A bailarina em seu quarto branco gira.
A música abafa uma voz calorosa distante
- Pai nosso que estás no céu, santificado seja o vosso nome,
A bailarina no seu quarto branco gira.
Nada parece impossível enquanto a bailarina girar. Seu vestido vermelho balança e embala para um novo giro.
Seus cabelos lisos e dourados voam plenos.
A bailarina gira.
- Venha a nós o vosso reino, seja feita a vossa vontade,
O diabo entra no quarto branco.
A música ainda toca, mas a bailarina não gira dessa vez.
A bailarina encara o diabo, aterrorizada
O diabo sorri.
A bailarina não gira.
- assim na terra como é nos céus.
Os olhos do diabo são vermelhos, como o vestido da bailarina, que dessa vez não embala, mas treme.
O diabo vai em direção à bailarina. A bailarina tenta correr. Tolice.
O diabo agarra a bailarina pelo braço.
- O pão nosso de cada dia nos dai hoje,
O diabo leva a bailarina para o quarto de luzes amarelas.
A bailarina não gira mais. Ela grita. Ela implora. Ela chora
Ela torce para que a música pare e a plateia ouça seu desespero.
A bailarina não gira mais!
- Perdoai as nossas ofensas, assim como perdoamos a quem nos tem ofendido,
As mãos do diabo percorrem o vestido vermelho da bailarina. As mãos sujas do diabo arrancam o vestido vermelho da bailarina. As mãos imundas do diabo invadem o corpo da bailarina.
- e não nos deixeis cair em tentação,
A língua afiada do diabo arranha o seio da bailarina.
A bailarina deseja nunca mais girar. Ela deseja mastigar seus lábios para não entregar ao diabo. Tolice.
O diabo machuca. Corta. Dilacera. O diabo mancha o corpo, o vestido e a alma da bailarina.
- mas livrai-nos do mal. Amém.
A música toca. Quem está dançando agora é o diabo.
Um ritmo repetitivo. Uma dança invasiva.
O diabo não foi convidado para o espetáculo da bailarina.
Um arrepio na espinha da voz calorosa ao encerrar o show do diabo.
A voz pressentiu.
- Senhor, por favor, cuide da minha filhinha. Amém.
Tolice.
Deus não entra em banheiro de boate.