída.
— Talvez, se a gente usar nossas granadas para explodir os corpos deles, tenhamos alguma vantagem. — Sugiro. Mesmo que não seja a ideia mais racional, é a única que consigo pensar agora. — O problema será o som da explosão, que pode atrair mais mortos-vivos.
Um pesado silêncio recai sobre o carro como uma manta. Eu sei que Léo e Kenji estão considerando minha sugestão e também estão pensando em alternativas. Porém, temos que nos apressar e formar logo um plano, não dá para ficar andando pela cidade o dia todo.
— Pode ser que funcione. — Kenji diz, depois de alguns minutos em silêncio. — No total, são quantos mortos-vivos?
Olho para trás e conto aquelas coisas horríveis.
— São sete.
— E quantas granadas temos?
Pego todas as minhas granadas que estão nos bolsos da minha calça.
— Tenho quatro comigo. — Passo as granadas para Kenji.
— Tenho três. — Léo diz, pegando as granadas de seus bolsos.
— Tenho três. Ótimo. Temos dez granadas e sete mortos-vivos. Então, faremos o seguinte: Léo, você diminui a velocidade do carro, para a nossa taxa de acerto ser maior, e Alice e eu lançamos as granadas.
Kenji vira para mim e pergunta:
— Você é boa de mira?
Assenti.
— Beleza. — Ele me entrega cinco granadas e fica com as outras cinco. — Léo, vire na próxima esquina. Vamos usar esse momento para nos pendurar para fora da janela. Pronta, Alice?
— Sim.
— Então se prepare!
Léo acelera o jipe, fazendo a curva da esquina. Coloco minha máscara, abro a janela e lanço metade do meu corpo para fora. Quando os mortos-vivos nos seguem fazendo a curva, Léo diminui um pouco a velocidade e eu lanço a primeira granada, que acerta a cabeça de uma das aberrações explodindo-a. O corpo cai no chão, dando alguns espasmos, mas não mostra sinais que vai levantar.
Os mortos-vivos se aproximam e Kenji grita para Léo acelerar um pouco e depois diminuir a velocidade. Miro na segunda aberração, que tem metade do seu crânio à mostra e observo seus restos se espalharem pelo chão. Abato mais dois mortos-vivos e volto para dentro do carro. Escuto uma última explosão causada por Kenji.
Respiro fundo, recompondo-me. Ficar pendurada na janela de um jipe, lançando granadas e torcendo para acertar é algo que nunca achei que faria.
❈
Depois de nos certificarmos de que estava seguro voltar, fizemos nosso caminho para o acampamento. Deixamos o jipe ao lado da estrada, escondido entre as árvores. Contamos ao pessoal tudo o que havia acontecido; todos nos encararam com semblantes preocupados e atordoados.
— E aquele morto-vivo que se escondeu, vocês o encontraram? O que aconteceu com ele? — Perguntou Roberto.
— Não. Alice disse que, assim que aquelas aberrações se levantaram e começaram a vir em nossa direção, ele recuou, quase como se soubesse que iria morrer se ficasse lá. — Kenji colocou a cabeça entre as mãos e suspirou. — Não ficamos para trás procurando por ele, pois estávamos preocupados que o som das explosões pudesse atrair mais daquelas coisas.
— Vocês fizeram bem em recuar. — Felipe disse. — Não é normal um morto-vivo agir como se tivesse consciência.
Felipe fez uma pausa. Quase pude ver as engrenagens girando em sua cabeça.
— Precisamos reforçar a segurança do nosso acampamento. Por enquanto, vamos criar algumas estratégias e nos dividir em grupos para montar vigília.
Felipe, um ex-tenente-coronel do exército, começou a montar um plano de segurança. Ele dividiu as pessoas em pares e repassou pontos estratégicos onde cada um deveria se posicionar durante a vigília. Também nos instruiu sobre como agir para não atrair a atenção daquelas coisas e como informar aos demais no acampamento caso fôssemos abordados por mortos-vivos.
Depois de montar a estratégia e repassá-la minuciosamente, Felipe, Kenji e Léo foram verificar os armamentos, certificando-se de que não teríamos problemas com falta de munição, granadas ou coletes. Roberto também saiu para verificar o kit de primeiros socorros.
Enquanto isso, eu e o restante do pessoal ficamos onde estávamos, em silêncio. Cada um perdido em pensamentos, sem saber o que acontecerá de agora em diante.
VOCÊ ESTÁ LENDO
ECO DOS MORTOS
Science FictionNo ano de 2035, a raça humana vive um grande declínio. Dez anos antes, quando um experimento deu errado em um laboratório do maior centro de pesquisas do mundo, teve início o pandemônio global. Uma raça denominada "Mortos-vivos" - cadáveres decompos...