Capítulo 1: A Solidão do Silêncio

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O silêncio envolvia a casa de Emika como uma manta invisível, sufocante e constante, que preenchia cada espaço, cada canto, cada momento.

Na pequena vila em que vivia, o som das risadas e brincadeiras das crianças era abafado assim que se aproximava da casa dos seus pais.

A propriedade era mantida com rigor pelo pai, um homem cujo olhar exigia respeito e cuja presença exalava autoridade.

Dentro daquelas paredes, a energia era diferente, densa.

Emika, uma menina de apenas Dez anos, vivia como uma estranha dentro do próprio lar.

Enquanto seus amigos do vilarejo corriam livres pelo campo e se cobriam de poeira e risos, ela passava seus dias trancada, ensaiando posturas e modos à luz fria de um cômodo escuro, onde a mãe a guiava como uma escultura que precisava ser moldada à força.

A cada pequena falha, uma régua de madeira encontrava suas costas, o som seco do impacto reverberando no ar e ficando suspenso no silêncio, como se até mesmo as paredes quisessem reprimir qualquer reação da menina.

A mãe de Emika era a própria personificação do controle.

Com os cabelos presos impecavelmente e as roupas sempre alinhadas, movia-se com a precisão de um soldado.

A rotina de Emika era controlada ao milímetro: acordava ao som de passos decididos, que ecoavam pela casa antes do amanhecer, e começava imediatamente a cuidar das tarefas domésticas, seguindo uma lista detalhada de instruções.

Qualquer coisa fora do padrão estabelecido era punida.

Ela deveria ser uma boa menina, uma boa moça — na visão da mãe, uma mulher preparada para ser esposa e obediente. Tudo o que era esperado de Emika convergia para uma única coisa: obediência irrestrita.

Mas a verdade era que Emika carregava dentro de si uma inquietação, um desejo insuportável de liberdade que crescia a cada golpe de régua, a cada castigo silencioso.

Sua alma gritava, embora os lábios nunca ousassem se abrir.

Ela era a perfeita aluna no aprendizado das etiquetas, mesmo que aquilo lhe esmagasse o coração.

À noite, depois de longas horas de tarefas e treinos de postura e modos, Emika se ajoelhava ao lado de sua cama e fazia orações em silêncio.

Rezava para que Deus a visse, a ouvisse.

  Implorava por uma razão para suportar a dor que carregava, perguntando o motivo de ter sido colocada naquela situação, naquela família.

   Seus murmúrios eram baixos, sufocados, como se temesse que até mesmo o som de sua súplica pudesse atrair mais punições.

"Oh, Deus, por que o Senhor me criou para ser apenas uma sombra na vida de outras pessoas? Será que é pecado desejar um pouco de liberdade, um pouco de paz? Será que o Senhor… se importa comigo?"

Essas palavras, por mais tímidas que fossem, revelavam a profundidade de seu sofrimento e o desejo incontrolável de encontrar um sentido para sua existência.

Emika se perguntava se sua alma era condenada, se sua vida havia sido destinada apenas ao sofrimento. Ela buscava um propósito, algo que pudesse justificar a dor que sentia.

Porém, em todas as noites, o único retorno que recebia era o silêncio. Um silêncio que a cada dia parecia mais sombrio e profundo.

Em meio a esse cotidiano de submissão, havia o pai de Emika. Ele raramente falava com a filha, mas seu olhar era o suficiente para lembrar Emika de seu lugar.

Ele a via como uma extensão de si mesmo, alguém destinada a manter sua imagem pública intocada e irrepreensível.

Para ele, Emika não passava de uma peça a ser usada e exibida, uma figura a ser moldada de acordo com os padrões que ele pregava no púlpito da igreja.

O peso dessa ausência de afeto a fazia sentir-se invisível.

Em um dia específico, ele a levou para assistir a uma cerimônia do culto, enfatizando que ela precisava aprender a obediência feminina e o respeito que uma mulher deveria ter.

Ele a fez sentar-se nas fileiras de trás, observando em silêncio enquanto pregava sobre os deveres das mulheres e a importância da submissão.

Emika sentia cada palavra como um peso adicional sobre os ombros.

As mulheres ao seu redor, com os rostos vazios e os olhares perdidos, pareciam sombras de uma realidade maior que Emika não podia ver completamente, mas que temia descobrir.

Mais tarde, naquela noite, sozinha em seu quarto, ela ajoelhou-se mais uma vez ao lado da cama e repetiu a pergunta que ardia em seu coração:

"Por que eu tenho que viver assim, Deus? O Senhor não poderia ter me dado uma vida diferente?"

Ela esperava uma resposta, alguma coisa que lhe trouxesse conforto.

E, por um breve momento, ela imaginou que ouviu uma resposta, um sussurro muito leve, algo que parecia vir de dentro de sua mente:

"Aguarde. Algo mudará."

Ela ficou estática, sem saber se realmente ouvira ou se sua mente cansada estava pregando-lhe uma peça.

No entanto, aquela sensação, aquele sussurro incerto, foi o suficiente para lhe dar uma faísca de esperança.

A noite caiu profundamente, e enquanto Emika adormecia, uma presença pequena e sutil se materializava à sombra do quarto.

A figura pequena e sombria observava a garota com um olhar curioso, quase encantado.

Ela era uma menina frágil, mas havia algo em seus olhos, uma força desconhecida que talvez ela mesma ainda não tivesse descoberto.

A criatura, invisível para qualquer outro, sentiu um sorriso se formar em seu rosto.

Era como se aquele momento marcasse o início de algo grandioso.

Na escuridão do quarto, enquanto Emika dormia, a figura começou a se mover, lenta e silenciosa, pairando ao lado da cama.

A criatura sabia que uma porta havia sido aberta naquele coração, uma porta que nunca poderia ser fechada novamente.

O Sombrio Despertar de EmíkaOnde histórias criam vida. Descubra agora