UM

1 0 0
                                    


Parte I

“Cada vez que você faz uma opção está transformando sua essência em alguma coisa um pouco diferente do que era antes.”
— C. S. Lewis



Sinto o calor percorrer por cada parte da minha pele, sinto o suor começar a aparecer cada vez mais, deslizando devagar sobre a minha testa e no mesmo instante aglomerando mais gotas pequenas de suor salgado, mostrando o calor que está esse lugar. As gotas deslizam devagar sobre a minha pele negra e molhada que brilha com a luz do sol, as gotas refletem sobre meus olhos fazendo-os arderem.

Passo a mão sobre minha testa e retiro de uma forma burra e insolente as gotas de suor que se formaram. Preciso sair daqui o mais rápido possível e ir para um lugar que tenha sombra.
O reino fica quente em algumas épocas do ano, mas não deixa de ser frio a noite, nunca fica calor quando o sol se põe e resta apenas o brilho intenso da lua e algumas nuvens se formando sobre o céu escuro, enquanto as estrelas pulsam suas cores.

Mas nesse momento está um calor insuportável, meus olhos não conseguem nem ao menos olhar para cima. Coloco a minha mão acima dos meus olhos fazendo-me avistar de longe as árvores que fazem sombras intensas e frescas sobre o solo, corro até elas e no mesmo instante sinto o frescor sobre o meu corpo. Minha pele sente a brisa intensa que faz elas se balançarem sobre os ventos vindos de todos os lados nesse momento, trazendo alívio para mim a cada segundo que se passa.
Fecho os meus olhos e esculto o barulho suave do rio fluindo para o seu destino. O chiar da cachoeira aqui perto batendo sobre a água e mostrando um som delicioso e refrescante que me faz levantar em instantes, sem nem ao menos pensar em que lado fica certamente o rio que me tira dessa sombra.

Começo a andar devagar ouvindo o som ficar cada vez mais alto, minha pele se arrepia sobre a brisa que fica cada vez mais forte. Escuto o chiar das folhas chocando entre si e chacoalhando um barulho fenomenal sobre os meus ouvidos, os raios de sol passa por entre as frestas das folhas verdes escuro das árvores, fazendo um som perfeito e um aroma lindo de chuva que acaba de molhar a terra, exalando um aroma terroso e completamente aconchegante. Meus olhos procuram a cada segundo a forma liquida que está fazendo esse barulho glorioso para mim, me chamando loucamente para que eu posso desfrutar da água cristalina e refrescante.

Paro no meio de imensas árvores ao meu redor, o som continua mais alto, e mesmo assim eu não consigo ver. As árvores atrapalham a minha visão, mas sei que está perto aqui em algum lugar, não está longe de mim, o som está alto e forte, e é como de uma cachoeira, desaguando as suas águas sobre o rio.

Olho ao meu redor aos poucos e procuro o rio, dou passos lentos sentindo a brisa passar por entre a minha roupa que nesse instante estava molhada de suor, mas agora está fresca e aconchegante. A minha garganta completamente seca me deixa mais ansioso para encontrar a água que está se escondendo de mim nesse momento.
Engulo em seco a minha saliva e sinto rasgar a minha garganta e nesse momento o brilho do sol refletindo sobre  água em movimento me faz arregalar os olhos de felicidade.

— Água! — a palavra sai da minha boca como um  grito de guerra, ou melhor um grito de vitória que acaba de ser conquistado.

Corro loucamente para o rio.

Me abaixo devagar, e repouso as minhas mãos dentro da água. Sinto o frescor passar por cada fibra da minha pele. Fecho os meus olhos e levo a água em minhas mãos como uma concha e jogo sobre o meu rosto, tirando a impregnação do suor sobre minha pele e me refrescando, tirando as gotas de suor e as trocando pelas gotas suaves e perfeitas da água, deslizando em meu pescoço.

Levo a água em minha boca e olho para o lado, em segundos eu me assusto e bebo a água bem devagar, sinto minha garganta sendo molhada aos poucos sem fazer nenhum barulho, me deixando completamente invisível restando apenas o barulho do rio.

Respiro fundo.

Há um grande cervo um pouco perto de mim, está em uma distância favorável da minha presença, pois logicamente sou uma ameaça para sua vida.

Ele dá passos para frente e abaixa a sua cara lentamente e depois encosta a sua boca na água. Rapidamente ele começa a beber da água como se estivesse a dias com sede, saboreando loucamente enquanto eu estou aqui, sem se importar que estou a uma distância favorável dele.

Ele é grande e com uma pelagem um pouco mais escura, seus belos chifres como galhos me deixam hipnotizados.
Levo a minha mão devagar para trás e pego uma flecha pela ponta, posiciono sobre o arco lentamente, endireito a minha postura e relaxo o meu corpo sobre o solo, fico em posição de ataque sobre o cervo, ele ainda não me notou aqui, então preciso ser completamente ágil como uma cobra nesse momento e não fazer nenhum barulho sequer para que eu possa acertar essa flecha sobre ele, e se caso eu não acertar, estar preparado para correr atrás dele, e de alguma forma levar essa carne suculenta para casa.

Puxo a corda do arco para trás e deixo que minha confiança exale para todo o meu corpo, deixando o meu cérebro completamente relaxado, coloco um pouco mais de força, fecho um olho e fico parado mirando agilmente sobre a minha presa que está a minha frente.
Solto a corda, o som da flecha rasgando o ar me deixa vidrado e no mesmo instante a flecha acerta sua carne em sua parte traseira. O animal geme de dor e grunhe um certo barulho estranho e rapidamente os seus olhos me veem, vejo o medo percorrer por cada parte dos seus olhos, levo rapidamente a minha mão e pego outra flecha, mas ele foge.

— Volta aqui seu engraçadinho — digo para mim mesmo enquanto começo a correr atrás o animal.

Em movimento eu posiciono a flecha sobre o arco e em completa adrenalina eu tento acertar, mas quando solto eu erro, então continuo a correr atrás dele, sentindo o meu coração bater cada segundo mais forte.

Eu o acertei, ele irá cansar, só preciso não o perder de vista.

Vejo seus pulos e sua pata atrás ficando vacilantes, me escondo atrás de uma árvore e o vejo começar a mancar e grunhir aos poucos, o som que sai da sua boca é como um pedido de ajuda a alguém. Miro a flecha sobre ele e solto, acertando assim mais uma vez o animal, mas dessa vez em sua parte inferior.

Ele grunhiu e cai sobre o chão. Vou andando devagar para perto dele, deixo o meu arco sobre o chão e desembainho a minha adaga e posiciono-a em minha mão prestes a acabar com isso. O cervo começa a grunhir, mas rapidamente eu passo sobre o seu pescoço a lâmina afiada da adaga cessando o som do seu sofrimento.

O silêncio se torna um amigo nesse momento, e como um espasmo de medo, sinto o meu coração acelerar e o meu corpo todo ficar arrepiado.

Olho ao meu redor e percebo que o lugar está completamente escuro. Não consigo distinguir esse lugar onde estou, o sol ainda está por cima das árvores, mas a tantas que fica completamente sem luz...

Eu não deveria estar aqui, eu não deveria em nenhuma hipótese estar aqui. Lembro rapidamente das histórias sobre ela e do decreto. A uma distância de ao menos dez metros está uma árvore diferente de todas ao seu redor, balançando lindamente suas folhas azuis sobre o vento.

É a árvore, estou longe das terras do reino.

Maldição.

Começo a dar passos para trás me afastando devagar do cervo que era a alguns segundos a minha caça, fico com os meus olhos completamente vidrados e fixos sobre a árvore que nesse momento está sendo uma certa inimiga formidável para mim.

Os seus frutos azuis e grandes chamam a minha atenção, nesse momento uma fome diferente e louca toma conta de mim, mas continuo a me afastar, não consigo e não posso ficar aqui. Me viro para começar a correr, respiro fundo e corro.

Mas no mesmo instante o vento fica forte e um aroma novo e hipnotizante passa sobre as minhas narinas, entrando para dentro de mim e ludibriando o meu cérebro a não sair dali, mas continuar o trajeto até ela, para sentir sobre a minha boca o doce e delicioso sabor do fruto.
Nesse momento eu me viro e como um louco faminto eu vou avançando para perto da árvore e do seu fruto mortal.





Fruto Mortal Onde histórias criam vida. Descubra agora