Epílogo

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        No ponteiro do relógio de pêndulo estava quase marcando meia-noite, estava escuro, a única coisa que clareava o local, eram as velas dispersas no ambiente, uma criada estava segurando a mão da mulher, cuja não parava de espernear, o quarto era repleto de criadas correndo de um lado pro outro, uma segurando panos, outras tentando ajudar a parteira que estava entre as pernas de mulher deitada na cama, o cômodo estava muito cheio, um guarda-roupa branco detalhado com desenhos de rosas vermelhas, ao lado uma penteadeira amadeirada, um espelho com as bordas douradas ao lado, o relógio de pêndulo que estava na parede de frente ao espelho e um piano na tonalidade escuro no canto, tudo isso com as mulheres correndo de um lado pro outro, o quarto não ia aguentar toda a bagunça.
⁃ Por favor imperatriz, preciso que faça mais força. - falou a parteira, sua roupa branca já estava toda ensanguentada, sua aparência era bonita, seus cabelos loiros estavam amarrados em um coque em cima da cabeça, seus olhos vermelhos brilhavam por conta das velas, sua pele clara como se não houvesse nenhuma gota de sangue em seu corpo- Você não quer perder outro filho.
⁃ Achas que eu não sei disso?- gritou a mulher deitada na cama, sua beleza era indescritível, seus cabelos escuros, tão pretos quanto a noite, seus olhos amarelos olhavam com ira para a parteira, mas existiam desespero escondido entre sua raiva, seus lábios carnudo vermelhos estavam apertados, como se estivesse segurando um grito. Ela não queria perder outro bebê, ela não podia, não conseguiria aguentar perder outro filho. Seus olhos estavam se enchendo de lágrimas, ela começou a morder seu lábio inferior. Ela segurou mais forte na mão da criada, e impulsionou, usou todas as forças que estavam restando dentro de si, e no final de suas forças, ela gritou, gritou a ponto de fazer o espelho trincar, a fazer algumas criadas tamparem os ouvidos, que seu grito pode ser escutado por todos os homens que estavam na corredor esperando alguma resposta, incluindo seu marido.
⁃ Como que não posso ir até ela? - disse o homem alto, de aparência mais robusta, seus cabelos pretos penteados para trás, seus olhos amarelos brilhavam como fogo, usava uma camisa cumprida branca embaixo de um colete azul escuro, ficava rondando de um lado pro outro, estava ansioso, era anos esperando por isso, não sabia se daria certo ou não. - É a minha esposa e meu filho.
⁃ Vossa excelência, não lhe é permitido entrar naquele recinto, sua esposa precisa de espaço para se concentrar. - disse um dos guardas que estava no corredor, estavam enfileirados entre as paredes, o corredor era longo, com alguns quadros moldurados, com retratos antigos, como ancestrais de uma era não conhecida.
⁃ Estou perdendo minha cabeça, a quanto tempo estamos aqui? - perguntou o imperador enquanto colocava suas mãos na cabeça, ele estava tão preocupado em saber da situação que não viu que já tinha se passado horas desde que sua esposa deu sua primeira contração.
⁃ Ela está lá faz 10 horas, Vossa excelência. - disse o guarda ainda imóvel, enquanto viu o soberano soltar um longo suspiro.
Então ouve um silêncio, todos ficaram calados, não haviam mais gritos, só um silêncio insuportável, o homem ficou apavorado, ele achou que algo tinha acontecido, e aconteceu, logo pode se ouvir um pequeno choro de fundo, seria sua esposa chorando? Só que veio uma onda de felicidade, era um choro mais suave, de algo pequeno, logo a parteira saiu do quarto com o rosto baixo, se levantou, abriu um enorme sorriso.
- Alteza, o seu filho acaba de nascer. - falou enquanto se curvava lhe mostrando respeito. - Pode entrar, Sebastian.- ela se afastou da porta, e soltou um longo suspiro, se sentou em uma das poltronas que estava grudada na parede e desabou de cansaço, ela precisaria de muito sangue depois desse trabalho.
- Obrigada, minha velha amiga. - disse ao se virar pra ela e depois adentrar-se ao quarto. Seus olhos se fixaram a sua amada se apoiando, sentada com um pequeno menino no colo, ela sorria e choramingava baixinho, um choro feliz, um choro de conquista. Logo ergueu seus olhos, olhou para seu esposo.
⁃ Querido... nosso menino é lindo... - falou em meio as lágrimas. - O herdeiro do trono... tem seus olhos...
Sebastian se aproximou lentamente, chegou ao lado da cama, delicadamente se inclinou para perto e deu uma beijo na testa de sua amada.  Depois se virou para a criança, que chorava baixinho nos braços de sua mãe, sua pele tão clara, cabelos fartos escuros, e olhos cintilantes, tão quanto uma safira amarela, lindos, hipnotizantes.
⁃ Meu herdeiro... Victor... - Sebastian o pegou no colo e o balançou devagar. - O primeiro de uma nova era. - aos poucos o bebê se acalmou. - Você trouxe um filho saudável, Lysandra, meu amor. 
        Assim que se virou para ela, percebeu que ela não respondia, parecia mais fraca, mais transparente, ele podia ver suas veias roxa ficarem mais escuras, elas não estavam, a pele de Lysandra que ficava ainda mais clara. O parto tinha sido concluído por um fio, ela usou todas suas forças para dar a luz ao seu bebê, agora ela estava cogitando em dar seu último suspiro para descansar, ela não tinha sangue, ela precisava de sangue.
⁃ Lysandra! - gritou Sebastian, entregou seu bebê para uma das criadas, e se voltou para sua esposa, a segurou nos braços. - Traga aquele sangue para ela agora. - se virou para a outra criada que estava ao lado da porta.
⁃ Majestade, se usarmos o sangue, mataremos aquele homem, ele esta fraco, não faz nem um dia que o mutilamos para a venda. - falou em um choramingo. - Se ele morrer, não sabemos quando nascerá novamente uma criança de olhos azuis.
⁃ Eu não perderei minha esposa por um mísero humano, matem ele, traga todo sangue que aquele porco term, e joguem seu corpo para os cachorros. - ordenou Sebastian, enquanto se aconchegava na cama com Lysandra em seus braços. - Fique tranquila meu amor, logo você estará melhor...
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         Aquele lugar era sujo, um calabouço esquecido pelo tempo, quase tão morto quanto o homem preso ali dentro. Correntes pendiam das paredes, sustentando um corpo magro e sem forças. Sua pele morena, outrora vibrante, agora parecia cinzenta, sem qualquer traço de vitalidade. As roupas rasgadas mal cobriam os ossos protuberantes, e os cabelos, longos e oleosos, caíam sobre o rosto marcado pelo sofrimento. Mas, apesar de tudo, havia algo nele que desafiava a decadência: seus olhos. Dois pontos de luz azulada brilhavam em contraste com a escuridão do lugar, tão belos e únicos que pareciam carregar a última fagulha de sua alma.
          Ele não tinha nome. Talvez, em outra vida, alguém tenha lhe dado um. Mas, depois de tanto tempo, o nome se tornara irrelevante. Tudo que restava era o vazio e a dor. Seu corpo havia sido cortado e rasgado inúmeras vezes, o sangue derramado para sustentar os desejos de monstros. Anos de tortura ininterrupta o haviam reduzido a um instrumento descartável. E agora, mais do que nunca, ele desejava o fim.
          A porta do calabouço rangeu ao ser aberta. O som ecoou pelas paredes úmidas e sombrias, anunciando a chegada de alguém. Um guarda entrou, sua presença imponente preenchendo o espaço. A pele cinzenta contrastava com os olhos vermelhos como brasas, que brilhavam com desdém. A armadura pesada e o uniforme vermelho davam-lhe uma aparência ainda mais ameaçadora, enquanto suas botas ressoavam passos firmes pelo chão de pedra.
            O homem acorrentado ergueu a cabeça com dificuldade, seus olhos azuis fixando-se na adaga reluzente que o guarda segurava. Um arrepio percorreu seu corpo fraco, e o medo tomou conta. Ele sabia o que estava por vir.
            — Eu imploro... Não faça isso. Não há mais nada em mim... — suplicou, a voz trêmula e desesperada, enquanto tentava se debater, mesmo sem forças.
             O guarda parou à sua frente, observando-o com nojo e desprezo. Com um movimento brusco, agarrou-o pelos cabelos, puxando sua cabeça para trás.
             — Não se preocupe, porco. É a última vez — disse o guarda com frieza, a ponta da adaga reluzindo à luz fraca. Ele inclinou-se mais perto, a voz gélida e cortante: — Tens alguma última palavra?
             O homem ficou imóvel. Por um momento, o mundo ao redor pareceu se silenciar. Ele ia morrer. Suas preces, afinal, tinham sido ouvidas? Finalmente, o fim de seu sofrimento? Seu olhar se fixou novamente na lâmina. Ela parecia convidá-lo, prometer-lhe uma nova vida além daquela existência miserável.
Memórias dolorosas tomaram sua mente. Ele viu o momento em que seus pais foram decapitados. Recordou-se de quando foi capturado como escravo, da tortura incessante, de cada mutilação e corte, tudo para satisfazer o apetite vil daqueles monstros. A dor e o ódio queimavam em seu peito.
              Mas então, uma nova ideia o atingiu. Ele percebeu que, assim como ele, outro tomaria seu lugar. Quantos mais sofreriam antes que aquilo acabasse? Seus dentes rangeram enquanto a raiva se misturava à determinação. Ele sabia que sua morte era inevitável, mas não morreria sem deixar algo para trás.
             — Quero fazer uma promessa — disse o homem, esboçando um sorriso fraco, mas desafiador. — Daqui a mil anos, nascerá a próxima criança de olhos azuis. Ela os enganará, os conquistará, e trará a nossa liberdade, junto com a sua ruína. — Sua voz, embora cansada, carregava uma convicção inabalável.
              Com um sorriso ainda mais amplo, como se finalmente tivesse encontrado paz, o homem afundou o pescoço na adaga. O som do metal rasgando carne ecoou pelo calabouço enquanto o líquido vermelho enchia a arma e escorria lentamente. Ele fechou os olhos, seu corpo relaxando, e deixou escapar o último suspiro, com o mesmo sorriso sereno ainda estampado no rosto.
              — Que maldito... — murmurou o guarda, um misto de desprezo e inquietação em seu tom. Sem hesitar, ele pegou uma taça e a colocou no pescoço do homem, recolhendo o precioso sangue dourado que pingava lentamente.
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Correntes de OuroWhere stories live. Discover now