Sabe quando não temos noção de nossos atos? E acabamos fazendo o que é momentâneo se tornar eterno. Hoje irei contar a minha história, como tudo aconteceu e como tudo acabou... se é que acabou. Mas antes do enredo, irei me apresentar...
Me chamo Alissa, minha mãe escolheu esse nome, pois achou o significado "luxuoso". Quando fui me informar do porque me chamo Alissa, me surpreendo com tal frase: "Alissa é uma variação do nome Alice, que tem origem no francês arcaico Adelais e no nome germânico Adelheidis, que significa "nobre". Eu sei, patético. Minha mãe achava incrível e único. Tenho (tinha) 19 anos, meus cabelos são ruivos e medianos (um pouco abaixo dos ombros), tenho sardas em volta de meus olhos e minha pele é clara.
Eu cresci em um local, onde nunca me faltou nada, honestamente, sempre foi excessivo. Estudei nas melhores escolas, comi dos melhores pratos e ganhei das melhores coisas. Eu morava em uma casa composta por três andares, meu quarto era enorme, haviam duas paredes pintadas de lilás e as outras duas eram levemente pigmentadas com um cinza bem clarinho. Tudo exageradamente luxuoso. Mas não há do que reclamar, a não ser a falta de afeto, o que me desencadeou vícios mortais, pois só me sentia viva e amada, drogada. Eu nunca fui de dar trabalho aos meus pais, pelo contrário, sempre me comportei na escola e mal falava em casa, até porque, nunca retribuíam quando eu abria a boca. Minha mãe é advogada, quase não parava em casa, ou melhor, ela nunca frequentava nossa casa. Meu pai é um bebum aposentado, que dava desculpas "fajutas", dizendo: "Filha, minha amada, eu sei que você só tem sete anos, mas eu preciso me aliviar, traio sua mãe com outras mulheres, porque ela só sabe trabalhar". Sim, eu as via chegando, ouvia seus barulhos e as via indo embora, era uma mistura de cabelos loiros, morenos, ruivos, crespos, longos e curtos. Eram muitas mulheres.
O relacionamento dos dois é complexo, mas provavelmente estão juntos por minha causa, ou pelo menos estavam. O casamento dos dois foi lindo. Com a vista para o mar foi feita a cerimônia. Minha mãe usava um vestido de noiva, aberto na frente e fechado atrás, bem "sereia", para combinar com o cenário. O perfeccionismo dela me sufocava. Meu pai usava um terno branco comum, com um ramalhete azul no bolso do paletó. Desleixado como sempre. Mas no início, o amor dos dois era lindo, a união era perceptível, bom, até eu nascer, daí foi só trabalho para frente e relacionamento para trás. Cansei, chega de falar dos meus pais.
Todo consumo ilícito começou quando eu tinha doze anos, estava indo para casa de uma colega, uma caminhada que levava certa de uns vinte minutos. Sentamos em uma praça local, quando de repente ela me chamou para fumar um cigarro, mal sabia eu, que acompanhado do cigarro havia um baseado. Fumei, e (in)felizmente me senti viva, tudo brilhava e a lentidão dos sentimentos fazia eu ter menos medo de resolvê-los. Honestamente, queria ter parado por lá, apenas fumar de vez em quando, curtir uma onda e brisar nos sons dos pássaros, ou em qualquer coisa que o chá deixava exageradamente interessante.
Quando fiz meus dezesseis anos, já estava no auge. Sabia todos os tipos de droga, o quão caro era a grama de uma boa colômbia ou a onda sinistra que um haxixe proporcionava apenas com um baseado. Não havia consumido todas, mas entendia perfeitamente o que cada uma delas fazia no corpo humano. Minhas companhias eram as piores, dos traficantes mais pesados aos usuários mais viciados. Sinceramente, eu era uma das viciadas, me doía saber que eu não precisava, mas queria como se precisasse. Desenvolvi um vício absurdo por pílulas, ingeria todo medicamento que via pela frente, sem hesitar ou ler a função colateral dele. Passei pela reabilitação três vezes aos meus dezessete anos, mas de toda forma eu tinha uma recaída, como um ex que ainda amas, ou uma pessoa que sente falta. Eu sempre voltava para toda aquela maldita droga.
No início do ano, após fazer meus dezoito anos, fui expulsa de casa, deserdada e desprezada. Fui morar na casa de uma amiga, minha "melhor amiga", ela era uma maluca maníaca, que mentia consecutivas vezes..., mas eu não tinha onde ficar. E foi lá que tudo piorou, as prostituições baratas, as bebidas de segunda mão. Me lembro como se fosse ontem, bebíamos cachaça em sol quente, "todo dia era dia"; as vezes a via fumando crack ou injetando heroína, odiava quando ela me oferecia essas "paradas" mais fortes, e como uma viciada, eu nunca recusava. Sua casa era o verdadeiro inferno, sujeira lixo e sujeira humana, ela definitivamente era uma maluca.
Uma história frustrante, odeio me lembrar que aos meus dezesseis anos, meu bolo de aniversário era uma vela, a porra de um baseado bolado em formato de vela. Por que eu não era normal ao nível de comemorar com a família e com um BOLO descente? Talvez porque EU não tinha mais família e não era normal.
Em um dia, estava tentando ficar limpa. Minha "melhor amiga", Gesli, uma menina de dezessete anos, emancipada dês dos quinze. Ela sempre usava tranças, as mais mal cuidadas que já vi em toda minha curta vida, sua pele era escura, mas não tanto, seus olhos eram do mesmo tom de sua pele. Gesli me viu passar mal em abstinência, eu sentia os meus olhos quase pularem de meu rosto e a sensação de que meus dedos se contorciam sozinhos, a dor era mortal; e em vez de me ajudar a não usar mais drogas, ela me injetou heroína. Pois era a única droga presente no momento e uma das mais fortes. Quando ela introduziu aquela agulha em minha veia, eu conseguia sentir das sete camadas de minha pele, as cinco primeiras serem rasgadas pela brusca agulhada que levei. A dor do líquido sendo injetado e a sensação dele "dançando" em meu corpo todo. Eu odiava todo aquele momento, odiava minha vida e a mim mesma e odiava mais ainda como eu me sentia "melhor" depois de me drogar.
Sabe como dói saber que eu já fui "feliz" (ou pelo menos vivia uma simulação constante disso), rica e literalmente tinha tudo que precisava ou queria? Eu acabei com minha vida começando apenas por um baseado, a porcaria de um fino prensado. Queria ter tido a chance de contar para minha mãe sobre as traições, gritar com o folgado do meu pai e depois o abraçar dizendo: "Papai, por favor, vamos conversar, venha brincar comigo, eu sou sua filha!". Gostaria de não ter estragado a minha vida (ou melhor, a tirado), por conta de dois adultos irresponsáveis. Acho que minha história vai além da rebeldia, adolescência ou drogas, diz muito sobre a estabilidade na criação e como isso pode desalinhar a vida de qualquer ser.
Como eu morri? Obviamente overdose. Uma semana após o ocorrido (a abstinência) eu estava me sentindo péssima. Uma pessoa, ou melhor, um cadáver ambulante. Eu sai, estava disposta a acabar com todo aquele sofrimento, de alguma forma eu queria esquecer..., ou tentar. E mesmo sendo setenta porcento culpa de meus pais, havia trinta porcento de salvação vinda de mim mesma, mas que obviamente me deixei levar pelos momentos e tentações. Fui para a festa de republica mais próxima, uma república de baixa renda, quase inexistente, lembro de uma visão marcante sobre lá, nessa casa havia um corredor escuro, que dava junção a dois cômodos, a sala e a cozinha. Chegando lá, sem muitos créditos, misturei todo tipo de substancia ilícita, sem pensar em morrer ou o "querer de acordar no dia seguinte".
Então na república "R. Santana140", (nunca entendi o porquê deste nome), eu dei minha última tragada, minha última cheirada, minha última baforada, e o pior, meu último suspiro. Tirei a minha vida com uma overdose não controlada, pois além de muita adrenalina, fui capaz de me trancar em um banheiro. O banheiro conseguia ser mais sujo que minha mente ao desejar coisas ruins a mim mesma. O banheiro de início era branco, azulejos padrões de um sanitário brasileiro, mas a insalubridade daquele cômodo ao longo do tempo conseguia piorar toda a situação. Eu morri. Fui encontrada dois dias depois (republica controlada, né?), dois dias presa, me vendo em terceira pessoa.
No dia de minha morte, eu usava uma calça estampada com couro de zebra e uma regata básica preta, meus fios ruivos estavam desta vez, cortados a altura de meu pescoço, ralos pela falta de uma boa alimentação. Em meu rosto haviam olheiras profundas, que manchavam minha pele clara. Apodreci em um banheiro, mesmo sendo digna de morrer em um caixão cheio de grandes desejos. Hoje em dia, ando perambulando pôr aí, tentando suprir a abstinência de viver a tranquilidade que um jovem merece viver... Eu até cheiraria a felicidade se fosse possível, mas foi cheirando que descobri que ela é apenas passageira.
-Greenpill.
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R.Santana140.
General FictionUma história agonizante, pois o leitor consegue, apenas com os olhos, ver a vida de uma pessoa se acabar, linha após linha. Pequena história que retrata vícios ilícitos e criticas sociais cotidianas.