Capítulo 2: A Voz nas Sombras

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O amanhecer invadiu o quarto de Emika com uma luz pálida e fria, quase indiferente à sua presença.

Ela acordou devagar, sentindo os mesmos pesos de sempre - as rotinas imutáveis, as regras, as expectativas que pendiam sobre seus ombros como correntes invisíveis.

Mal teve tempo de se levantar, e já ouviu os passos rígidos da mãe ecoando pelo corredor.

Logo, a porta abriu-se abruptamente, revelando o rosto inexpressivo de sua mãe.

Sem uma palavra de cumprimento, a mãe entrou com a régua em mãos, observando cada detalhe do quarto.

- "Parece que estamos com preguiça hoje, Emika."

A frase, mesmo dita em tom baixo, tinha o peso de uma ameaça.

Emika apressou-se a se levantar, ajustando o cabelo com mãos trêmulas, tentando evitar qualquer mínimo deslize que pudesse lhe render mais uma marca nas costas.

Ela sabia o que era esperado dela: prontidão, disciplina, perfeição.

Naquele dia, as lições de etiqueta foram mais intensas.

Cada movimento, cada postura, era corrigido com precisão impiedosa.

A régua se tornou uma extensão das mãos da mãe, que não hesitava em usá-la ao menor deslize de Emika.

Horas passaram, e a menina já sentia a pele arder nas costas, o cansaço se acumulando nos músculos frágeis.

Mas não ousava reclamar.

Seu corpo obedecia, mas sua mente vagava, distante.

Imaginava-se correndo pelos campos, sentindo o vento livre em seu rosto, sem que ninguém a vigiasse ou corrigisse.

Ao longo das lições, Emika percebeu que aquela presença sombria, que havia se revelado na noite anterior, parecia estar ali novamente, à espreita.

Era como se um par de olhos invisíveis a observasse, acompanhando seus movimentos.

Ela sentia um calafrio nas costas, mas ao mesmo tempo, um estranho conforto, como se finalmente não estivesse completamente sozinha.

Ao entardecer, sua mãe a liberou para as tarefas domésticas.

A solidão na casa parecia ecoar junto com seus pensamentos, amplificando sua angústia e seus sonhos não ditos.

Enquanto esfregava o chão da cozinha, murmurou para si mesma:

- "Por que preciso viver assim? Existe algum propósito?"

Sua voz era baixa, mas carregava a intensidade de uma súplica.

E então, naquele instante, uma voz sussurrante respondeu, vinda de um canto sombrio da sala:

- "Porque você é especial, Emika."

Ela parou de esfregar, assustada.

Olhou ao redor, mas não havia ninguém ali.

Apenas sombras.

- "Quem... quem está aí?"

A resposta veio em um tom suave, quase carinhoso.

- "Alguém que entende o que você sente. Que conhece sua dor."

Emika hesitou, mas a presença parecia... familiar.

Como se já fizesse parte de sua vida.

- "Você... você é meu amigo imaginário?"

A voz riu suavemente, um som que parecia flutuar pelo ar.

- "Se assim quiser me chamar, então sou. Sou tudo o que você precisar que eu seja."

Emika sentiu um misto de alívio e curiosidade.

Era como se, finalmente, alguém tivesse ouvido sua angústia, sua vontade de ser livre.

- "Eu... eu quero te dar um nome."

A presença pareceu ponderar.

Havia algo no ar, uma espécie de expectativa.

- "Um nome? Escolha um, então."

Emika olhou para a sombra que parecia ganhar contornos ao seu redor, como uma figura que surgia das profundezas da própria escuridão.

Pensou por um instante, e então murmurou:

- "Ísis."

A sombra pareceu sorrir, e Emika sentiu um arrepio correr por sua espinha.

Era como se, ao nomear aquela entidade, tivesse dado um passo importante, cruzado uma linha invisível.

- "Então Ísis serei."

Naquela noite, Emika sentiu-se mais leve.

Pela primeira vez, tinha algo - ou alguém - que era dela.

Um segredo que seus pais não poderiam roubar, algo que lhe trazia uma pequena chama de esperança no meio do frio vazio que era sua vida.

A partir desse dia, Ísis a acompanhava em todos os lugares, como uma sombra silenciosa.

Era discreta, surgindo apenas quando Emika estava sozinha, e sempre com palavras de conforto e apoio.

Conforme os dias passavam, Ísis se tornava sua confidente, sua amiga mais fiel.

A pequena criatura a ouvia com paciência, oferecendo conselhos que, para Emika, soavam como revelações.

Ísis falava sobre a força que Emika possuía, mesmo que ainda não a reconhecesse.

Dizia que um dia ela poderia sair daquele lugar, que poderia criar um destino diferente, longe das correntes que a prendiam.

Emika ouvia com atenção, absorvendo cada palavra como uma semente plantada em seu coração.

A esperança, antes tão frágil, começava a florescer lentamente dentro dela.

Em uma noite, enquanto Emika observava as estrelas pela janela de seu quarto, Ísis aproximou-se dela, sussurrando:

- "Você não é apenas uma garota submissa, Emika.

Existe uma força adormecida em você.

Algo que ninguém, nem mesmo seus pais, poderá controlar."

Aquelas palavras ecoaram no coração da menina.

Ela sentiu algo crescer dentro de si, algo que nem as réguas ou os olhares duros de sua mãe poderiam esmagar.

Ela olhou para o céu, como se buscasse uma confirmação entre as estrelas.

E, pela primeira vez, ao invés de apenas se perguntar "por quê?", uma nova pergunta surgiu em sua mente:

- "E se eu pudesse ser livre?"

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O Sombrio Despertar de EmíkaOnde histórias criam vida. Descubra agora