CLARA NÓBREGA
Acordo um pouco mais cansada que o normal, com a lembrança vívida de um sonho confuso com Renato, o amigo de infância do meu pai. Já tive muito sonho estranho, mas esse realmente ganhou de lavada. Sinto o rosto quente só de lembrar a forma que aquele velho tarado me encarou e, ao abrir os olhos completamente, dou de cara com algo que me faz arregalar os olhos.
Renato está deitado do meu lado. Na minha cama.
Meu coração dispara, e a pergunta invade minha mente antes mesmo que eu tenha coragem de responder: Não foi sonho?
Engulo em seco, ainda tentando entender o que ele está fazendo ali. Minha primeira reação é cutucá-lo de leve, apenas para confirmar que ele é real. Mas ele nem se mexe. A respiração dele é profunda, os olhos fechados, totalmente alheio ao caos que se passa na minha mente.
— Renato! — sussurro, mais para mim mesma, tentando não soar desesperada.
Quando percebo que ele não reage, começo a cutucá-lo com mais força, aumentando a intensidade a cada toque, até que estou praticamente empurrando o ombro dele. Nada. Nem um sinal de vida.
O desespero começa a tomar conta de mim. Sinto meu rosto esquentar, e o estômago dá um nó. E se ele não acordar? Como vou explicar que o homem que minha mãe mais detesta está dormindo ao lado da única filha dela? Ela já está acordada, posso ouvir o som do café sendo preparado na cozinha. E eu aqui, presa com ele.
Minha mente corre em busca de uma solução, mas tudo parece impossível. Então, numa tentativa desesperada, levanto rapidamente e vou até o banheiro dentro do quarto. Meus olhos encontram um pequeno jarro com flores que havia ganhado do meu pai. Sem pensar duas vezes, tiro as flores e volto com o jarro nas mãos, o coração batendo forte. Chego perto dele e, num impulso, viro a água direto no rosto dele.
Renato desperta com um susto, os olhos se abrindo de uma vez, a expressão atordoada. Em um movimento rápido, ele leva a mão ao cós da calça e saca uma arma, apontando na minha direção. O susto é tão grande que levanto as mãos, como se pudesse me proteger.
— Calma, calma! — digo, o tom um pouco trêmulo, tentando disfarçar o nervosismo.
Ele pisca algumas vezes, como se tentasse entender onde está e o que está acontecendo, até finalmente perceber que sou eu.
— Que inferno, Clarinha... — ele murmura, baixando a arma e esfregando o rosto molhado com uma mão. — Precisa disso tudo pra me acordar?
— Precisa sim, porque você parecia uma pedra morta! — respondo, tentando manter a voz firme, embora meu coração bata tão forte que sinto a pulsação na garganta. — E desde quando você dorme na minha cama?
— Na hora que saí daqui, eu ouvi o caveirão do BOPE subindo o morro e achei melhor continuar escondido aqui, mas tava morto de cansaço... Acho que só deitei um pouco e acabei dormindo.
Reviro os olhos, ainda segurando o jarro vazio nas mãos, tentando controlar a respiração que sai em pequenos arfados de nervosismo.
— O BOPE entrou na favela, e o líder de uma facção achou de bom tom se esconder dentro da casa de uma família honesta? — Minha voz sai carregada de sarcasmo, e não consigo disfarçar a indignação.
Ele me lança um olhar desafiador, o sorriso diminuindo, dando lugar a uma expressão quase amarga.
— Seu pai também era bandido, porra.
— Antes de eu nascer, agora ele é trabalhador.
Renato balança a cabeça, como se risse da minha inocência.