capitulo um

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Eu tinha três meses de aluguel em atraso.
Não sabia como pagar, muito menos onde arranjar o dinheiro
que me faltava. Eu já trabalhava o que podia em um dia, sendo
estudante de Medicina, mas não era o suficiente. Se fosse,
certamente não estaria com dívidas até à bunda.
— Ou você paga ainda essa semana, ou você vai embora.
A primeira opção era quase impossível, a não ser que eu
vendesse o meu corpo, a minha alma ou algo do tipo.
A segunda opção não poderia ser real. Eu era nova demais para ser uma desabrigada.
— Vou tentar — respondi

— Eu não quero tentativas, Emília. Eu quero o dinheiro sem
falta.
Percorri o trajeto até a faculdade com a cabeça latejando.
Cogitei passar nos recursos humanos, convencendo-os a me dar
uma vaga na residência do Campus. Mas a resposta não mudava.
Mesmo que eu fosse bolsista, a melhor aluna do meu curso, eu não
tinha garantia para um quarto.
A minha vida mudaria caso eu tivesse a vaga. Não gastaria o
meu tempo de vida fazendo contas mensais e poupando centavos
para garantir algum alimento no meu estômago. No entanto, lá
estava eu considerando arranjar mais horas num dia para mais um
trabalho extra.
Passei as aulas entretida no celular procurando empregos
que não exigiam tanto de mim. Eu já trabalhava em uma lavanderia.
Não era pesado, mas eram horas que eu perdia para conseguir um
terço de um salário mínimo.
Eu estava ferrada.
— Você quer um pouco? — Kayleen Cullbert perguntou,
oferecendo um cigarro para mim.
Assim que as aulas terminaram, decidi ir para o terraço de
um dos edifícios do campus na esperança de desanuviar a cabeça.
Os meus problemas estavam batucando os meus neurônios sem
pausa, o que dificultava o silêncio na minha mente.
— Para de ser má influência. Já falei que não estou mais
fumando — resmunguei.
Ela riu.
— Você fala isso há dois anos.
— Me perdoa se tenho recaídas — debochei e ela mostrou a
língua. — Você que é a ginasta. Nem deveria estar com um cigarro
na mão.
— Que cigarro? Nem sei do que está falando.
revirei os olhos.

Onde está a Penélope? — questionei curiosa.
Minha melhor amiga deu de ombros.
— É uma pergunta que pode exigir muitas respostas.
— Estou aqui!
O grito da garota me fez rodar a cabeça na sua direção. Eu
estava deitada no chão frio, e Kayleen amparava o seu corpo nas
grades de segurança.
— Onde você esteve? — perguntei, assim que ela chegou
ofegante e sentou-se ao meu lado.
— Assistindo o treino aberto dos nossos atletas.
— Argh. Nojento.
— Para com isso! — Penélope deu um leve tapa na minha
perna. — Vocês perderam um grande show de bundas e músculos.
— Eu não perdi nada — Kayleen se defendeu. — Na
verdade, meus olhos ganharam muito.
Não contive a risada.
— Penélope, você não tem salvação — comentei.
— Vocês não sabem viver. Inclusive, o gostoso do Asher
estava lá.
Azedei.
Os olhos de Kayleen aterraram em mim, mas evitei ter uma
reação.
Habituei-me a conviver no mesmo espaço que os garotos
durante os últimos anos. Eles andavam na universidade, como
estudantes tal e qual a mim. Há quatro anos, os quatro garotos
tinham sido declarados inocentes, portanto, ninguém poderia privá-
los da liberdade.
Assim como eu, eles também tinham sido afetados por Dante
que criou marcas tão profundas que atingiam até os órgãos. Eu
acreditava que a traição não tinha mexido somente comigo, no
entanto, interrogava-me do motivo pelo qual eles agiam como se não se conhecessem

Os cinco garotos que antes eram unidos por compartilharem
o mesmo trauma, agora, agiam como desconhecidos. Era como se
aquela amizade unida já não existisse.
— Ele não é assim tão gostoso — Kayleen comentou,
tragando um pouco do seu cigarro.
— Vocês estão precisando de uma consulta no
oftalmologista.
— Fale por você.
As minhas melhores amigas continuaram debatendo sobre
assuntos bestas, o que me fez optar por levantar e amparar o meu
corpo nas grades do terraço, contemplando o plano alto do Campus.
Notei como estávamos muito distantes do chão. Uma queda
e eu quebraria cada osso. Uma simples falha e meu coração
pararia.
Sempre me perguntei se a morte resolveria os meus
problemas. Se ela toparia exterminar a minha dor, me dando
somente acesso às coisas boas que tive na vida. Porque, todos os
dias, quando meus olhos se abriam, nada de bom passava pela
minha cabeça. Eu tinha apenas coisas ruins pelas quais chorar.
Eu tinha apenas coisas ruins pelas quais odiar.
Não gostava de guardar rancor, porém sempre que me
lembrava dele, meu coração virava uma besta esfomeada,
consumindo toda a parte boa que possuía. Era uma dor constante.
Ele semeou um lado cruel, faminto por vingança, mas inútil.
Eu não tinha como combatê-lo.
Por que eu estava pensando nele?
Eu me martirizava com a culpa. Acreditei nele e fui ingênua o
bastante para ignorar os alertas.
Mas, apesar de me condenar, era inevitável não odiá-lo pelas
fissuras que ele tinha deixado no meu peito.
— Emília, está tudo bem? — Penélope interrompeu o curso dos meus pensamentos

Bufei, colocando-me de frente para elas.
— Vou ficar sem casa.
— O quê?
— Por quê? — ambas perguntaram em uníssono.
— Não tenho dinheiro para pagar. A dona da casa me fez um
ultimato.
— Meu Deus, amiga — Penélope suspirou. — Você pode
ficar comigo e com as meninas. É sério.
Neguei imediatamente.
— Não quero depender de vocês.
— Você não vai depender de ninguém — Kayleen
pronunciou. — Você está sendo burra em não aceitar ajuda.
— Sinceramente, nem sei porque comecei esse assunto —
admiti, andando para pegar na minha mochila e sair da área.
Contudo, elas me travaram antes que me movimentasse.
— Nem pense em dar as costas para nós — Penélope
ameaçou. — A gente sabe que você é uma teimosa do caralho, mas
não seja em relação a isso. Nós te oferecemos um lugar para ficar.
— Até quando? Eu não sei se alguma vez terei dinheiro o
suficiente para ter uma nova casa. Era o lugar mais barato da
cidade e, ainda assim, falhei — rangi os dentes, furiosa com os
meus próprios problemas financeiros.
— E a herança? — Kayleen foi quem se atreveu a perguntar
e tive que forjar desinteresse.
— Não quero viver com base nela.
— Mas é a sua única alternativa.
— Besteira — Penélope resmungou. — A Emília vai ser uma
puta médica. Ainda falta pouco para você se formar, mas sei que
você vai ser.
— Isso se eu conseguir terminar — lamentei, exausta.

Vamos mudar de assunto. Eu vou me safar sozinha. Não se

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