Capítulo 1

18 1 1
                                    

Caminho imperceptível pelas ruas centrais. Há caos, gritaria, tiros. Cidadãos lutam por liberdade. Reparo em alguns meros seres, egoístas, frios e insensíveis. Talvez a situação esteja os tornando desumanos. Que hipocrisia. Não generalizo, pois ainda há aqueles que lutam, não desistem até que a paz seja alcançada. Já eu sei que, há grande improbabilidade disto algum dia acontecer.

A atmosfera está pesada. Há dor, sofrimento, falsidade, lamúrias. Contudo, há também esperança, amor e carinho. Porém tudo o que há de bom, está sendo sobressaltado pela ignorância.

Não minto em dizer que me pego perplexo ao rumo que essas pessoas tomam. Descriminação e a negação da isegoria. Se tal, pode implantar leis, comandar algo, se expressar, não há motivo para alguém não receber o direito de discordar. Contudo, quem sou eu para contestar? 

Não tenho nome. Nem semblante. Posso aparentar como sua imaginação quiser. Sendo assim, tenho várias formas. Alguns me imaginam com o corpo de um humano, cabelos longos e olhos azuis. Outros, assemelham minha função com a de um anjo -no que certamente estão errados-, tornando minha imagem como a do qual. Por outro lado, há os que creem que visto-me com uma capa preta, meus pés e mãos são imundos e seguro uma foice. É cômico.

A maioria teme a mim. Procura se esconder e toma cuidado a cada atitude para não chamar minha atenção -inocentes os que acreditam que isso realmente funciona-. Os que não temem me dão trabalho. Sou convocado a ficar ao lado dos mesmos toda vez que me provocam ou clamam por atenção. Porém muitas vezes, acabo me desenvencilhando deles. Quero dizer, apenas os livrando deste planeta que chamam de Terra e os enviando para outro lugar, cujo não sou eu quem decido para qual irão.

Porventura estejam confusos, ao longo da leitura, irão notar quem realmente sou.

Sem mais enrolação, entro num bar isolado.

Vejo pessoas sorrindo, porém sinto que cada uma delas está usando uma máscara -não é uma na matéria existente, física; ocultam seus reais pensamentos, sentimentos- . Tentam esconder cada preocupação e tristeza que há dentro de si. Penso que estejam tentando se distrair cada um a sua maneira. Contudo, quando saem desta zona de conforto que criaram, desta ilusão a qual o álcool as permitiu se submeter, perceberão que essa tentativa é em vão. 

Minha atenção é tomada por um garoto, jovem, magro. Ele gargalha ao conversar com os homens à sua volta. Seu cabelo loiro, olhos azuis e seu jeito desengonçado, lhe dão a imagem de um garoto inocente, doce. Ele se levanta, cumprimenta seus companheiros que possivelmente, possa ter conhecido hoje, ontem, a muito tempo. Trata-os como se os conhecesse a anos. 

-Até mais irlandês! É um prazer conhecê-lo. -um dos homens que estavam sentados com o garoto se pronunciou. O menino se distancia rumo à saída do bar. 

Sinto um olhar direcionado a ele. Cada gesto, palavra é ouvida e calculada. Na atual situação, isto é normal. Julgar à primeira vista, procurar suspeitos. Contudo, o menino não lhe pareceu  perigoso.

Sigo o jovem. Ele anda, diz "Bom dia" a todos à sua volta. Caminha à passos lentos e entra em uma rua deserta. Percebo que o mesmo olha para trás com certa desconfiança, notando se alguém o seguiu. Obviamente não me vê, até porque, isto não é possível. Aperta a campainha de uma casa antiga -a propriedade tem apenas uma janela aberta, o quarta aparenta claro e belo; a pintura da casa não se diz nova, nem velha, contudo transparece ser uma casa bem cuidada, com moradia estável-. O garoto tenta transparecer calma -sinto que é o que menos o jovem possui neste momento-. A porta é aberta, há conversa entre o mesmo e o anfitrião. Me aproximo até ficar ao lado dos mesmos.

-Senhor, vim pegar  o dinheiro que deve à minha mãe -o loiro diz.

-Claro, por que não entra?

O anfitrião aparenta ter mais idade, lhe dou 45 anos. Tem a barba por fazer, cabelos grisalhos e carrega um rosto cansado. Veste roupas simples.

Sigo os dois, percebo que a casa adentro não é nada do que imaginei quando a vi afora. O chão tem o piso de madeira antiga, fazendo com que a cada passo o som do soalho estralado seja ouvido. A recepção é pequena; nela há a entrada que nos direciona à cozinha, ao lado oposto, contém uma escada que nos leva ao segundo andar. Neste, os quartos são vazios e mal cuidados, carregando apenas uma mesa e cadeiras de bar enferrujadas. Contudo, há um quarto decorado; a cama é coberta por belos panos, a parede tem estampas claras que trazem conforto e comodidade ao visitante. Percebo que, este é o quarto que avistei quando observava a propriedade.

Procuro pelo irlandês. Desço as escadas e encontro-o sentado na cozinha conversando com o anfitrião.

-E então? O que acha? Vai participar ou não? Você sabe, isto vai te ajudar muito. -disse o homem, já cansado.

-Eu sei que iria me ajudar, mas... eu não posso. Isso é muito cruel.

-Niall, eles já estão suspeitando de você. Tudo se resolveria! -Oh, então o nome do irlandês é esse!

-Eu não posso fazer isso... me desculpe. Não voltarei mais.- o jovem disse saindo da cozinha, agora carregando desesperança, amargura em seu rosto.

Ouço a porta da entrada batendo com a saída do garoto. Já o homem cujo não descobri o nome, pega uma garrafa de whisky, Chivas. Senta-se, se serve com a bebida e começa a escrever uma carta. Penso que possivelmente, essa seja sua distração. Enquanto o irlandês vai ao bar, conversa e gargalha pelo ambiente, este homem se isola em sua casa com sua garrafa, permitindo-se esquecer por um curto tempo, a realidade que o cerca.

Sobre o que conversaram? Não me importo, meu trabalho é outro.

Resolvo enfim, sair da casa. Caminho pelas ruas e observo o murmúrio do garoto que a pouco atrás persegui. Ele caminha chutando as pedras que aparecem ao seu caminho, pisando em folhas secas que o cercam.

-Quem ele pensa que é pra dizer o que é melhor para mim? Não percebe o quão doentio é o que ele faz, o que se tornou? -Niall sussurra, tentando livrar-se de pensamentos que o rodeiam. Reparo que, pensar nem sempre é o suficiente para os humanos. O som das palavras que se formam ao dizer o que se pensa os acomoda. Digo, como quando se tropeça, tudo o que eles fazem é gritar um palavrão e esbravejar pela batida. Não basta apenas sentir a dor e questioná-la, deve-se dizer.

Minha mente é levada a outro lugar. Quando há risco de algo acontecer, digo, quando sou chamado para um possível trabalho, uma memória, um trecho de ações que ocorrem com a devida pessoa a qual vou resgatar deste Planeta, passa por minha mente como um borrão. Seja por instinto, ou qualquer coisa que queiram nomear, sei onde está. 

Vejo uma rua deserta, três jovens andam lentamente. Bem, o dever me chama. Observo Niall antes de me despedir -ao menos por enquanto-, obviamente não sou retribuído.

Me direciono ao local aonde os jovens a qual visualizei se encontram. Eles não parecem correr risco nenhum. Talvez  tenham me enviado a cena errada. Porém, como nem sempre as coisas são como parecem ser, continuo ali, fitando-os.



Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Oct 16, 2015 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

O cacheado.Onde histórias criam vida. Descubra agora