Garotas De Vidro

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''O Rei deu ordens para que a deixassem dormir tranquilamente até que o tempoviesse despertá-la''  - A Bela A dormecida Nos Bosques,de Charles Perrault, 1696, traduzido por CharlesWelsh


Então ela me diz, as palavras escorrendo para fora junto a migalhas de muffin decranberry, as vírgulas mergulhadas em seu café.Ela me diz em quatro sentenças. Não, cinco.Eu não posso deixar-me ouvir isso, mas é tarde demais. Os fatos entram sorrateiramentee me apunhalam. Quando ela chega à pior parte... corpo encontrado em um quarto de motel, só...... minhas paredes somem e minhas portas fecham. C oncordo com a cabeça como seestivesse ouvindo, como se estivéssemos nos comunicando, e ela nunca sabe a diferença.Não é legal quando garotas morrem.[002.00]— N ós não queríamos que você soubesse na escola ou pelos jornais, — J ennifer põe oúltimo pedaço de muffin na boca. —Você tem certeza que está bem?Abro a máquina de lavar louça e encosto-me ao vapor de água que flutua para fora dela.Gostaria de poder rastejar e me enroscar entre uma tigela e um prato.M inha madrastaJennifer poderia trancar a porta, girar o mostrador para ESCALDAR, e pressionar ON.O vapor congela quando chega ao meu rosto. — Estou bem, — eu minto.Ela alcança a caixa de biscoitos de aveia com passas que está na mesa. —I sso deve serhorrível. — Ela puxa a tira da caixa. —Pior que horrível. V ocê pode me passar uma vasilhalimpa?Eu pego uma bacia de plástico transparente e fecho a porta do armário e a entrego a ela.—Onde está o papai?— Ele tem uma reunião de posse.— Quem lhe contou sobre Cassie?Ela desintegra as bordas dos biscoitos antes de colocá-los na bacia, para fazê-losparecerem que foram assados por ela ao invés de comprados. —Sua mãe ligou noitepassada, com as notícias. Ela quer que você visite a Dra. Parker imediatamente, ao invés deesperar a próxima consulta.O que você acha? — eu pergunto.É uma boa ideia, — diz ela. — Vou ver se podem te encaixar esta tarde.— N ão se incomode, — eu puxo a parte superior da máquina. Os vidros vibram dandopequenos gritos quando eu os toco. Se eu pegá-los, quebrarão. —Não há por que.Ela pausa quase desmoronando. — Cassie era sua melhoramiga.— Não mais. Eu verei a Dra. Parker na próxima semana como o planejado.— Eu acho que a decisão é sua. Prometa-me que vai ligar para sua mãe e conversarácom ela sobre isso?— Prometo.Jennifer olha para o relógio do microondas e grita: — Emma - quatro minutos!M inha meia irmã Emma não responde. Ela está na sala da família, hipnotizada pelatelevisão e uma tigela azul de cereal.J ennifer mordiscou um biscoito. — Eu odeio falar mal dos mortos, mas estou feliz quevocê não vai poder mais sair com ela.Eu empurro a parte superior de volta e puxo a parte inferior.— Por quê?— Cassie era uma encrenca. Ela poderia ter te levado junto com ela.Eu pego a faca de cortar carne escondida entre as colheres. O cabo preto está quente.Quando eu a solto, a lâmina fatia o dividindo a cozinha em rodelas. Lá está J ennifer,colocando os biscoitos comprados em uma vasilha de plástico para sua filha levar para aescola. Lá está a cadeira vazia do papai, fingindo que ele não tem escolha sobre aquelasreuniões logo cedo. Lá está à sombra da minha mãe, que prefere o telefone porque o cara-acaratoma muito tempo e geralmente acaba em gritos.Aqui está uma garota segurando uma faca. H á gordura sobre o fogão, sangue no ar epalavras raivosas empilhadas nos cantos. Somos treinados para não ver, não ver nada disso.... corpo encontrado em um quarto de motel, só...Alguém arrancou as minhas pálpebras.— Graças a Deus, você é mais forte do que ela era, — J ennifer termina o café e limpa asmigalhas dos cantos da boca.A faca desliza para o bloco açougueiro com um sussurro. — Sim. — Pego um prato,limpo, livre de sangue e cartilagem. Ele pesa quatro quilos e meio.Ela tira a tampa da caixa de biscoitos. — Eu tenho um compromisso atrasado. V ocê podelevar Emma para o futebol? O treino começa as cinco.— Aonde?—Richland Park, um pouco depois do shopping. Aqui. — Ela me entrega a canecapesada, uma crescente marca sangrenta de seu batom na borda. Eu a coloco em cima dobalcão e guardo os pratos a tempo, os braços tremendo.Emma entra na cozinha e coloca sua tigela de cereal, quase cheia com leite cor do céu,ao lado da pia.Emma arrasta-se em direção a sua mochila, os cadarços dos tênis desamarrando-se. Elaainda deveria estar dormindo, mas a esposa do meu pai, a leva mais cedo para a escolaquatro dias por semana para aulas de violino e conversação de francês. Alunos da terceirasérie não são muito jovens para aprimoramento, você sabe.J ennifer se levanta. O tecido de sua saia está tão apertado em suas coxas, os bolsosescancaradamente abertos. Ela tenta suavizar as rugas. —N ão deixe Emma a convencer acomprar batata frita antes do treino. Se ela ficar com fome, pode pegar uma macadamia.— Devo ficar por perto e trazê-la para casa?Ela balança a cabeça. Os Grant o farão. Ela pegou seu casaco das costas da cadeira,coloca os braços na manga e começa a abotoar. — Por que não comeu nenhum muffin?Comprei laranjas ontem, ou você poderia fazer torradas ou waffles congelados.Porque eu não posso deixar-me querê-los porque eu não preciso de um muffin (410){1},eu não quero uma laranja (75) ou torradas (87), e waffles (180) me fazem vomitar.Eu aponto para o prato vazio em cima do balcão, ao lado do amontoado de frascos decomprimidos e da caixa de Bluberridazzlepops{2}. —Eu tenho cereal.Seus olhos disparam para o armário onde ela tinha posto meu cardápio. Ele veio com ospapeis de licença quando eu me mudei há seis meses. Eu o peguei três meses atrás, no meuaniversário de dezoito anos.—Isso é muito pouco para se alimentar, — diz ela cuidadosamente.Eu poderia comer a caixa inteira Eu provavelmente não preencherei a tigela. — M euestômago está indisposto.Ela abre a boca novamente. H esitante. Um sopro azedo de café golpeia o ar matinal dacozinha e me atinge. Não fale - não fale.—Acredite, Lia.Ela falou.— Esse é o problema. Especialmente agora. Nós não queremos...Se eu não estivesse tão cansada, eu empuxaria confiança e ligaria o triturador de lixo e odeixaria ligado o dia todo.Eu pego uma bacia grande do lava louças e coloco sobre o balcão. —Eu. Estou. Bem. Ok?.Ela pisca duas vezes e termina de abotoar o casaco. — Ok. Eu entendo. Amarre seu tênisEmma, e vá para o carro. —Emma bocejou.— Espere. — Eu abaixo e amarro os cadarços de Emma. N ó duplo. Eu olho para cima. —Eu não posso continuar fazendo isso, você sabe. Você já está velha demais.Ela sorri e beija minha testa. —Sim você pode, boba — . Quando eu me levanto, J enniferdá dois estranhos passos em minhadireção. Eu espero. Ela é uma pálida, redonda mariposa, empoeirada em fragilidade,vestida para o dia com sua pasta de banqueiro, bolsa, e o controle de arranque da SUValugada. Ela treme, nervosa.Eu espero.Este é o momento em que devemos nos abraçar ou beijar-nos ou fingir que o fazemos.Ela amarra a faixa na cintura. —Olhe... apenas continue o dia. Ok? Tente não pensarmuito em certas coisas.— Certo.—Diga tchau à sua irmã, Emma. — Jennifer sugeriu.—Tchau, Lia.— Emma acena e me dá um pequeno sorriso deslumbrante. — O cerealestá muito bom. Você pode comer o resto da caixa se quiser.[003.00]Eu ponho muito cereal (150) na tigela, salpico dois por cento de leite (125). O café damanhã é arefeiçãomaisimportantedodia. O café da manhã me fará uma cam-pii-ã....Quando eu era uma garota de verdade, com uma mãe e um pai euma casa e sem lâminas de faca brilhando, o café da manhã era granolacom morangos frescos, sempre comido durante a leiturade um livro apoiado na fruteira. Na casa de Cassie,nós comíamos waffles com calda fina que vinha do bordode árvores, não essa coisa falsa com gosto de xarope de milho, e nós líamos as páginasdivertidas...Não. Eu não posso ir lá. Eu não vou pensar. Eu não vouolhar.Eu não vou poluir meu interior com Bluberridazzlepops ou muffins ou pedaçosesfarrapados de torrada, também. A humilhação de ontem e os erros passaram por mim. Eusou brilhante e rosa por dentro, limpa. O vazio é bom. O vazio é forte.Mas, eu tenho que dirigir.... Eu dirigi no ano passado, janelas abertas, música dobrada, primeiro sábado de Outubro,correndo para o SATs. Eu dirigi, assim Cassie poderia passar uma camada de esmalte sobre suasunhas.Nós éramos irmãs secretas com um plano para dominar o mundo, potencial borbulhandoao nosso redor, como champanhe. Cassie riu. Eu ri. Nós éramos a perfeição.Eu comi o café da manhã? Claro que não. Comi o jantar na noite anterior, ou almocei, oucomi qualquer coisa?O carro à nossa frente freou quando o semáforo ficou amarelo, e vermelho em seguida.M eus chinelos pairavam sobre o pedal. M inha visão embaçou. Rabiscos pretos provocavamarrepios na minha espinha e se embrulhavam em torno de meus olhos como um cachecolde seda. O carro à nossa frente desapareceu. O volante, o painel, desapareceram. N ãohavia Cassie, nem semáforo. Como eu ia parar essa coisa?Cassie gritou em câmera lenta.:: Marshmallow/ ar/ explosão/ saco ::Quando acordei, o pessoal da emergência médica e um tira franziam a testa. O motoristado carro em que bati estava gritando em seu celular.M inha pressão sanguínea estava igual à de uma cobra gelada. M eu coração estavacansado. M eus pulmões queriam tirar uma soneca. Prendem-me a uma agulha, me inflamcomo um balão de exposição, e me mandam para um hospital com enfermeiras de olhos deaço que anotam cada número ruim. À caneta. Quebraram- me.M amãe e papai entram correndo, lado a lado por uma mudança, felizes por eu não estarmorta. Uma enfermeira entrega uma tabela a minha mãe. Ela a lê, e explica a situação parao meu pai e em seguida, eles discutem, um deslizamento de terra de um argumento quevomitou o anti-séptico nos lençóis e no corredor. Eu estava estressada/ super planejada/maníaca/ não - depressiva/ sem - necessidade de atenção/ sem - necessidade de disciplina/precisando descansar/ necessitando/ sua culpa/ sua culpa/ culpa/ culpa. Eles marcaramsua guerra na pequena casca da pele de uma garota.Telefonemas foram feitos. M eus pais me forçaram a ir até-©inferno na colina N ewSeasons...C assie escapou, como de costume. Sem um arranhão. O seguro cobriu mais que os danos,assim ela acabou com um carro fixo e alto falantes novos. N ossas mães tiveram umapequena conversa, mas todas as garotas passam por essas coisas e o que você vai fazersobre? C assie remarcou o próximo teste e fez as unhas num salão, Enchanted Blue,enquanto eu fui trancafiada e tinha água com açúcar pingando nas minhas veias vazias...Lição aprendida. Dirigir requer combustível.N ão o cereal Bluberridazzlepop da Emma. Eu tremo e derramo a bagunça ensopada nalata de lixo, em seguida, ponho a tigela no chão. Os gatos de Emma, K ora e Pluto,caminham através da cozinha e enfiam as cabeças na tigela. Eu desenho um rosto comuma língua grande em um bilhete-adesivo e escrevo YUM M Y, EM M A! OBRI GADA!, e oprego na caixa de cereais.Eu como dez passas (16) e cinco amêndoas (35) e uma pêra madura (121) (= 172). Asmordidas rastejam pela minha garganta. Eu tomo minhas vitaminas e as loucas drágeasmantêm meu cérebro longe de explodir: uma grande e roxa, uma branca e gorda, duaspapoula vermelha. Eu as engulo com água quente. Agiliza o trabalho. A voz de uma garotamorta espera por mim em meu telefone.[004.00]Subir as escadas leva mais tempo que o habitual.Eu durmo no final do corredor, no pequeno espaço ainda decorado como um quarto dehóspedes. Paredes brancas. C ortinas amarelas. O sofá-cama nunca é dobrado, a mesa veiode uma venda de jardim. J ennifer continua se oferecendo para me comprar móveis novos,e tinta ou colocar papel de parede. Digo a ela que ainda não sei o que quero fazer. Euprovavelmente deveria desfazer as pilhas de caixas empoeiradas em primeiro lugar.M eu telefone estava esperando no topo da pilha de roupa suja, exatamente onde elecaiu quando eu o joguei na parede na manhã de Domingo por que o toque constanteestava me deixando louca e eu estava muito cansada para desligá-lo.... A última vez que ela me ligou, foi há seis meses, depois que eu saí do hospital pelasegunda vez. Eu ligava para ela quatro ou cinco vezes por dia, mas ela não atendia ou meligava de volta, até que finalmente, ela o fez.Ela me pediu para ouvir e disse que não iria demorar muito.Eu era a raiz de todo o mal, C assie disse. Uma influência negativa, uma sombra tóxica.Enquanto eu estava trancafiada, os pais dela a arrastaram até um doutor que lavou océrebro dela e a sobrecarregou com pílulas e palavras vazias. Ela precisava seguir com avida dela, redefinir seus limites, afirmou. Eu fui a razão pela qual ela reduziu aulas e falhouem Francês, a causa de tudo que era desagradável e perigoso.Eu fui o motivo que não a fez fugir no primeiro ano. Eu fui o motivo que a fez não tomarum frasco de pílulas para dormir enquanto seu namorado a traía. Eu a ouvia por horasquando seus pais gritavam e tentavam a transformar em um modelo no qual ela não seencaixava. Eu entendia o que provocava seus surtos, a maioria deles. Eu sabia o quantomachucava ser filha de pessoas que não te enxergavam, nem mesmo se você estivesse nafrente deles pisando em seus pés.M as, relembrar tudo era muito complicado para C assie. Era mais fácil ela me abandonaruma última vez. Ela transformou meu verão em um deserto. Quando as aulas começaram,ela olhava através de mim nos corredores, suas novas amigas em torno de seu pescoçocomo colares Mardi Gras. Ela me apagou de sua vida.M as, algo aconteceu. N o tempo morto, entre Sábado à noite e Segunda de manhã, elame ligou.sE claro que eu não iria atender. Ela tinha discado errado, ou era um trote. Eu não adeixaria me sugar sendo sua amiga novamente apenas para que ela me desse às costas e meesmagasse mais uma vez.... corpo encontrado em um quarto de motel, só ...Eu não atendi. Eu não ouvi suas mensagens ontem. Eu estava zangada demais parasequer olhar para o telefone.Ela ainda está esperando por mim.Eu me sento no monte de calças de pijamas e moletons não lavados, e pego o telefone. Oabro. Cassie me ligou 33 vezes, começando às 11h30min do Sábado à noite.RECUPERAR CORREIO DE VOZ—Lia? Sou eu. Ligue-me.Cassie.Segunda mensagem: —Onde você está? Ligue-me de volta.Cassie.Terceira: —Eu não estou brincando, Overbrook. Eu realmente preciso falar com você.Cassie, dois dias atrás, Sábado.—Ligue-me.—Por favor, por favor, ligue-me.—Olha, me desculpe por ter sido uma vadia. Por favor.— Eu sei que você está recebendo estas mensagens.— V ocê pode ficar com raiva de mim mais tarde, ok? Eu realmente preciso falar comvocê.—Você estava certa - não foi culpa sua.— Não há mais ninguém com quem eu possa conversar.—Oh, Deus.—Estou tão triste. Não posso sair.—Ligue-me. Está uma bagunça.Desligou mais duas vezes.3h20, muito arrastada: —Eu não sei o que fazer.3h27. —Sinto sua falta. Sinto sua falta.Eu enfio o telefone no fundo da pilha de roupas e puxo um pesado moletom antes de irpara o meu carro. O inverno chega mais cedo em Nova Hampshire.[005.00]M inha noção de tempo é perfeita, e eu acabo em um engarrafamento. Os carros que merodeiam são guiados por vacas gordas e touros berrantes. Dirigimos juntos, dez quilômetrospor hora. Eu posso ir mais rápido que isso. Freamos. Eles ruminam e mugem aos telefonesaté que o rebanho muda de marcha e vai para frente novamente.Vinte e quatro quilômetros por hora. Eu não posso ir tãorápido.Em algum momento entre M artins C orner e a Rota 28, eu começo a chorar. Eu ligo orádio, canto com todos meus pulmões e o desligo novamente. Eu bato os punhos no volanteaté poder ver contusões, e a cada quilômetro, eu choro mais ainda. C huva molha meurosto.... corpo encontrado em um quarto de motel, só ...O que ela estava fazendo lá? O que ela estava pensando?Doeu?N ão há por que perguntar por quê, mesmo que todos queiram. Eu sei por quê. A questãomais complicada é —por quê não?.— Eu não posso acreditar que ela fugiu das respostasantes de mim.Preciso correr, voar, bater minhas asas com tanta força até que eu não possa ouvir maisnada, a não ser as batidas de meu coração. Chuva, chuva, chuva, afogando-me.Foi mais fácil?Eu não pego os atalhos, não me esqueço de passar em frente à delicatessen da esquina,eu não perco, nem mesmo um propósito. C hego à escola no piloto automático; atrasada porseus padrões, adiantada por mim. Os últimos ônibus acabam de estacionar na porta dafrente.Eu saio e tranco o carro.O implacável vento de N ovembro empurra-me em direção ao prédio. Flocos de neveespiralados caem do bolo de cobertura de nuvens lá em cima. A primeira neve. M ágico.Todo mundo para e olha para cima. A exaustão congela os ônibus, prendendo todo obarulho em uma nuvem seca. As portas da escola congelam, também.Nós inclinamos nossas cabeças novamente e abrimos as bocas.A neve dirige-se a nossas bocas zumbis se rastejando com graxa e xingamentos e pedaçosde tabaco e cáries e suco de namorado/ namorada, uma mancha de mentiras. Por ummomento não somos testes que deram errado e camisinhas furadas e traições em redações;nós somos lápis-cera e caixas de almoço e balançamos nossos tênis furados bem alto nasnuvens. Por um momento tudo fica bem.E então, ele derrete.Os motoristas de ônibus aumentam o giro dos motores e a nuvem de gelo se desfaz. Todomundo se mistura adiante. Eles não sabem o que acabou de acontecer. Eles não lembrarão.ela me telefonou.V olto para o meu carro, entro, ligo o aquecimento, e limpo meu rosto na camiseta. 7h30.Emma acabou a aula de Francês e está desembalando seu violino. Ela passará muito tempopassando resina em seu arco, e não afinará as cordas direito. O C oncerto de I nverno serádaqui a poucas semanas, e ela não sabe as músicas ainda. Eu deveria a ajudar.C assie está no necrotério, eu acho. N a noite passada, ela dormiu em uma gavetaprateada, os olhos se acostumando à escuridão.J ennifer disse que estão fazendo uma autópsia. Quem vai tirar as roupas dela? Dar-lhe-ão banho, estranhos tocando em sua pele? Ela pode vê-los? Ela chorará?O toque toca atrasado, e as últimas pessoas no estacionamento correm para a porta. Sómais alguns minutos. Eu não posso ir até que os corredores estejam vazios e os professoresestejam entorpecidos com o tédio de modo que não notarão quando eu deslizar peloscorredores.Eu me viro e limpo um lugar no banco traseiro, empurrando todos os testes, moletons, eos livros atrasados da biblioteca para um lado, então Emma terá onde sentar quando eu forbuscá-la. Jennifer insiste em colocá-la atrás. É mais seguro, diz ela.Não há mais seguro. Não há nem mesmo segurança, nuncahouve.C assie pensava que paraíso era um conto de fadas para pessoas estúpidas. C omo vocêencontra um lugar no qual não acredita? V ocê não encontra. Então, para onde é que elavai agora? E se ela voltar, olhos em raiva pura?7h35. Hora de ir para a escola e parar de pensar.[006.00]Sem H onors Option{3} para mim, não este ano. Estou em Literatura M undialC ontemporânea, C iências Sociais 12 - O H olocausto, Física, Trigonometria (de novo), ealmoço. Sem educação física, graças ao bilhete mágico da Dra. Parker. H á asteriscos ao ladode meu nome e notas de rodapé explicando a situação.... Quando eu era uma garota de verdade, minha mãe me alimentava com seus sonhos devidro, uma colherada por vez. H arvard. Yale. Princeton. Duke. Graduação. Escola deM edicina. Estágio. Residência. Deus. Ela escovava meus cabelos e os trançava com longaspalavras, tecendo raízes e ramos de Latim e Grego em minha cabeça assim memorizar aanatomia seria fácil. Mamãe Dra. M arrigan ficou furiosa quando a orientadora me expulsoude H onors e me deixou cair para C ollege Track. A orientadora sugeriu que eu estavaplanejando ir para a faculdade de meu pai, porque eles tinham que me deixar entrar. Taxaescolar grátis para crianças da faculdade, ela nos lembrou.Fiquei aliviada.Naquela noite, Dra. Marrigan disse que eu era muito inteligente para ser uma preguiçosacriança da faculdade. Ela queria que eu fizesse testes privados, para provar que eu erabrilhante e que a escola não estava de encontro com minhas necessidades. M as, então, euestraguei tudo novamente e eles me trancaram de volta no hospital e quando eu saí, mudeitodas as regras.Eu costumava fantasiar sobre fazer o teste da Mensa{4} para provar que eu não era umaperdedora total. Talvez eu fechasse a prova numa sorte de gênio. Eu faria cem milfotocópias do resultado do teste, os colaria nas paredes da casa da minha mãe, pegaria umabalde de tinta vermelha e um grosso pincel e escreveria HA!, um milhão de vezes.Mas, havia uma boa chance de eu reprovar. Eu realmente não quero saber.O alarme soa. Alunos caminham de sala em sala. Os professores nos prendem à nossascadeiras e despejam mundos em nossos ouvidos. As sombras são puxadas e as luzes estãodesligadas no laboratório de física para que possamos assistir a um filme sobre a velocidadeda luz e a velocidade do som e algum outro lixo que não interessa. Fantasmas esperam nassombras da sala, tremeluzindo devagar. Os outros podem vê-los também, eu sei. Todos têmmedo de falar sobre o que nos encaram do escuro.Ondas de partículas físicas fluem através da sala.Ela me ligou 33 vezes.Um fantasma me envolve, passa a mão em meus cabelos e me coloca para dormir.O alarme soa. M eus colegas de classe pegam seus livros e correm para a porta. Eu babeina mesa.M eu professor de física (qual o nome dele?) faz uma carranca para mim. Quando elerespira por sua boca aberta, eu sinto cheiro da espuma que ele usou à noite que cobre sualíngua e dos ovos queele favoravelmente comeu no café da manhã. —Está planejando ficar o dia todo por aqui?— ele pergunta.Balanço a cabeça em negativa. Antes que ele tente ser espirituoso novamente, eu pegomeus livros e me levanto. Rápido demais. O chão tenta me puxar para baixo, o rostoprimeiro, mas meu professor com cheiro de espuma está observando, então, eu memantenho forte o suficiente para flutuar, estrelas nadando em meus olhos.20.21.22.23.24.25.26.27.28.29.30.31.32.33.1.2.3.4.5.6.7.8.9.10.11.12.13.14.15.16.17.18.19.— Garota morta passando, — os garotos dizem nos corredores.— Diga-nos seu segredo, — as garotas sussurram, de um banheiro para outro.Eu sou aquela garota.Eu sou o espaço entre minhas pernas, a luz do dia brilhando através.Eu sou a assistente de biblioteca que se esconde em fantasia.Eu sou uma aberração de circo envolta em cera de abelha.Eu sou os ossos que eles querem, enfiada em uma moldura de porcelana.Quando chego perto, eles dão um passo atrás. As câmeras em seus olhos gravam aespinha no meu queixo, a chuva em meus olhos, a água azul sob minha pele. C aptam todosos sons com seus microfones no colarinho. Querem me puxar para junto deles, mas estãocom medo.Eu sou contagiosa.Eu caminho na ponta dos pés até a enfermaria, a mão na parede para me manter navertical. Se eu correr ou respirar muito profundamente, os pontos baratos que me mantémunida soltarão, e toda a viscosidade interior derramará e queimará no concreto.A enfermeira franze suas sobrancelhas quando eu me esgueiro para dentro. Ela abaixa orádio, jazz legal, e me olha de cima a baixo, mãos na cintura, olhos tristes e amigáveis.— Eu pensei que você ficaria em casa hoje, — ela diz. — É chocante. C assie era suamelhor amiga, não era?— Não me sinto bem, — digo. —Posso me deitar um pouco?— Você conhece as regras.Ela é uma feiticeira habilidosa vestindo roupas de enfermeira.—Ok.— Sento-me na cadeira próxima à sua mesa e a deixo medir minha temperatura epressão.Ela envolve o punho ao redor do osso de meu braço. — V ocê ainda está se pesandoregularmente?.— Uma vez por semana. Estou bem. Não preciso subir na sua balança.—V ocê não parece bem.— Ela anota meus números. —Se você vai ficar aqui, você vaiter que comer algo. Se não for, volte para a sala de aula.Eu quero morrer dentro ou fora?Ela abre uma caixa de suco de laranja, põe em um copo de plástico, e me entregaenquanto remove o termômetro. — Estou falando sério.Eu pego o copo.M inha garganta o quer meu cérebro o quermeu sangue o quer minhamão não o quer minha boca não o quer. A enfermeira quer isso e eu preciso esconder. Eume forço a engolir.A porta abre e dois caras entram; o nariz de um está sangrando, o outro parece umpouco assustado com a visão do sangue. A enfermeira faz o que está sangrando sentar coma cabeça inclinada para trás e seu amigo senta com a cabeça entre os joelhos então ele nãovomitará.Eu jogo o copo de plástico na lata de lixo, pego o jornal de cima da mesa, e vou para acama dobrável no final do cômodo.—V ocê vai beber outro em 15 minutos, — a enfermeira diz. —Ou pode pegar umpirulito: de uva ou de limão.— Certo.Eu puxo a pequena proteção em frente à cama, sento-me, e procuro no jornal. Seçãolocal, página 2. O artigo se estende por alguns centímetros, ao lado de um anúncio decasacos de pele, 30% de desconto.A polícia está investigando a morte de Cassandra Parrish, 19 anos, da cidade de A moskeag,NH, cujo corpo foi encontrado na manhã de Domingo em um quarto no Gateway M otel naR iver R oad, em Centerville. A s autoridades foram chamadas ao local às 4h43 da manhãpelo empregado do motel que encontrou o corpo.A polícia está investigando a morte de Cassandra Parrish,Indicações preliminares sugerem que a Senhorita Parrish provavelmente morreu decausas naturais, não descartando jogo sujo ou uso de drogas. —Ainda estamos coletando informações, — disse a porta voz da polícia, a Sargento Anna Warren. —Teremos um relatório sobre a hora e a causa da morte quando o legista terminarde fazer a autópsia.A Senhorita Parrish, conhecida como Cassie pelas amigas, era uma popular atleta emembro do clube de teatro da Amoskeag High.Seu pai, J erry Parrish, é diretor da Park Street Elementary School, e sua mãe, Cindy, éativa em assuntos escolares e da comunidade.O Superintendente das Escolas de A moskeag, Nelson Bushnel, disse que a perda dafamília Parrish é —comovente.— Cassie era o que todos nós queremos para nossos filhos: brilhante, trabalhadora, egentil, — disse Bushnel.Q uando lhe pediram para comentar os rumores de que a Senhorita Parrish tinhaproblemas no fim das contas, ele disse, —A maioria dos adolescentes de hoje lutam comalguma coisa. Cassie tinha feito grandes progressos ao abraçar uma vida saudável. Naúltima vez que falei com seu pai, ele disse, que ela estava escolhendo entre fazer faculdadede psicologia ou literatura francesa. A morte dela é tanto trágica quanto chocante.Os resultados da autópsia são esperados ainda nessa semana.Planos para um funeral estavam incompletos até o fechamento desta edição.Deito-me na cama, o travesseiro de papel crepita em meus ouvidos como uma rádioestática.O alarme soa. O corredor é preenchido por um rio de corpos e vozes sussurram queC assie foi assassinada/ não, ela se enforcou/ não, ela fumou ou cheirou seu caminho para aSaída Final. Ela tentou algo uma vez, você ouviu sobre a vez sob a arquibancada/ noshopping/ no acampamento de verão? Ela se dirigiu até um trem em alta velocidade/pulou sem paraquedas/ prendeu-se a um cinto de lastro e mergulhou no oceano.Ela se ofereceu ao grande, lobo mau e não gritou quando ele deu a primeira mordida.... corpo encontrado em um quarto de motel, só ...Os meninos se foram. A enfermeira leva o jornal para longe e espalha um cobertor finoem cima de mim.—Posso pegar outro? — pergunto. —Estou com frio.— C om certeza. — Ela caminha até o armário de suprimentos, seus sapatos rangem nochão polido.—Você ouviu algo sobre o funeral? — pergunto.—O secretário do superintendente me mandou um e-mail, —diz ela. — A exibição será na Quarta à noite em St. Stephen. A enterrarão no Sábado.— Elacaminha na minha direção, os braços para baixo. —Durma um pouco agora e lembre-se:você beberá mais suco de laranja quando acordar.— Eu prometo.Ela me cobre com todos os cobertores que ela tem (cinco) e jaquetas da caixa deperdidos-e-achados, porque estou congelando. Eu me amontôo nas axilas de estranhos,provando seu sal maníaco, e durmo para esquecer tudo.[007.00]Emma está sentada no banco de trás assistindo a um filme no DVD player em seu colo,comendo batata frita e bebendo Mountain Dew descongelada.— Não diga a Jennifer, — eu digo.—Uh-huh.— Sério. Ela vai gritar.— Eu ouvi. N ão diga ou ela vai gritar. — Os olhos de Emma estão colados na tela,levando batatas uma a uma à boca em um recipiente rosa.Estamos perdidas. De novo. M eu pai não quer me dar um GPS por que ele diz que eutenho que aprender a me locomover por mim mesma. C omo posso descobrir aonde vou seestou sempre perdida? Pedirei à Jennifer. O Natal está chegando.Passamos por um celeiro aos pedaços com o telhado quebrado, e um colchão manchadoempurrado contra o sinal de limite de velocidade. V ocê não perceberia se um colchãocaísse de seu carro? Talvez estivesse na traseira de um caminhão carregado com todas ascoisas de uma garota, levando-a a algum garoto que ela conheceu on line. Ela prometeu-lheseu corpo e alma. Ele a prometeu três refeições por dia e uma casa, mas disse que o lugarprecisaria de mais móveis. Ele não parou quando o colchão caiu. Uma esposa nova mereceuma cama limpa, é o que ele sempre disse.Talvez alguma garota motociclista usando couro, machona e forte, está descendo aestrada em 1 km e meio, ou esteja atrás de mim. A qualquer minuto, algum idiota entrarána frente dela e ela desviará e a moto capotará e a fará gritar porque ela esqueceu suas asasnovamente e a gravidade nunca perdoae então ela vai baternaquele colchão desagradável. E sim, ela vai acabar com três costelas quebradas, umfêmur fraturado, e um pescoço deslocado, mas os motoristas da ambulância nuncamencionarão isso. Eles sempre falarão sobre como o colchão velho na beira da estradasalvou a vida da garota. O cheiro da batata frita de Emma está fazendo isso com meucérebro.N o momento em que acho o campo Richland Park, o treino já começou. Emma querficar no carro até o fim do filme.—Você precisa ir para lá, — eu digo.Ela geme e fecha o player. —Odeio futebol.— Então fale para eles que você quer parar.— Mamãe diz que a temporada está quase no fim e eu não estou autorizada.— Então vá lá e jogue. Divirta-se.Ela olha meus olhos pelo espelho retrovisor. — Ninguém chuta a bola para mim.Emma é um colchão que caiu para fora do caminhão quando seus pais se separaram.N ão consigo me lembrar da última vez que seu pai telefonou para ela. J ennifer estádeterminada a torná-la a perfeita-garotinha que se tornará a perfeita-senhoritaadolescentecujos grandes feitos provarão ao mundo que J ennifer é uma mãeabsolutamente perfeita.N ão é como se você pudesse culpar um colchão quando as pessoas não o amarram forteo bastante.Abro minha porta. —Vamos lá. Eu vou chutar a bola paravocê.Ela fecha o player e o joga no banco. —N ão, você disse que tem lição de casa.— Derepente ela não pode sair rápido o bastante. —Tchau, Lia. Dirija com cuidado.Levo um par de batimentos cardíacos para perceber o que acabou de acontecer.Um.Dois. Três. Os cheiros estão mexendo com meus neurônios novamente.Eu abaixo a janela. —Emma. Espere.Ela caminha lentamente de volta ao carro, abraçando apertadamente a bola de futebol.—Que é?—Mudei de idéia. Quero ver você treinar. Onde devo mesentar?Seus olhos se abrem. — Não, você não pode.—Por que não? Outras pessoas estão assistindo.Você pode assistir do carro. É mais quente.—Um, é só... , — ela olha para suas chuteiras e murmura. —H á gritos no campo, crianças de nove anos se preparando para a matança. Uma partidade futebol é intensa.— Emma, olhe para mim. —C omo é que a voz de J ennifer saiu da minha garganta? —Por que você não quer que eu saia do carro?Ela chuta o cascalho. Pequenas pedras saltam para cima e batem na porta do carro.— O técnico me perguntou se era verdade que você tinha câncer. — Ela chutanovamente. —Por que ele ouviu que você estava no hospital e... você sabe. Eu disse quesim. — Apitos são assoprados no campo. — Desculpe-me. Eu não sabia o que dizer.— Está tudo bem, — eu digo. —Eu entendo. Não se preocupe com isso.A bola desliza para fora de suas mãos e rola em direção ao campo. — Você não está bravacomigo?— Eu nunca poderia ficar brava com você, boba.Ela finalmente olha para cima. — Obrigada, Lia.— E você está certa, eu tenho uma tonelada de dever de casa.— Eu ligo o motor. — M eus professores adorarão você por me fazer trabalhar neles. Te vejomais tarde?.Ela sorri. — Ok. Acho que sobrou batata, se você estiver com fome.Eu fecho a janela.Eu queimarei no inferno por isso, mas é verdade.[008.00]O ar no posto de gasolina está pesado com diesel e cheiro de gordura rançosa que vemda fritadeira do McDonalds vizinho. Cinco dias atrás eu estava pesando quase 46 quilos. Eutive que comer no Dia de Ação de Graças (urubus em volta da mesa), mas basicamente temsido água e bolos de arroz. Estou com tanta fome que comeria minha mão direita. Eu levotrês pedaços de chiclete à minha boca, jogo fora as batatas de Emma, e preencho o tanque.Eu sou nojenta.... A primeira vez que dei entrada no hospital, eu estava preta e azul e roxa e vermelha porque eu desmaiei e bati no carro à nossa frente enquanto C assie gritava e o volante explodia.Este corpo pesava 42 quilos.M inha companheira de quarto naprisão N ew Seasons foi uma grande, murchaabobrinha que chorava na cama e deixava meleca escorrer para todos os lados de seu rosto.Todo mundo na equipe era do tamanho de uma baleia e suado. A enfermeira que meentregava os medicamentos era tão gorda que sua pele era esticada. Se ela se movessemuito rápido, se rasgaria e o seu recheio amarelo derramaria, arruinando sua roupa doDisney World.Eu passei meus dias em filas, grãos de milho surgiam em minha boca e se enfiavam entremeus dentes. Morder. Mastigar. Engolir. De novo. Morder. Mastigar. Engolir. De novo.Eu era uma boa garota por que eu não cutucava os ferimentos na minha pele (notóriascicatrizes) ou escrevia poesias depressivas (jornais checaram enquanto estávamos nasessão) e eu comi e comi. Estufaram-me como se eu fosse um pequeno porquinho rosa porque eu era uma boa garota por que eu não cutucava os ferimentos na minha pele (notóriascicatrizes) ou escrevia poesias depressivas (jornais checaram enquanto estávamos nasessão) e eu comi e comi. Porquinho pronto para a venda. M ataram-me com maçãs moles emassa de minhocas e bolinhos que marchavam para fora do forno e tinham glacêdepositado em cima. M ordi, mastiguei, engoli dia após dia, e menti, menti, menti (Quemquer se recuperar? Levei anos para chegar aquele peso. Eu não estava doente; eu estavaforte). M as, continuar forte me manteria presa. A única saída era empurrar a comida, atéque eu estivesse bamboleando.Eu limpei a porcaria do fundo de minha garganta em torno de sentimentos e questões eminhas pernas. Os doutores assentiram e deram-me adesivos por minha honestidade.Quatro semanas depois, os portões foram abertos.Mamãe Dra. M arrigan levou-meparacasa, para sua casa e nós fingimos que nada tinha acontecido, exceto pelos planos decardápio e as regras e os compromissos e as balanças e o furacão de decepção de minhamãe.Cassie entendeu. Ela ouviu tudo o que aconteceu e disse-me que eu era corajosa...Eu entro na garagem, o cérebro gotejando com os vapores da gasolina. Não me lembro dedirigir para casa. Um dia desses, eu estarei indo a pé para casa e o cara do jornal da TV vairelatar um assalto seguido de fuga que acabou de acontecer no centro. A câmera mostrarásangue e vidros quebrados em uma calçada. Um repórter entrevistará uma mulherchorando que viu o acidente em frente à loja de departamentos em Bartlett Street. Eu tereiuma sensação engraçada em minha boca, por que eu estarei segurando uma sacola dessaloja em minha mão. C orrerei de volta à garagem e encontrarei o corpo morto de umamulher preso no para brisas, sangue em todo lugar.Esse tipo de coisa pode acontecer.Eu saio e verifico todo o carro - olho as portas, o capô, os para choques, os faróis, a gradedianteira, e o porta malas para ter certeza de que eu não entrei em um acidente semperceber. Sem faróis quebrados e portas amassadas. Sem moças mortas no para brisas. N ãohoje.[009.00]Eu vou direto para a geladeira e retiro o recheio que sobrou do Dia de Ação de Graças.... Quando eu era uma garota de verdade, o Dia de Ação de Graças era na casa de N annaM arrigan no M aine, ou na da vovó Overbrook, em Boston. N a casa de N anna, comíamosostra recheada. N a casa de vovó, castanha e salsicha. N anna gostava de sua torta deabóbora em uma crosta de canela-noz pecã. As tortas de vovó tinham que ser de carnemoída por que era o mesmo que sua mãe fazia. As mesas ficavam cheias, com pessoas altaspegando tigelas de comida e falando muito alto; primos e tios-avós e amigos de bem longe.O cheiro de molho e cebolas fazia meus pais se esquecerem de brigar, e o gosto do mirtilo oslembrava de como rir. Minhas avós iam viver para sempre, e o Ação de Graças sempre seriatoalhas de renda, porcelana esbelta, e prata pesada que eu sentei-me em um banco parapolir.Elas morreram.O Dia de Ação de Graças da semana passada foi adoçado artificialmente, enriquecidocom tensos conservantes, e envolto em plástico. As irmãs do papai não vêm mais por que élonge demais. A família de J ennifer vai para casa do irmão dela por que lá tem mais quartos(Mamãe Dra. M arrigan come em sua mesa, ou come uma simbólica colher de purê debatatas e molho na cantina do hospital).Eramos nós quatro, mais dois estudantes graduandos de meupai. Um era vegan; ela comeu três porções de batata doce e a maiorparte do pão de abóbora que tinha trazido. O cara era de Los Angeles. Ele disse que estavade jejum por que o Dia de Ação de Graças acontecia em respeito ao genocídio dos povosnativos da América. Depois que eles se foram, Emma perguntou a papai por que o cara dejejum veio então. Papai disse que ele estava louco para conseguir uma carta derecomendação. Jennifer disse que esperava que ele se engasgasse.Eu despejo um pouco do recheio de J ennifer em um prato, derramo algumas colheradasno chão para os gatos, em seguida esguicho ketchup em cima e aqueço no microondastempo suficiente para que o ketchup respingue todo. Deixo a porta do microondasentreaberta, logo o cheiro toma conta da cozinha.Olho o relógio. Dez minutos.Eu salpico um pouco de ketchup nos cantos de minha boca, e raspo toda a sujeira nalata de lixo, ligo a água quente e estalo o interruptor. Enquanto a lata de lixo está lavando,eu tento desviar a minha mente - recitar a C onstituição, a lista de presidentes em ordem,relembrar o nome dos sete anões - não consigo parar de pensar queela ligou para mim.Eu fecho o microondas. Levo o prato sujo e o garfo para a sala familiar, onde os coloco nofim da mesa.Sete minutos.Eu realmente tenho que comer.Ela me ligou trinta e três vezes.Um grande bolo de arroz = 35. Ponha uma colher de chá de mostarda picante em cima evocê adiciona 5. Duas colheres = 10.Bolos de arroz com molho quente são melhores. V ocê come e é punida na mesma mordida.J ennifer não compra molho quente mais. Dois bolos de arroz, quatro colheres de chá demostarda = 90.Eu queria ser bulímica. Eu tento e tento e tento, mas não consigo. O cheiro de vômito medeixa maluca e minha garganta fecha e eu não consigo.1.2.3.4.5.6.7.8.9.10.11.12.13.14.15.16.17.18.19.20.21.22.23.24.25.26.27.28.29.30.31.32.33.Jennifer chega em casa e me pede para pôr meu prato no lava louças e limpar a bagunçaque eu fiz no microondas. Peço desculpas e faço o que ela mandou enquanto ela se esforçapara abrir uma escorregadia garrafa de C hardonnay gelado. Quando estou na metade daescada, Emma emerge pela porta, o uniforme de futebol sujo, bochechas vermelhas.— Eu quase marquei um gol!, — ela grita.—Fabuloso, — eu digo.—Você quer chutar a bola comigo agora?M uitas cordas puxam-me para baixo, para o chão. — Eu não posso, Emmakins. Estoumorta. Além do mais, já está escuro. Amanhã, ok?As pontas de seu sorriso desmoronam. Forço-me a subir o restante da escada.Feche a porta. Feche a porta.M inha cesta de tricô foi a única coisa que eu me preocupei em desembalar, quando memudei para cá. Sento-me na borda de minha cama e procuro dentro da cesta, passo o lençosem-fim/projeto de lençol, passo as agulhas separadas e as bolas de lã laranja e marrom e vermelha,até a garrafa mágica de coloração rosada com apenas Pílulas de Emergência. C assie asconseguiu para mim, mas ela não disse de onde elas vieram. Tomo uma, apenas uma.Estrelas de plástico esperam no teto frio, observando o interruptor de luz, nervosas,prontas para a escuridão que é sua deixa para brilhar. Esta garota tem lição de casa deFísica. Esta garota tem que escrever um artigo sobre genocídio e resolver os problemas detrigonometria da semana passada, e elaborar um quiz sobre os recursos literários de algumahistória estúpida.Esta garota treme e rasteja para debaixo das cobertas com toda sua roupa e cai em cimade um livro atrasado da biblioteca, um conto de fadas com ratos e tutano e maldiçõesabrasadoras. As frases constroem uma cerca ao redor dela, uma barricada de Times Roman10, para evitar que as vozes espinhentas cheguem muito perto dela.Quando papai chega em casa, o microondas esquenta seu jantar. M ais vinho éderramado. J ennifer diz à Emma que sua hora de dormir já passou. Eu viro página apóspágina sem barulho, mas parei de ver as letras, parei de compreender as palavras.Seus passos estão na escada.Eu enfio meu rosto no meio do livro, meus cabelos espalham- se como algas flutuando nacorrente da história que me empurra para baixo e me põe para dormir. Eu ponho uma mãofrouxa na beira da cama.Não, melhor não. Puxo a mão de volta.Seus passos estão no corredor. A porta se abre.— Lia?Lia não está disponível. Por favor, deixe uma mensagem quando ouvir o bip.Ela me ligou trinta e três vezes.—Lia? Você está acordada?J ennifer usa a voz de mãe irritada para dizer a Emma —pela última vez, suba asescadas. — A resposta de Emma é muito calma para ser ouvida.Papai se senta na borda da minha cama. Ele afaga os cabelos do meu rosto, se inclinapara frente, e beija-me na testa. Ele cheira a sobras e vinho.—Lia?Vá embora. Lia precisa dormir por cem anos em uma caixa devidro fechada. As pessoas que saberão onde a chave está escondidamorrerão, e ela finalmente vai poder descansar um pouco.Ele levanta minha cabeça e retira o livro de cima dela. Eu abro uma fenda do olho eobservo através dos cílios espetados. Ele marca a página dobrando a ponta do papel, e emseguida lê o que está atrás. Acima de seu colarinho, sua pele salta, o sangue correndo paraalimentar seu cérebro gigante.M eu pai é professor de história, o Grande e Poderoso Experte em Revolução Americana.Ele ganhou um Puliĵer, um Prêmio N acional de Livros, e um trabalho de consultoria emum programa de TV a cabo. A C asa Branca o convida tantas vezes para o jantar que elepossui um smoking. Ele jogou squash com dois presidentes e uma secretária de defesa. Elesabe como nos tornamos o que somos hoje e aonde devemos ir a partir daqui. M eusprofessores me dizem que eu devo me sentir sortuda por ter um pai como esse. Talvez seeu não odiasse história, eu me sentisse.—Lia? Eu sei que você está acordada. Precisamos conversar.Eu paro de respirar.— Sinto muito por Cassie, querida.O vidro que me rodeia crepita. C assie ligou para mim antes de morrer. Ela ligou e ligou eligou e esperou que eu atendesse.1.2.3.4.5.6.7.8.9.10.11.12.13.14.15.16.17.18.19.20.21.22.23.24.25.26.27.28.29.30.31.32.33.Meu pai alisa meus cabelos novamente. —Graças a Deus, você está bem.M arcas de fratura surgem na superfície da caixa de vidro como se um corpo tivessecaído do céu e tivesse pousado sobre ela. Ele não ouve o impacto, não pode sentir o cheirode sangue.Ele respira fundo e dá uma batidinha no meu ombro coberto pelo edredom. —Conversaremos depois, — ele mente.N ós nunca conversamos. Apenas fingimos pensar sobre conversar, e de vez em quandomencionamos que qualquer diadesses, nós realmente deveríamos sentar e conversar. Isso nunca vai acontecer.A cama range quando ele se levanta. Ele desliga a luz acesa no criado mudo e atravessao quarto no brilho ofuscante da galáxia de plástico colada no teto. Uma pequena abertura quese encontra em algum lugar na estrutura da porta me liberta.Eu me viro para a parede. C acos de vidro correm para meu coração por que C assie estámorta e fria. Ela morreu no Gateway M otel e é minha culpa. N ão das revistas ou dos sitesna internet, ou das garotas de língua afiada no vestiário, ou dos garotos que dão chupõesem pescoços na varanda de trás. N ão de seus técnicos ou diretores ou conselheiros ou osinventores do tamanho P e PP{5}.Nem mesmo de sua mãe ou de seu pai.eu não respondi.[010.00]... Quando eu era uma garota de verdade, minha melhor amiga se chamava Cassandra J aneParrish. Ela se mudou no inverno da terceira série. Eu estava sentada com meu queixo noparapeito da janela e observava o outro lado da rua, enquanto descarregavam uma vanmóvel. Um cara carregava uma bicicleta de criança e uma casa de bonecas rosa. Eu cruzeimeus dedos. N osso conjunto habitacional ainda estava cru, basicamente esqueletosinacabados de casas e buracos congelados de lama. Eu estava morrendo por alguém daminha idade para brincar comigo.M inha babá me acompanhou e levou um pote de café para conhecer os novos vizinhos.A casa era exatamente como a nossa só que virada para trás, com o mesmo cheiro de tintanova e tapetes limpos. A mãe, Sra. Parrish, parecia velha o suficiente para ser avó. Elatinha olhos azuis que ficavam muito abertos o tempo todo, como se ela estivesse surpresacom tudo que via. A babá me apresentou e explicou sobre meus pais e suas milhares dehoras por semana de trabalho. A Sra. Parrish chamou sua filha do andar de cima.Cassandra Jane gritou de volta dizendo que nunca sairia de seu quarto.— Suba, querida, — a Sra. Parrish me disse. — Eu sei que ela quer uma amiga.C assie estava desembalando uma caixa de livros de bolso. Quando ela ficou de pé, elaera uma cabeça mais alta que eu, com seus longos cabelos loiros que caíam em cachos porsuas costas. A princípio, ela não falou, nem sequer me olhou nos olhos, mas ela me deixousegurar seu rato, Pinky. As batidas do coração dele vibravam contra as pontas de meudedo.O quarto dela era do mesmo tamanho e formato que o meu, mas cheio de coisasdiferentes: uma cama de dossel circundada com cortinas de renda, a casa de bonecasmarcada com rabiscos de lápis- cera preto, um espelho grande e estreito que estava sozinhono canto, e uma estante de livros que não parecia suficientemente grande para guardartodas aquelas caixas de livros. Ela me mostrou suas bonecas antigas e sua coleção de cavalosde plástico, e o melhor de tudo, um verdadeiro baú do tesouro que tinha rubis e ouro e umpedaço de vidro do mar verde nascido no coração de um vulcão.Eu disse a ela que o vidro do mar vinha do oceano.— Este é diferente, — ela disse. —E 'ver-vidro'{6}, como ver com os seus próprios olhos.Se você olhar através dela quando as estrelas estão alinhadas direito, você pode ver o seufuturo.— Oh, — eu disse, estendendo a mão para a pedra.—M as, não hoje, — ela colocou a ver-vidro longe e fechou o baú do tesouro. Eu vi ondeela escondeu a chave.Sentamo-nos com uma caixa entre nós e começamos a desembalar. Enquanto eu aentregava livro atrás de livro, nós comparávamos séries favoritas e autores e então filmes eprogramas de TV e música que fingíamos ouvir mesmo que fosse velha demais para nós.Quando a Sra. Parrish e minha babá entraram, C assie colocou o braço em volta de meuombro.— É o destino, — ela disse à sua mãe. —Nós fomos feitas para sermos amigas.A Sra. Parrish sorriu. — Eu lhe disse que as coisas seriam boasaqui.O pai de C assie era nosso novo diretor, contratado do norte do estado depois que oantigo tinha tido um derrame. Sua mãe se tornou nossa líder da tropa M eninas Escoteiras ese voluntariou a acompanhar viagens de campo, e costurava fantasias para nossasbrincadeiras escolares. Ela convidou minha mãe para jogar cartas e festas de colecionarrecortes e reuniões do clube do livro, mas minha mãe estava muito ocupadatransplantando corações. A Sra. Parrish não jogava squash; meu pai não jogava golfe, então,era isso.C assie era um pouco temperamental, mas eu me acostumei. Eu dormia na casa delaquase todo fim de semana, mas ela nunca dormiu na minha. Ela não quis falar sobre seusonambulismo ou acessos de raiva que explodiam quando sua mãe reclamava com ela ouseu pai a fazia fazer as tarefas novamente.Uma vez eu ouvi a mãe dela conversando com minha babá sobre algo ruim que tinhaacontecido em seu antigo bairro, algo com um garoto. Eu perguntei sobre isso a C assie. Eladisse que eu estava tentando ferir seus sentimentos e que me odiava e que não éramos maisamigas. Sentei-me nos degraus à frente, lendoA W rinkle I n Time{7} e remoendo a ponta domeu rabo de cavalo, até que ela voltou uma hora depois, como se nada tivesse acontecido,e me pediu para andar de bicicleta com ela.Todas as tardes durante o verão, nós nos arrastávamos para minha casa da árvore paraler braçadas de livros recheados com grandes jornadas e aventuras perigosas. Fiz galhos deespadas, afiando as pontas com uma faca de cortar carne, roubada da cozinha. C assieescolheu bagas venenosas e cortou uma rosa do jardim de sua mãe. Nós esfregamos as bagasem nossos rostos e espetamos nossos dedos em um espinho. Prometemos juramentossagrados para ser forte e para salvar o planeta e para sermos amigas para sempre.Ela me ensinou a jogar paciência. Eu a ensinei a jogar uístes{8}.N a primavera da quinta série, a fada dos peitos chegou com sua varinha e bateu emC assie terrivelmente forte. Ela se tornou a primeira garota na nossa classe que realmenteprecisava de um sutiã. Os garotos olhavam e riam entredentes. As garotas brilhantes,aquelas com línguas divididas e dedos apertados, sussurravam. Eu estava secretamentefeliz por meu peito magro e por minhas camisetas.Os garotos tentavam por para fora suas piadas sujas e comentários rudes nela durantesemanas. C assie fingia não ouvi-los, mas eu sabia. C assie se descontrolou na fila do almoçode uma Sexta Feira. Thatcher Greyson estalou o sutiã das costas de C assie tão fortementeque todo mundo ouviu. Ela se virou, empurrou-o para o chão, pulou em cima dele, ecomeçou a bater. E então os assistentes a puxaram, ele tinha ganho um olho preto e umnariz sangrando.Thatcher foi para a enfermaria. C assie foi mandada ao escritório do Sr. Parrish porqueele era o diretor e seu pai ao mesmo tempo. Ele gritou com ela tão alto que se podia ouvir nocorredor, e então ele mandou ela e Thatcher para casa. O resto de nós passou a tardeescrevendo redações sobre tolerância e bondade. Estas idiotas garotas brilhantes, disseramque foi tudo culpa dela.N a Segunda Feira, as meninas declararam que C assie era uma sapatão lésbica e ajogaram para fora da tribo. Eu não sabia o que sapatão lésbica significava, mas não soavabem. Eu roí a borracha do fim do meu lápis e não falei com C assie o dia todo. Ela sentousozinha na hora do almoço na Terça Feira. Brincou sozinha no recreio. Ao invés de ir noônibus, ela voltou para casa com sua mãe.N a Quarta Feira, os meninos sussurraram um canto de — peitos, peitos, peitos, peitos, —sempre que o professor não estava prestando atenção. Thatcher fez um desenho de C assiecom seios do tamanho de melancias e o passou pela classe. As garotas brilhantes riam egiravam seus chicletes em seus dedos.N a hierarquia da quinta série, eu estava mais perto do topo que do fundo porque meuspais eram ricos e meu pai tinha conhecido o presidente dos Estados Unidos. N a complexamatemática do ensino fundamental, eu era um número inteiro, não uma fração.C assie e eu, tínhamos feito um juramento sagrado com suco de baga venenosa e sangue.Não havia escolha. Eu tinha que salvá- la.N o almoço, sentei-me perto de C assie no fim perdedor da mesa. Eu lhe dei todas asminhas batatas fritas e falei em voz alta sobre nós duas irmos à Boston para um passeio demuseu com a mãe dela. As outras garotas observavam, as línguas caindo em seus assentos,experimentando o gosto de seus gloss labial e testando o vento.N o recreio, eu andei até Thatcher, eu; - uma esquelética garota elfa, do tamanho de umpequeno estudante da segunda série parando em frente a um futuro universitário jogadorde futebol, carrinho ofensivo.— Eu te desafio a me dar um soco, — eu disse.—Você? Me desafia? — ele estava rindo muito para dizer mais alguma coisa.Eu o empurrei. — Eu te faço um desafio-duplo. Se você não tem coragem de fazê-lo,você é um banana, — eu o empurrei de novo, com mais força. —Se você fizer, você é umbanana maior ainda porque é mais difícil levar um soco que dar um.Eu não tenho idéia de como aquelas palavras saíram de minha boca. Todo mundo disse:— Ooooooooohhhhhh, — e fez um círculo em torno de nós. Thatcher olhou ao redorprocurando um professor para salvá-lo. Eu fechei meus olhos e cruzei meus dedos.—Faça, — eu disse.Ele me deu um soco tão forte que cortou meu lábio e o abriu e o frouxo molar com que eubrincava passando minha língua em cima, caiu. Eu cuspi o dente sangrento na cara delepouco antes de eu desmaiar.As garotas brilhantes mudaram de lado novamente. Eu tinha mostrado para Thatcher.Eu tinha provado que as garotas mandam. Elas me fizeram braceletes trançados com linhasbordadas e miçangas, mas eu não os levaria a menos que fizessem algo para Cassie, também.Elas convidaram C assie de volta à tribo, porque realmente, Thatcher era um valentão e acoisa toda foi culpa dele.Depois disso, Cassie e eu sempre dissemos às pessoas que éramosgêmeas.... corpo encontrado em um quarto de motel, só...O corpo de C assandra J ane Parrish está dormindo em uma fria caixa prata. C avarão umburaco no chão e a plantarão no Sábado.Sobre o resto dela, da Cassie real?Acho que ela está vindo para cá.[011.00]Emma vai para cama e J ennifer vai para a cama e papai vai para a cama. N o outro ladoda cidade, minha mãe fica acordada até tarde, mas ela finalmente vai para a cama,também.Eu não posso dormir. Quentes raios disparam através de meu crânio, provocando curtocircuitonos fios. Estou fria, então quente, e então eu não posso sentir meus dedos das mãosou dos pés. Alguém está de pé do outro lado da minha porta. Eu posso sentir. M as... não.Todo mundo está dormindo. Todo mundo está encantado, puxados para dentro de umsonho.A lua desliza pela minha janela.Eu espero.Aranhas eclodem e rastejam para fora de meu umbigo, pequenas peludas tarântulasborbulham com pés de bailarinas. Elas se juntam, jogando um véu de seda, cem milpensamentos de aranhas se unem formando um tecido até que me envolvem em umaacolhedora mortalha.Eu respiro. As teias se pressionam contra meus lábios abertos. Têm um gosto empoeirado,como cortinas velhas.O cheiro de gengibre e cravo e açúcar queimado se amontoam sobre minha cama, ocheiro de seu corpo limpo e xampu e perfume. Ela está vindo. A qualquer momento.Eu respiro para fora e começa.Assustadoras vinhas cobertas de espinhos pelo chão, estalando como uma fogueira.Rosas pretas florescem a luz da lua, nascidas mortas e quebradiças. A teia na minha cabeçamantém meus olhos abertos, forçando-me a observar Cassie sair das sombras, roseiras bravasentrelaçando-se em suas pernas e ao redor de seu corpo, alcançando seu cabelo. Em umminuto ela está na porta, no outro, ela está em cima de mim. A temperatura no quarto caiuvinte graus. Sua voz está em minha cabeça.—Lia, — ela diz.Eu não consigo emitir som algum. Aranhas rastejam em meu rosto e saltam através dosbraços dela. Elas voam de um lugar para outro, tricotando-nos juntas.—Venha comigo, — ela diz. —Por favor.A teia nos bloqueia no lugar, olhando uma para a outra enquanto a lua desliza pelo céu eas estrelas adormecem.[012.00]—Acorde, Lia!, — Emma sacode meu ombro.Eu gemo e me enterro mais profundamente no casulo quente.—Acorde!, — ela acende a luz. —Você vai se atrasar.Eu abro meus olhos e levanto a mão para bloquear o clarão. Eu ainda estou vestindo asminhas roupas. Está escuro lá fora. — Que horas são?—Duh, — Emma diz. —Depois das seis e meia.M eu quarto cheira a roupa suja e a velas velhas, não a especiarias ou açúcar queimado.Eu enfio minha cara no travesseiro. —Mais cinco minutos.— ela puxa o edredom— Você tem que se levantar agora, para longe de mim. —Mamãe disse.— Ei! Está frio.— N ão grite; mamãe está com uma enxaqueca. Tentei te acordar de forma agradável,mas você não se moveu.Eu balanço minhas pernas para um lado da cama e me sento. N ão há teias de aranhas àvista, sem pétalas de rosa no carpete. C assie está no necrotério, uma fenda na barriga edrenada como um peixe recém capturado. Não aconteceu.Eu tremo, puxo o cobertor para cima, e o envolvo em torno de meus ombros. —Ondeestá o meu pai?É Terça Feira, boba. Dia de squash{9}. Por que a abobrinha é o único vegetal que tem umjogo com seu nome?Merda. Terça Feira.—Onde Jennifer está?— Secando o cabelo. Aonde você vai?É Terça Feira.Eu desço as escadas correndo até a lavanderia, o mais longe dos ouvidos de J ennifer queeu posso ir. Eu abro a torneira, magra em cima da pia, e bebo até que minha barriga seja umgrande balão de água. Eu velejo pela maré em direção a cozinha, muito pesada com olastro, ondas salpicando.Quando J ennifer aparece com o cabelo seco e delineador desleixado, eu estou naprimeira xícara de café do dia. Preto. Eu tenho o prato sujo de meu pai em frente a mim,então parece que eu comi torradas e geléia.— Enxaqueca? — eu pergunto.Ela acena com a cabeça uma vez, estremece, e coloca uma caneca de água nomicroondas.M inha pequena não-irmã empurra uma caixa de sapatos diorama através da mesa paramim. — É um coliseu na Grécia, — ela diz. —Onde torturaram pessoas e os deram decomida para os tigres.—Parece com o ensino médio, — eu digo.—I sso não é engraçado, — J ennifer diz. — E é o C oliseu Romano, em Roma, não na Grécia.Pare de tocá-lo, Emma. A cola ainda não secou. — O microondas bipa. Ela pega a caneca,estatela um saco de chá que cheira como limões, olha para o relógio e diz, — Venha, Lia. Láem cima.A segunda vez que me deixaram sair da prisão New Seasons clínica, seis meses atrás, eu medivorciei da minha mãe Dra. Marrigan e me mudei para Jenniferland.Uma vez passado o choque, papai gostou da idéia. Seria um novo começo, ele disse. Comuma rotina previsível e alguém que sabia cozinhar. Em cada manhã de verão eu fiz à boa-filha confusa na cozinha e me sentava à mesa do café com meu pai (dos papéis de licença:—as refeições familiares devem ser leves e agradáveis"). Ele me deu uma palestra sobre suamais recente pesquisa sobre a vida entediante de algum cara morto enquanto eu comiapequenas garfadas de omelete de cogumelos e mordiscava o bagel de canela com manteiga.Os médicos disseram para papai comprar uma Bubbler-O- M eter 3000, uma balança debanheiro com um mostrador gigante que era fácil de ler. J ennifer tinha que fazer o trabalhosujo, pesando- me no meu esfarrapado robe amarelo para ter certeza que eu estavaengordando. N os primeiros meses, ela mediu meus pecados todas as manhãs e ligava parameu médico para informar os resultados uma vez na semana. Os números feios me faziamchorar.Cada pesagem se tornou cada-outro-dia de pesagem que se tornou cada-Terça de pesagem porquenenhuma de nós queria fazer isso em primeiro lugar.Eu visto o robe amarelo no meu quarto e tenho certeza de que os pedaços que eucosturei nos bolsos não estão os deixando inclinados. Quando eu chego ao banheiro,Jennifer está ajeitando o delineador em frente ao espelho. Eu subo na balança.48 Kg falsos.Ela anota o número no caderninho verde que vive no armário ao lado da pomadaantibacteriana, então, folheia as vinte e quatro semanas de humilhantes pesos registrados.— Está um pouco abaixo do esperado.—Além de problemas, no entanto.—Um, hmm. — O caderninho volta ao armário. A capa está começando a se desprenderdas espirais.Posso levar EmmaEu desço da balança e mudo de assunto. para tomar sorvete depois da escola?Sua boca se entreabre, mas as palavras não saem.Emma está com nove anos. Emma está cheinha. C heinha, não robusta, não pesada, nãogorda. Ela tem grandes ossos - que nem seu pai, ela diz - e sua fofurice é perfeita. Emmadeveria ser uma modelo; nós ouvimos isso um milhão de vezes em concertos escolares etorneios de futebol. Ela é a nova média americana, uma garota de carne com olhos dechocolate M&M, e cabelo que salta, e um rolo de amor em torno de sua barriga.Jennifer pensa que Emma está gorda cheinha, mas ela não tem coragem de dizê-lo.Uma colher, — eu prometo. — Em um prato.—H oje não, — seu batom está sangrando nos cantos de sua boca. Ela puxa um lenço depapel da caixa e se inclina para o espelho a fim de reparar os danos. E um espelho antigocom pequenas ondas em sua superfície. Às vezes, pode fazer você parecer uma eleganteprincesa presa no tempo. Outras vezes, faz você parecer um porco.Eu puxo a cortina do banheiro e ligo a água. J ennifer apaga, apaga, manchas. — C hloeligou, — ela diz. —De novo.—Aqui?— Não. Escritório de David.Eu ponho a água mais quente. Eu não gosto do jeito do nome da minha mãe na bocadela.— Você ouviu o que eu disse?—Você disse que mamãe ligou para o papai.—Você me prometeu ontem que ligaria para ela.Sento-me na borda da banheira e testo a temperatura com meus dedos. —Desculpe. Euesqueci.— N ão se preocupe com isso. Ela quer que você a visite neste fim de semana, parapassar a noite. Ela disse que está na hora de vocês duas tentarem novamente,especialmente com a morte de Cassie. Ela está muito preocupada com você.— Não.O reflexo de J ennifer franze as sobrancelhas para mim. Ela ainda está aprendendo comofazer o seu caminho através do campo bombardeado que se situa entre ela e a M itológicaEsposa Número Um. Mas, ela ganha uma estrela por tentar.Ela respira profundamente. —Eu acho que é uma boa idéia.— Eu não acho.—Vamos lá, Lia, você deveria ...— V ocê não deveria dizer isto. — O vapor sobe. Eu quero me despir e cozinhar a mimmesma, mas se ela me vir nua, ela vai ficar puta, e se eu ficar no chuveiro usando meurobe, ela vai ficar mais puta ainda. — Dra. Parker diz que eu não devo deixar ninguém'dever' por mim.— Eu sinto muito, — ela limpa uma mancha clara no espelho.— Eu estou apenas tentando ajudar.— Eu sei.Quando ela casou com meu pai, eu era a visitante uma-vez- no-mês que limpava acozinha sem me pedirem e bancava a babá gratuitamente. Eu aposto que ela queria terescrito uma cláusula de fuga no acordo pré-nupcial.—O que papai disse à mamãe? — eu pergunto.— Ele disse que ia falar com você.A água cai, dezenove litros por minuto para o ralo. J ennifer está desaparecendo pordetrás da parede de vapor.— V á apenas por uma noite,— sua voz está pegajosa, como se o batom tivesse sangradoem sua boca. — C hegue lá na hora do jantar no Sábado, e volte para casa depois do café damanhã.Eu abro a minha boca para pedir-lhe que vá ao funeral comigo, para ir ao velório comigoamanhã, para me ajudar a descobrir se eu devo ligar para os pais de C assie ou se issopioraria as coisas. Eu abro minha boca, mas o vapor entra e ferve as palavras para longe.—Você disse alguma coisa? — ela pergunta.— Você vai à loja hoje?— O quê?— Você vai à loja? Estou sem absorvente interno, — uma total mentira, desvio brilhante.— Claro. Eu pego alguns. Vai ligar para Chloe?— Ligarei para ela esta tarde. Agora, se você não se importa... - Eu me levanto e pego ocinto do meu robe.Ela caminha pelo cômodo, deixando a porta entreaberta. — Obrigada, querida. Direi aDavid.Eu fico parada entre o vapor até que eu sei que ela desceu as escadas.— Não me chame de 'querida'.[013.00]Eu desligo o chuveiro. N uvens pairam no ar. Lágrimas descem espelho abaixo, nasparedes, e janelas também. Eu espero pelo som mágico da porta da garagem fechando eentão conto enquanto o carro dela desce a entrada da garagem e se dirige para Park StreetElementary.... Depois que reduziram as pílulas verdes e laranjas por que eu era uma garotinha muito,muito boa, o nevoeiro diluiu em minha cabeça e meu cérebro voltou ao C ON TROLE.Demorou um pouco para me acostumar com a vida em Jenniferland. Sempre havia pessoasao redor, por qualquer coisa. J ennifer tinha amigos. Papai jogou churrasqueiras. Emma osinfernizou até eles me deixarem ser sua babá, exceto durante as manhãs que eu tinha que irà escola de verão.Meu pai (—quarenta e nove, filha - você parece ótima") me comprou um carro novo (—três anos de idade, 128 quilômetros, mas os pneus são novos e muito seguro"), assim eupoderia levar Emma para a piscina e para o futebol e para a casa de suas amigas. N ão eracomo se eu tivesse outro lugar a qual ir. C assie tinha me largado. M eus outros amigostinham desaparecido enquanto eu não prestava atenção. Papai me prometeu um montede viagens de carro para me fazer sentir-me melhor. N ós estávamos indo assistir ao nascerdo sol sobre o oceano, ouvir Boston Pops, dirigir até o C anadá para uma xícara de café evirar em torno e dirigir até em casa. Ele foi tão convincente, que eu realmente acrediteinele durante um tempo.M as, então seu editor se recusou a mudar novamente o prazo de seu livro e ele teve queassumir uma sessão de turma de verão e nós não iríamos mais a lugar nenhum.M eu carro me levou a uma loja de suprimentos médicos onde eu comprei umamortalmente precisa balança digital. Uma que não poderia ser violada, ao contrário daBubbler-O-Meter 3000...Eu retiro a balança real de seu esconderijo no meu armário e a levo de volta para obanheiro. Peso deve ser medido em uma superfície dura. Os telefones tocam, um em cadacômodo da casa, ding-dong soa o toque natalino. A secretária eletrônica atenderá.Eu faço xixi retirando a água extra de dentro de mim e me dispo. Eu estou com um 1m,5 cm de altura, um pouco mais baixa que no ano de caloura. Foi quando minhamenstruação parou, também. Eu finjo ser uma adolescente com gordura saudável. Elesfingem serem meus pais. Está tudo bem.Eu fecho meus olhos.Enquanto eu subo na balança, Jennifer adverte Emma sobre sorvetes.Enquanto eu subo na balança, Emma teme baunilha.Enquanto eu subo na balança, meu pai balança sua raquete e pontua.Enquanto eu subo na balança, mamãe se torna uma estranha.Enquanto eu subo na balança, as sombras ficam mais perto.Enquanto eu subo na balança, Cassie sonha.Eu abro meus olhos. 44.900 kg. Estou oficialmente de pé na Meta Número Um.Se meus médicos soubessem, eles me levariam e me jogariam de volta para o tratamento.H averia consequências e repercussões porque (uma vez) eu quebrei as regras do tamanhoperfeito de Lia. Eu devo estar tão grande quanto eles querem. Eu deveria repetir minhasafirmações como encantamentos para conduzir as vozes desagradáveis para fora de minhamente. Eu deveria me comprometer em me recuperar como uma freira promete seu corpoe sua alma em um convento.São idiotas. Este corpo tem um metabolismo diferente. Este corpo odeia se arrastar emtorno das fileiras que eles põem ao redor. Prova? C om 44 kg eu pareço mais clara, maisbonita, mais forte. Quando eu alcançar a próxima meta, serei tudo isso, e muito mais.A M eta N úmero Dois são 42 kg, o perfeito ponto de equilíbrio. C om 42 kg, eu serei pura.Leve o suficiente para andar com minha cabeça levantada, sólida o bastante para enganartodo mundo. C om 42 kg, eu terei forças para permanecer no controle. Eu estarei escondidanas pontas das minhas sapatilhas de cetim de balé, fitas rosas costuradas em minhaspanturrilhas, e me elevarei sobre o ar: mágico.Aos 40 kg, eu subirei. Essa é a Meta Número Três.Cassie observa, meio escondida na cortina do chuveiro.—Desista, — ela sussurra.[014.00]Estou atrasada novamente, e sonhando a meio caminho da porta (44! 44! 44! Amanhãserão 43!) quando a luz vermelha piscando me pega. A secretária eletrônica. N ão éproblema meu. Jennifer olhará quando chegar em casa.Mas, e se for Jennifer me pedindo para ir buscar Emma depois da escola novamente? Oumeu pai, precisando de alguns papeis importantes que esqueceu. Ou Cassie -Bem, não. Não é Cassie.Eu ponho minha mochila no chão, atravesso de volta pela cozinha congelada, e apertoPLAY.—Hmm, alô? Espero que este seja o número certo.A voz de um cara. Profunda. Ninguém que eu conheça.Ele tosse uma vez. —Eu estou procurando por alguém chamada Lia. Hmm, Lia, se esta ésua casa, bem, duh, e se não for a sua casa, você não receberá esta mensagem, vai? V ocêpode ligar para o Gateway M otel, ou parar aqui se for perto? Pergunte por mim, Elijah.Prometi a Cassie que iria - "A secretária eletrônica corta a voz dele.Eu vesti um dos grandes moletons de meu pai por que não consigo parar de tremer. Euescuto a mensagem uma dúzia de vezes antes de ligar para a enfermeira da escola e dizerlheque estou tendo um dia muito ruim de fato, e que estou no meio do caminhopara uma consulta de emergência com minha psiquiatra. Ela diz que vai dizer ao escritório.Eu pego minhas chaves.[015.00]Eu dirijo pelos últimos jardins ainda presos entre feriados, alguns com perus infláveis nogramado, outros com bonecos de neve e chiques guirlandas na porta da frente. C ada caixade correio tem um sistema de segurança pregado nela. Este bairro não é tão caro quantoaquele em que Cassie e eu crescemos, mas ele tenta duramente.O carro nos conduz até o atalho. Eu sei que vou me perder. Eu sempre me perco. Eudeveria ter anotado os endereços.Quem é esse cara e como ele conseguiu meu número e isso é uma fraude e eu deveria chamar apolícia?Eu ligo o aquecedor para ASSAR. A primeira saída me leva para um grupo atarracado deprédios de escritório com um estacionamento meio vazio. Eu recuo até 101. A próximasaída me levaria à faculdade e, com a minha sorte, eu correria direto para meu pai ou seusalunos pós-graduados.Terceira saída: River Road. V ire à direita. Os primeiros quarteirões são pontilhados comlojas de família: um salão de beleza, uma loja com duplo desconto, uma lanchonete, umaloja de colchões, escola de caratê, móveis de aluguel. N a lavanderia, um garotinho comuma garrafa saindo de sua boca está em uma cadeira com suas duas mãos sobre a janela devidro. Ele sorri e a garrafa cai. Atrás dele, uma mulher joga roupas de uma sacola de lixopreta na máquina de lavar. Eu marcho pelo terreno, passando por árvores decedro e por uma igreja de tábuas. Alguns quilômetros depois - clico no sinal de volta, checoos espelhos - viro à esquerda até o lote do Gateway M otel. H á uma abundância de lugarespara estacionar.O edifício me faz lembrar da caixa de sapatos diorama de Emma. Buracos são cortados acada par de pés: buracos gordos para janelas, buracos magros para portas. Os estuquesdescascados das paredes estão manchados com a ferrugem das calhas de gotejamento. Oescritório está no final, um letreiro de neon vermelho piscando na janela: VA AS.Saio do carro, tranco a porta, e sigo para o escritório, evitando uma carcaça de umpássaro com algumas penas.[016.00]Está tão frio no saguão quanto lá fora. A mesa de registro tem um buraco do tamanho deuma bota nela. Atrás dela, um velho está sentado com um pente ruim na cabeça e óculosgrossos, lendo o jornal. A pequena TV presa na parede tem uma imagem irregular e semsom. Um maltratado telefone público está montado sobre uma prateleira com algunsdesbotados folhetos turísticos para C anobie Lake Park, Robert Frost Farm, e o M useu deM otoneve de N ova H ampshire. Em uma porta está marcado PRI VADO e em outra dizBANHEIRO - APENAS CONVIDADOS.Eu não deveria estar aqui. Eu deveria estar em Trigonometria. N ão, em H istória. Eudeveria voltar para o carro e dirigir até a escola, diminuindo nas faixas de pedestres eparando nos sinais amarelos. Obedecendo todos os limites de velocidade.— Sim? — o homem olha para mim e aperta os olhos. —Você quer um quarto?Eu balanço a cabeça. —Não, senhor.—Bem, então o que você quer? — sua voz está molhada com alcatrão. — Veio ver ondeela morreu? — não é a voz da secretária eletrônica.Eu dou um minúsculo aceno de cabeça.— Dez dólares para dar uma espiada, — ele estende a mão e vira os dedos em direção asua palma.Eu abro minha carteira. —Só tenho uns cinco.— Isso vai dar. — Depois que eu entrego as notas, ele grita — Lie-juh!"A porta do banheiro se abre. O cara que sai parece um par de anos mais velho que eu, e équase 30 cm mais alto, com espesso cabelo preto que cai sobre seus ombros e óculos de aropreto. Sua pele é açúcar branco e, sobre uma fina barba, seu rosto está quebrado como umcampo de lava. Ele está usando botas com pontas de aço, largas calças pretas de trabalho, euma camisa dos Patriots com um rasgo na gola. Seus olhos são da cor de fumaça e estãorodeados com delineador grosso. Um alargador de madeira marrom preenche o lóbulo desua orelha esquerda.Ele balança a chave prata em suas mãos e sorri. —Você tocou, seu Slimeship?Essa é a voz.— Ela quer ver, — diz o homem mais velho, fixando meu dinheiro em seu bolso. —Mostre-lhe.A atitude arrogante é drenada, e seu sorriso desaparece. Ele coloca a chave no balcão emurmura, —Siga-me.Quando eu saio, o velho grita: —Não roube nada. Tudo isto é propriedade do motel.Passamos por portas de metal, 103, 105, 107. Está faltando a maçaneta da 109. A 111 estápichada com tinta spray preta, mas não consigo entender o que está escrito.O cara para tão de repente em frente à porta 113 que eu bato em suas costas.—Desculpe.Sem problemas. — Ele desprende um pesado molho de chaves de seu cinto, balançandoa cabeça. —Você está aqui em uma aposta?— Perdão?— Um garoto veio aqui uma hora atrás, — ele mantém os olhos em suas mãos,procurando entre as chaves. — Seus amigos o desafiaram.Ele pega uma chave entre o polegar e o dedo indicador deixando as outras deslizarempelo molho. —Ele queria ver se havia sangue.Folhas marrons passam correndo por nós. O vento sopra meus cabelos na minha cara. Euos ponho atrás das orelhas. —Você estava aqui... ?Ele enfia a chave na fechadura, de costas para mim, a voz estável como a de um guia demuseus. —Eu tive a noite de folga. Assisti basquete em um bar no centro, depois fui para acasa de um cara jogar pôquer. Ganhei oitenta dólares. Deu-me um inferno de um álibi. — Aporta range enquanto ele a abre. —Já descobriram o que a matou?Eu balanço a cabeça. —Acho que não.Há rajadas de vento novamente. —Espero que tenha sido rápido.O cômodo atrás dele está cheio de escuridão. Eu tremo. Essa é a última porta que C assieatravessou. Ela entrou viva e saiu morta.Eu não devia ter vindo aqui.Você tem um nome? — ele pergunta.—O quê? Eu? — eu tremo tanto que meus dentes chocalham. Eu não conheço esse cara eeu não sei por que ele quer falar comigo. —Sim, hmm, eu sou Emma. Você?Elijah.Eu envolvo meus braços ao meu redor. — Ela estava chateada quando se registrou?Ele balança a cabeça. — N ão a vi até que fosse muito tarde. Eu moro no 115. Quandovoltei depois do jogo de pôquer, encontrei a porta aberta e as luzes ligadas. Encontrei-a.Eu me movo para longe dele, apertando os olhos fechados. Tudo em meu corpo dói,como se eu estivesse gripada, ou como se o ar que corre para fora do 113 estivesse meinfectando com alguma coisa. M eu coração bate contra sua gaiola de osso, mais e mais,sangue escorre para baixo até as rachaduras no chão.— Eu verifiquei o pulso, — continua. — E chamei o 911.— Pare, — eu sussurro.Ele regurgita sua história mastigada para mim, outro cliente pagando para se banquetearsobre a loira morta. C aminhe em direção ao show de aberração, faça um vídeo com seutelefone, publique o sangue. Aperte o laço de arame escondido debaixo de sua clavícula.Eu abro meus olhos e olho ao redor. Ele está dentro, nas sombras, alcançando a luz sobrea cômoda.— Eu disse para parar, — eu digo em voz alta. —Eu não quero ver mais nada. — Eu meafasto, as pernas tremendo. —Eu tenho que ir agora.— Ei, — ele chama depois de mim. —Volte.Eu zumbo para mim mesma para abafar a voz dele.— Ei!, — ele grita. —Você conhece uma garota chamada Lia?Eu paro, a mão na porta do carro. —O quê?Ele corre até mim, parando alguns passos a frente do pássaro morto. —Eu estouprocurando por alguém chamada Lia. Ela pode ir para a mesma escola que você.—Por quê?Ele cruza os braços sobre o peito e treme uma vez. O vento mudou para o norte. —Eu sóestou tentando encontrá-la.O pássaro agita suas asas, ossos chocalhando como dados.—Desculpe, — eu digo. —Nunca ouvi falar dela.[017.00]O cinema está vazio, exceto por mim na fila de trás e trêsbabás mães com criançaspegajosas na frente. A luz projetora pega uma galáxia de espiralados flocos de pele e cascasde pipoca no ar. Animes mutantes combatem caras maus na tela, uma barata matinê deJapanimação.Eu abro a sacola da farmácia.Duas das babás mães conversam entre si, enquanto a terceira fala ao celular. As criançaspulam para cima e para baixo em seus assentos. Acima deles, monstros robôs destroem umaaldeia. Os heróis de olhos grandes se transformam em pessoas-raposas que disparam fogo desuas patas.Eu pego a caixa de lâminas de barbear para fora da sacola.:: Estúpida/ feia/estúpida/ vadia/ estúpida/ gorda/ estúpida/bebê/ estúpida/ idiota/ estúpida/ perdedora/ estúpida/ perdida ::Um monstro robô roxo joga um caminhão em um cara- raposa. Os alto falantes vibramcomo ecos de trovões quando o caminhão cai no chão. As crianças na platéia não estão nemmesmo assistindo. Elas estão brigando sobre sua pipoca e doce, e se lamentando sobre ir aopinico.A caixa se abre e as lâminas deslizam para fora, doce sussurro.Aquele costumava ser meu corpo inteiro, era meu quadro - cortes quentes lambendominhas costelas, degraus subindo em meus braços, grossos oficiais-de-sala jogando talos emminhaspernas. Quando eu me mudei para Jenniferland, meu pai deu uma condição. Uma filha queesquece como comer, bem, era ruim, mas tinha sido apenas uma fase e eu já tinhasuperado. M as, uma filha que abre sua própria pele, querendo deixar sua casca cair até ochão então ela poderia dançar? I sso era apenas doentio. Sem cortes, Lia M arriganOverbrook. Não sob o teto de papai. Linha de fundo. Trato desfeito.Os heróis-raposas na telona transformaram seus olhos em raios. Eles rangeram os dentese estremeceram quando os monstros os jogaram contra a montanha, mas eles sempre,sempre voltavam, tocavam seus lenços vermelhos e riam.Toda a maldade fervia em minha pele, avaras bolhas de gingerale{10}lutando pararespirar. Eu desabotoo meus jeans, abrindo um dente do zíper de cada vez. Eu me viropara a direita e puxo para baixo o elástico da minha calcinha. Arqueio meu quadrilesquerdo para cima, brilhando azul à luz do filme.:: Estúpida/ feia/estúpida/ vadia/ estúpida/ gorda/estúpida/ bebê/ estúpida/ perdedora/ estúpida/ perdida ::Eu escrevo três linhas,silêncio silêncio silêncio, em minha pele. Fantasmas pingam parafora.Os mutantes entram em vários jatos e seguem os monstros para um asteróide. Umababámãe arrasta a criança que tem que fazer xixi até o saguão.Os mutantes entram em vários jatos e seguem os monstrosEu coloco a lâmina de volta na caixa, e coloco a caixa de volta na sacola e pressionominha mão contra os cortes molhados até que os créditos apareçam. Pouco antes das luzesacenderem, eu ponho meus dedos em minha boca.Eu tenho gosto de bairros sujos.[018.00]Depois de um dia perdido em um pesadelo, o carro me leva para longe do cinema, dafarmácia, e do motel que tritura garotas em pedaços de tamanhos de mordidas. N ósvoltamos para a estrada e para os morros, subindo para as casas M cSame do C astle Pines,voltando para a casa de meu pai localizada nas nuvens.Os três estão sentados ao redor da mesa da sala de jantar, velas saltando para a músicade espineta{11} que sai dos alto falantes. O ar está úmido com jantar - sobras de peru,couve de Bruxelas fedido, salada, pães de grão integral, e batatas queijosas, as favoritas deEmma. Uma refeição familiar para lembrar-nos que somos uma família. N ós não somos umreality show (ainda), ou estranhos partilhando uma casa e dividindo as contas. N ós nãosomos um motel.H á um lugar vazio através da mesa, de Emma - prato, guardanapo de papel, garfo deaço inoxidável, faca, colher. M amãe ficou com a prata boa quando meus pais se separaram.Ela veio de N anna M arrigan, que dizia que comida servida em utensílios baratos tinhagosto metálico. Ela estava certa.Papai olha para cima, um pedaço de peru dependurado em seu garfo. —V ocê estáatrasada, filha. Sente-se.— Eu fiquei até mais tarde para trabalhar em um projeto. Posso comer lá em cima? Estoucheia de lição de casa.Emma quica em sua cadeira. —Eu fiz as batatas, Lia. Quase sozinha.Jennifer concorda. —Por favor, Lia. Há um tempo que não tivemos um bom jantar.Meu estômago aperta. Não há espaço dentro de mim paraisso.— Eu usei o descascador e uma faca, — Emma sorri tanto que o vidro cai do candelabrovibrando. —Mamãe desfiou.—I sso é incrível, — eu puxo minha cadeira e sento. —Se você as fez, elas devem ter umgosto bom.Papai engole e pisca para mim.—Posso pegar a salada? — eu pergunto.Ele me passa a caçarola cheia de molho e com sobras de peru. Eu tenho que usar as duasmãos para segurá-la, por que ela pesa mais que tudo na mesa, mais até que a própria mesa,mais que o candelabro e que o armário customizado que guarda a coleção de manequins devidro de Jennifer.Eu ponho a louça perto do meu prato. O triângulo PapaiEmmaJennifer se fixa em minhamão alcançando o garfo. Eu pego uma fatia de carne cozida cheia de gordura, molho desangue (250), e a deixo cair em meu prato. Splat.Eu ofereço a caçarola para Jennifer. —Quer outro pedaço?Ela a põe no meio da mesa e conduz a conversa de volta aos problemas de Emma comdivisões grandes.Papai nem sequer tenta esconder o fato de que está olhando para meu prato.Eu pego um pão de trigo integral (96) do cesto e duas couves de Bruxelas amanteigadas(35), apesar de eu odiá-las. Em J enniferland, eu sou Um Exemplo e devo pegar pelo menosduas porções de tudo. Eu ponho o pão na borda do prato, as couves de Bruxelas às duashoras e quatro minutos, equidistante. Eu me levanto, assim posso alcançar as batatasqueijosas e pegar uma repugnante colher de laranja (70) ao lado do peru.Só por que eu ponho isto no prato, não quer dizer que eu tenha que engolir. Eu sou forteo suficiente para fazer isso as batatas cheiram tão bem fique forte, vazia vazia as batatascheiram forte/vazia/forte/respire/finja/aguente.Eu preencho o resto do espaço com salada, pegando cogumelos extras e deixando asazeitonas na tigela. C inco cogumelos = 20. C omo cinco cogumelos mágicos e bebo umgrande copo de água e eles florescem em sua barriga como esponjas coloridas de altaprofundidade.Forte/vazia/forte.J ennifer pergunta a Emma quanto dá quarenta e oito dividido por oito. Emma mordeseu pão. Papai acena para meu prato cheio e diz à Emma que a questionará depois dasobremesa. — Mesmo professores de história tem que saber multiplicar e dividir, Emmakins.Eu abro meu guardanapo no colo, então corto meu peru em dois pedaços, depois emquatro, depois em oito, depois em dezesseis boas porções. As couves de Bruxelas sãodivididas em quatro. Eu raspo o queijo de uma fatia de batata - que não vai me matar,batatas raramente causam morte - e enfio em minha boca e mastigo, mastigo, mastigo,sorrindo através dos acres{12} da toalha de mesa. Papai e J ennifer observam a divisão emmeu prato, mas não dizem nada sobre isso. Quando eu primeiramente me mudei, isto teriasido chamado de —comportamento desordenado" e a voz de J ennifer aumentaria o tom epapai giraria sua aliança de casamento em torno e em torno de seu dedo. Agora, isso caiupara a categoria de — em batalhas não vale a pena brigar, por que pelo menos ela estásentando-se à mesa e comendo conosco, e seu peso não caiu na zona de perigo.Eu largo minha mão esquerda no meu colo, sob o guardanapo, sob minha cintura, eencontro as três linhas com crostas, desenhadas em ordem e verdadeiras. A cada mordidaeu pressiono meus dedos nos cortes.—Você fez um ótimo trabalho, — eu digo à Emma. —As batatas estão maravilhosas.Enquanto papai reclama sobre um professor de C hicago que acaba de publicar um livroque é exatamente igual ao que papai está escrevendo, eu afasto a comida da posição dauma hora para a das duas, então às três horas bordeiam meu prato. Eu espremo o molhonos dentes de meu garfo.Jennifer pede para Emma dividir cento e vinte e um por onze. Emma não consegue.Eu mastigo a comida dez vezes antes de engolir. C arne em minha boca, mastigo dezvezes, alface em minha boca, mastigo mastigo mastigo mastigo mastigo mastigo mastigomastigo mastigo mastigo, couve de Bruxelas ensopado, pedaço de cogumelo, mastigo,mastigo, mastigo. Eu tomo um gole do leite, deixando meu lábio superior marcado eprovando que todos nós estamos bem.—Você pode calcular cem dividido por dez? — Jennifer pergunta.Uma lágrima rola pela bochecha de Emma e cai em suas batatas queijosas. Papai pausaseu discurso e ergue as mãos. —Sem lágrimas, Emma. Lia, levou um certo tempo paramemorizar essa coisa, também, mas ela conseguiu no final.Essa é a minha deixa. — V ocê sabe o que me salvou? — eu pergunto. —C alculadoras.Enquanto tiveres uma calculadora, ficarás bem. C onfie em mim, não vale à pena chorarpor causa de matemática.J ennifer me atira um meio olhar, mais afiado que o normal, e derrama outro copo deágua. —Você não teve um teste hoje?Eu fatio a parte mais fina da batata. —Física. Ele adiou. N inguém entende a velocidadeda luz. Como vai a enxaqueca?— Como um rebanho de gado estourando em minha cabeça.—Ai, — eu digo. Emma tenta cortar uma couve de Bruxelas com seu garfo, mas a couvepula de seu prato e rola pela mesa em direção a mim. J ennifer estremece quando o garfochia através do prato. Eu lanço a couve fugitiva para Emma, que a pega com umarisadinha e enxuga os olhos na manga de sua roupa.J ennifer se aproxima para pegar a couve da mão de Emma, e derruba o copo de leite.Emma recua quando o leite inunda seu prato, e então ensopa a toalha de mesa e começa apingar no tapete novo.O telefone toca. Jennifer enterra sua cabeça em suas mãos.Papai se levanta. —Deixe a secretária eletrônica atender, — ele diz. —Eu vou limpar abagunça.J ennifer respira profundamente e vai para a cozinha. —Eu odeio pessoas queresguardam suas ligações. Eu vou atender.Papai esfrega o derramamento, dá uma tapinha nas costas de Emma, e diz a ela que eraapenas um copo de leite. Eu varro meu pão e metade da carne para meu guardanapo, odobro e o coloco em meu colo.J ennifer volta com sua boca em um perfeito nó. — E ela. — Ela mantém o telefone longede papai.J ennifer não é a razão do divórcio de meus pais. A razão chamava Amber, e antes dela,Whitney, e antes dela, Jill e outras. Quando mamãe finalmente o chutou, papai foi para umnovo banco abrir sua própria conta corrente. Jennifer trabalhava lá. Ele estava tão magoadoque voltou lá toda dia por uma semana, fazendo perguntas idiotas sobre empréstimos poruma propriedade e IRAs. Eles estavam casados antes mesmo que eu pudesse me acostumarcom o fato de que meus pais estavam separados.Papai pega o telefone. "Olá? Espere.... Chloe eu posso ouvir você – "Jennifer franze as sobrancelhas e balança a cabeça.Ele recebe a mensagem. — Estávamos jantando, — ele diz enquanto sai, o telefone a setecentímetros de seu ouvido. —Sim, todos nós. Ela está lidando com isso muito bem.Enquanto ele caminha pelo corredor, a música para. O aparelho de C Dclica duas vezes emuda os discos: Tchaikovsky, o Lago dos Cisnes. J ennifer diz para Emma limpar o molho dequeijo do queixo.[019.00]M eia hora depois papai abre a porta para mamãe. A voz dela na sala me chicoteia paraminha cadeira com videiras espinhosas. A última vez que a vi foi em 31 de Agosto, o dia emque fiz dezoito anos.Eu não posso vê-la me ver agora forte/vazia/forte.O rompimento com minha mãe era a mesma velha história contada um milhão de vezes.M enina nasce, menina aprende a falar e andar, menina pronuncia palavras e cai. M uitas emuitas vezes novamente. M enina esquece-se de comer, perde a adolescência, a mãe lavaas mãos da Garota, esfregando com sabão cirúrgico e com uma escova durante três minutoscompletos, em seguida usando luvas antes de entregá-la aos especialistas e dizer para elesfazerem testes à vontade. Quando a deixam sair, a Garota se rebela.M amãe entra na sala de jantar, e J ennifer desaparece,puf! I sso contrai as leis da físicapara ela, ocupar o mesmo lugar que a primeira esposa.—Rodadas até tarde? — papai pergunta.Mamãe o ignora e caminha em minha direção. Ela beija minha bochecha e me puxa parame estudar com sua escaneadora visão de Raios-X/M RI{13}/GATO. —C omo está sesentindo?—Otima, — eu digo.Eu tenho sentido a sua falta, — ela me dá outro beijo, lábios frios e rachados. Quando elasenta na cadeira de Jennifer, ela estremece. Seus joelhos agem quando o tempo muda.—Você parece cansada, — ela diz.—Panela chamando a chaleira preta, — eu digo.Dra. C hloe M arrigan usa seu cansaço como um terno de armadura. Para ser a melhor,você tem que dar tudo o tempo todo, e então você tem que dar um pouco mais: cem horaspor semana, achatando carregamentos de pacientes, operando milagres da mesma formaque outras pessoas viram hambúrgueres. M as, hoje a noite ela parece pior que o normal. Eunão me lembro de ver essas linhas ao redor de sua boca. Seu cabelo amarelo cor de milhoestá domado em uma apertada trança francesa, mas alguns fios de cabelo cinza reluzem àluz de velas. A pele no seu rosto costumava ser ajustada como uma bateria. Agora, está umpouco flácida no pescoço.Papai tenta uma pequena conversa novamente. —Foi uma cirurgia de emergência?Ela acena com a cabeça. —Desvio quíntuplo. O rapaz estava uma bagunça.— Ele fará? — papai pergunta.Ela coloca seu Pager próximo ao garfo sujo de J ennifer. — É incerto. — Ela mede as trêsmordidas no peru no lado esquerdo de meu prato e as migalhas de pão que eu espalheipróximo a ele. —Lia parece pálida. Ela está comendo?— É claro que está, — papai diz.Levou sete frases dela para me irritar. Essa é uma realização Olímpica de qualificação.Eu fecho minha boca, me levanto, pego meu prato, pego o prato de meu pai, e saio da sala.J ennifer e Emma estão na mesa da cozinha, uma pilha de cartões relâmpagos{14} entreelas, então o quiz sobre fatos de divisão pode continuar. Eu carrego a máquina de lavarlouça tão lentamente quanto eu posso e transmito as respostas para Emma através denúmeros desenhados no ar por trás das costas de Jennifer.Papai me chama da sala de jantar. —Lia, volte aqui, porfavor.—Boa sorte, — Jennifer murmura enquanto eu saio da cozinha.—Obrigada.Eu coloco os talheres de Emma em seu prato, mas papai diz, —N ão se preocupe com ospratos. Nós precisamos conversar.Conversar = gritar + ralhar + discutir + exigir.A Dra. M arrigan puxa as mangas de seu suéter de gola alta de seda verde para cima.Suas unhas estão curtas e polidas, os dedos mágicos ligados às mãos ligadas aos antebraçosligados com músculos de aço e tendões que levam a ombros, pescoço, e cérebro biônico. Aspontas de seus dedos batem na mesa. —Sente-se, por favor, — diz ela.Eu sento.Papai: Sua mãe tem uma preocupação.Mãe: É mais que uma preocupação.Lia: Sobre?Papai: Eu disse a ela que você tem estado bem desde que recebemos as notícias.Lia: Ele está certo.M ãe, a espinha não tocando as costas de sua cadeira: Eu estou com medo que a mortede Cassie possa provocar você. A pesquisa mostra -Lia: Eu não sou um rato de laboratório.Mamãe olha para a tela em branco de seu Pager, esperando que esteja desligado.Lia: Paramos de nos falar meses atrás.M ãe: V ocês foram melhores amigas durante nove anos. N ão se falar por alguns mesesnão faz aquilo ir embora.Lia olha para uma mancha na toalha de mesa.Papai: Você sabe como ela morreu?M amãe pegando um pão do cesto: C indy me ligará quando os resultados da autópsiachegarem. Eu me ofereci para explicá-los a ela.Papai: Eu aposto que vai mostrar drogas.Mãe: Talvez, mas esse é não é o ponto. O ponto é Lia.Emma entra para dizer boa noite, seus olhos inchados. Papai a beija; Dra. M arrigan lhe dáum sorriso clínico. Eu a abraço apertado e sussurro que divisão grande é uma estúpidacabeça de cocô. Ela ri e me aperta apertado, e então corre para tomar seu banho. J enniferfica de pé com as costas para Dra. M arrigan e para mim e pergunta a seu marido algumasperguntas chatas sobre a coleta de lixo de amanhã e as meias dele na secadora, pequenosdetalhes caseiros para lembrar que a Esposa N úmero Um é a que usa o anel de diamantesneste lugar.Eu varro as migalhas da toalha de mesa para minha mão. Drogas não mataram C assie, anão ser que tenha sido um par de garrafas de aspirina. Ou ela bebeu vodca até cair emcoma. Ou ela cortou muito fundo. Ou talvez alguém a tenha matado, algum cara mau quea seguiu e roubou sua bolsa e esvaziou a conta corrente dela.Não, isso estaria no jornal.Eu deveria ter perguntado ao Elijah o que ele viu, o que a polícia realmente disse. Eudeveria ter lhe dito o meu nome. M as, não. Eu não sei quem ele é, não de verdade. E se elementiu sobre ter um álibi, e se polícia achar que ele é um suspeito? E que tipo de cara viveem um motel assustador? Talvez ele tenha sido uma invenção de minha imaginação. O diainteiro poderia ter sido um sonho- blecaute que eu girei para mim por que admitir quepassei o dia inteiro na cama é patético.E duvidoso.Puf! Jennifer desaparece novamente.M ãe pegando um pão do cesto: Eu não posso ir ao velório por causa do trabalho. V ocêirá?Pai: Pode ser desagradável. Eu não converso com eles háanos.Lia: Eu vou.Eu pagarei nossos respeitos no funeral no Sábado.Mãe: Absolutamente não. Você está emocionalmente frágil.Lia: M as, você acabou de fazer uma grande cena sobre o tempo em que C assie e eufomos amigas.Pai: Sua mãe está certa. Isso irá te chatear muito.Lia: Eu não estou chateada.M ãe: Eu não acredito em você. Eu quero que você veja a Dra. Parker com maisfrequência. Ao menos uma vez por semana, talvezmais.Lia, calmamente: Não. E um desperdício de tempo e dedinheiro.Pai: O que você quer dizer?Lia: A Dra. Parker está arrastando a minha terapia assim ela pode continuar recebendo.Mãe pegando pedaços de grão do pão: Você está viva graças a Dra. Parker.Lia, sangrando onde eles não podem ver: Pare de exagerar.M ãe, deixando migalhas cair: Ela está voltando à negação, David. Por que você estádeixando isso acontecer? V ocê não está apoiando sua recuperação, você está deixando issoentrar em chamas.Pai: Do que você está falando? N ós estamos dando um apoio de cem por cento, nãoestamos, Lia?Mãe, com olhos ácidos: Você a mima, você a deixa citar asRegras.Pai, mais alto: Você acabou de dizer que nós a mimamos?Eles saltam para a batalha, os passos da dança queimando em sua memória muscular. Eupuxo uma vela para próximo de mim e empurro a cera macia do topo até a chama azul.M eus pais se conheceram em uma festa de Verão em um lago nas montanhas. Papai estavaterminando seu PhD e conhecia o dono da cabana. M amãe teve uma rara noite de folgaentre seu estágio e a residência. Ela e seus amigos estavam procurando por uma festadiferente e se perderam.Quando eu era uma garota de verdade, eles se abraçavam comigo no sofá e mecontavam a versão do conto de fadas de como eles se apaixonaram:Era uma vez, nas margens de um lago roxo muito profundo que não tinha fundo, um homem viuuma moça com longos cabelos cor de ouro caminhando descalça na areia. A moça ouviu o homemcantando docemente e tocando violão. Foi o destino que fez seus caminhos se cruzarem.Eles remaram uma canoa até o meio da água e riram. A lua viu quão bonitos eles eram e quãoapaixonados estavam, e deu a eles seu próprio bebê. Logo após, a canoa teve um vazamento ecomeçou a afundar. Eles tiveram que remar muito, muito, muito, mas eles conseguiram chegar àpraia na hora certa.Eles nomearam o bebê de Lia, e viveram felizes para sempre depois.A pele na ponta de meu polegar repousa no limiar entre segurança e a chama.A história real não é tão poética. M amãe ficou grávida. Papai casou com ela. Eles nãoconseguiam se aguentar um ao outro quando eu nasci. Eles eram deuses aleatórios quecopularam em um mar vinho escuro. Eles deviam ter me transformado em um peixe ou emuma flor enquanto tinham chance.Mãe: Ela parece como o inferno. Eu quero que ela volte a morar comigo até que ela estejaformada.Pai, jogando o guardanapo na mesa: Oh, pelo amor de Cristo,Chloe...Os dois vão brigar para sempre.Eu sopro a vela.Emma me ouve subir as escadas e me pede para assistir a um filme com ela. Eu ponhoBand-Aids em meus cortes chorantes, ponho um pijama rosa e nós nos unimos, e meaconchego com ela debaixo de seu edredom de arco-íris. Ela organiza todos os seus bichosde pelúcia ao nosso redor em um círculo, todos de frente para a TV, e em seguida pressionaPLAY.Quando ela adormece, eu zapeio os canais um após o outro após o outro.Dra. M arrigan saiu uma hora depois, sem se preocupar em subir e dizer boa noite ouperceber que eu não tinha desempacotado a maioria das minhas caixas ou ver que boaquaseirmã eu posso ser. A porta da frente fecha rigidamente com um abafadovomp queempurra ar contra todas as janelas. Professor Overbrook aferrolha a porta e liga o sistema desegurança. Eu apago a luz de princesa ao lado da cama. Emma respira pela boca aberta.Fantasmas não se atrevem a entrar aqui. Eu caio no sono com a cabeça em umesfarrapado elefante.[020.00]—Acorde, Lia! — Emma grita no meu ouvido. —V ocê vai se atrasar! V ocê vai ficar emapuros.Estou embaixo do edredom tingido de Emma, minha cabeça no elefante. O quarto delacheira a lençóis secos e gatos.— Não vá voltar a dormir!—Que dia é hoje? — eu pergunto.—Você sabe, — diz ela.Hoje é a quarta feira do velório.A aula de H istória é uma palestra sobre genocídio, terminando com dez minutos defotografias de crianças polonesas mortas pelos alemães na Segunda Guerra M undial. Umpar de meninas chora e os caras que usualmente fazem espertas observações bestas olhampelas janelas. N osso professor de Trigonometria está profundamente, profundamentedecepcionado com os últimos resultados de nosso teste. Temos outro cochilo filme emFísica:Uma I ntrodução a I mpulso e Colisão.M eu professor de I nglês enlouquece por que ogoverno está exigindo que façamos outro teste para avaliar nossas habilidades de leitura,por que somos alunos do último ano e muito em breve nós teremos que ler ou algo do tipo.Eu como em meu carro: refrigerante diet (0) + alface (15) + 8 colheres de sopa de salsa(40) + ovo branco cozido (16) = almoço (71).Dois minutos antes de a campainha soar para nos libertar no final do dia, os alto falantesme ordenam a ir ver a conselheira, a Srta. Rostoff, na sala de conferências. A maioria dasgarotas do time de futebol feminino está lá também, junto com amigos de C assie da equipede teatro e um par de garotas do musical. M ira, minha parceira de estudo de espanhol dosegundo ano, acena para mim quando eu entro. Ela estava em nossa tropa Girl Scoutquando éramos pequenas.N ós estamos aqui para compartilhar nossos sentimentos e discutir um memorial àmemória de Cassie, —assim seu espírito viverá. — A sala está congelando.A Srta. Rostoff tem caixas de tecidos decoradas com gatos alinhadas sobre a mesa. Doisgalões de ponche vermelho da loja de desconto e pequenos copos de papel estão dispostosem uma linda exposição próximos ao prato de biscoitos genéricos preto-e-branco. A Srta.Rostoff acredita no poder de cura da comida. Ela me ama mais do que ninguém por que eusou como uma bagunça, eu tenho que ver um psicólogo de verdade no mundo de verdade,e eu tenho que ir para a faculdade em que meu pai ensina, então me aconselhar levouapenas dois minutos.As garotas do teatro sobem no sofá surrado e no tapete em frente a ele. O time de futebolrodeia em estranhas cadeiras da sala de conferência. Eu me sento no chão, perto da porta,minhas costas contra a saída do aquecedor.Enquanto esperamos por retardatários, o time de futebol reclama sobre como nãopossuem tempo bastante na sala de musculação, as garotas do teatro reclamam sobre anova diretora, uma prima donna que tem confundido nossa escola com a Broadway. Eumeço-me; eu não posso atuar ou jogar futebol, e a maioria delas tem notas melhores que asminhas. Mas, eu sou a menina mais magra na sala, mãos para baixo.H á uma pausa estranha entre as histórias e a sala fica muito quieta. Alguém peidabaixinho. O calor entra.Eu não sei como fazem isso. Eu não sei como alguém faz isso, acordar todas as manhãs ecomer e se mover do ônibus para a linha de montagem, onde professores robôs nos injetamcom Assunto A e Assunto B, e passam cada teste que eles nos dão. N ossos pais fornecem alista de ingredientes e nos lembram de fazer escolhas saudáveis: um esporte, dois clubes,um objetivo artístico, serviço comunitário, sem notas abaixo de um B, por que realmente,ninguém é comum, não por aqui. É uma dança com complicados jogos de pés e mudançade tempo.Eu sou a garota que tropeça na pista de dança e não consegue encontrar o caminho paraa saída. Todos os olhos em mim.A Srta. Rostoff olha para o seu relógio. Ele mostra melhor a hora que o relógio na parede.—Tudo bem, garotas.Uma garota do teatro levanta a mão - IMC 20. Talvez 19.5. Seus tênis estão pintados, umcom um incrivelmente pequeno xadrez de mil cores, o outro com amarelos rostos felizesalternando com caveiras pretas. — Srta. Rostoff? Podemos ter um momento de silêncio?A Srta. Rostoff calcula. Será que nossos pais reclamarão na diretoria da escola se elapermitir um ritual religioso em seu escritório? Ou eles gritarão se ela nos negar nossaliberdade de expressão religiosa?— Todo mundo está de acordo?Nós acenamos, as cordas ligadas à nossas cabeças se movimentando.—Ok então. — Ela olha para o relógio novamente. —Um momento para Cassie.As garotas do teatro e as jogadoras de futebol abaixam as cabeças. O faço, também. Devorezar, eu acho. Eu nunca posso falar com momentos de silêncio. Eles são tão... silenciosos.Vazio.Alguém funga e puxa um lenço da caixa. Eu espio através de meus cílios. Os olhos deM ira estão fechados apertados e seus lábios estão se movendo. Uma garota que eu nuncatinha visto antes enxuga o rosto com um lenço de papel K leenex sujo do bolso. Umajogadora de futebol pega seu telefone para ler um texto. A Srta. Rostoff esfrega suas unhasartificiais contra o polegar, e em seguida olha o relógio novamente.— Obrigada, todo mundo.Ela proclama as regras estabelece os parâmetros de nossa discussão. N ós não falaremossobre como C assie morreu, ou por que, ou onde, ou quem nesta sala poderia ter feito algopara detê-la ou pelo menos retardar-la. Estamos aqui para celebrar a vida dela.trinta e três chamadas.A Srta. Rostoff já arranjou uma página memorial no anuário, e ela escreveu um obituáriopara o jornal da escola. O time de futebol diz que elas estão dedicando o resto datemporada para C assie, as duas semanas. As garotas do teatro querem um momento antesde o musical começar, quando as luzes da platéia apagarem e o palco estiver escuro, paraacender uma única rosa em um vaso no centro do palco enquanto o coro canta — AmazingGrace, — e então a estrela da peça lerá um poema sobre a tragédia que é morrer cedo.A ideia é reduzida à rosa em foco por um minuto e uma menção no boletim da peça.— E você Lia? — M ira se inclina para frente para me ver melhor. — V ocê quer fazeralgo especial? Vocês garotas, foram melhores amigas.Fomos.— Estas são grandes ideias, todas elas, — meus lábios dizem.— M as, eu acho que a Srta. Rostoff deve conversar com os pais de C assie. C onseguir aopinião deles.Desvio de sucesso. A conselheira fala sobre a perda da família e como nós podemosapoiá-los e como devemos estar lá uns para os outros e como sua porta está sempre aberta eas caixas de lenços sempre cheias. Antes de irmos, a capitã do time de futebol lembra o timede usar o uniforme no velório hoje à noite. Mira diz que todos do teatro irão de preto.[021.00]Estou vestindo uma malha azul marinho por baixo de manchadas calças jeans largas,uma grande camiseta de baixo, um suéter de gola alta, um moletom com capuz que euroubei do armário de meu pai, e minha jaqueta, com uma surpresa para C assie enterradano fundo de meu bolso esquerdo. E mitenes. Não é o que você veste para um velório.Eu digo à J ennifer que eu não estarei em casa para o jantar por que eu tenho que fazeruma pesquisa na biblioteca com estúpidas fontes primárias, o que significa que eu tenhoque usar um livro de verdade que provavelmente foi tocado por uns cem mil estranhoscarregando só Deus sabe que cepas de vírus mutantes.E uma mentira muito ruim, eu tenho certeza que ela vai explodir comigo por isso, masela está cheia até os cotovelos com papel machê ajudando Emma a fazer um templo grego.M eu carro estaciona na biblioteca. Eu corro os dois blocos para a igreja, mantendo minhacabeça abaixada e meu cabelo no meu rosto. O sol se pôs uma hora atrás. O ar frio sopra como cheiro de folhas queimadas e coisas mortas empilhadas em uma fogueira. Decoraçõesvermelhas-e-verdes de Natal estão penduradas nos postes da rua e em todas as lojas.Eu posso sentir as sombras saindo da escuridão, vindo para mim.Na última vez que estivetrancafiada, o psiquiatra do hospital tinha me feito desenhar um contorno real do tamanhode meu corpo. Eu escolhi um gordo lápis-cera da cor da pele de elefante ou de umacalçada com chuva. Ele desenrolou o papel no chão, papel de açougueiro que se enrugouquando eu me debrucei sobre ele. Eu queria desenhar minhas coxas, cada uma do tamanhode um sofá, em seu tapete. Os rolos na minha bunda e no meu intestino resmungariamsobre o chão e respingariam contra as paredes; meus seios, bolas de praia; meus braços,tubos de massa de biscoito escorrendo pelas costuras.O doutor teria ficado horrorizado. Todo o seu trabalho, acabado, no loop infinito de lápisceracinza-meleca. Ele teria chamado meus pais e haveria mais consultas (corrida de fitamétrica, milhares de dólares do seguro indo embora), e ele teria ajustado meus remédiosnovamente, uma pílula para fazer meu próprio-vigor maior, outro para deixar minhaloucura menor.Então, eu desenhei uma borrada versão de mim, uma fração do meu verdadeirotamanho, dedos das mãos e dos pés contados, pedras em minha barriga, brincos bonitos,rabo de cavalo.Ele puxou outra folha grande de papel do rolo e me fez deitar nele para que ele pudessedesenhar o meu exterior, em tamanho real. O lápis-cera abraçou apertado meus ossos e issome fez tremer. Ele não se atreveu a se aproximar do interior de minhas coxas. Ele nãoespeculou sobre o tamanho ou a condição de meus órgãos internos.Eu peguei uma revista da mesa enquanto ele colava os desenhos na parede. Era umarevista de armas, estrategicamente colocada para enviar faíscas pelo ar que poderiam pegarfogo e queimar/limpar toda a loucura de seus pacientes pacientes para fora.Mesmo as pessoas feias na revista eram bonitas.—Olhe aqui, — ele disse. —Que diferenças você vê, Lia?A verdade? Ambas eram horríveis fantasmas cerosos no papel de açougue. Eu sabia oque ele queria ouvir. Ele não podia me ver ficar doente. N inguém pode. Eles só queremouvir que você está saudável, se recuperando, levando um dia de cada vez. Se você estápreso a uma doença, você deve parar de gastar o tempo deles e simplesmente morrer.—Lia? — ele perguntou novamente.Os $$$$ estavam indo embora.Eu recitei minhas falas. — O desenho que eu fiz está inchado e irrealista. Eu acho quetenho que trabalhar na minha auto-percepção um pouco mais.Ele sorriu.Eu descobri que meus olhos estavam quebrados muito antes disso. M as naquele diaeucomecei a temer que as pessoas responsáveis não pudessem ver, tampouco.Eu paro em frente à floricultura. N o segundo andar, as luzes estão acesas no meu antigoestúdio de dança. Passei uma vida inteira olhando para os espelhos lá em cima. Eu meflexionava e saltava, e fazia uma reverência e uma curva; um bombom, um cisne, umadonzela, uma boneca. Depois do ensaio eu roubaria o livro de anatomia de minha mãe eficaria nua no banheiro, traçando os onde eles se diluíam em resistentes fitas de tendãoancoradas nos ossos.músculos que nadavam sob minha pele, procurando pelo lugarA menina refletida de volta na janela à minha frente tem bicos de papagaios crescendopara fora de sua barriga e cabeça. Ela tem o formato de uma salsicha do café da manhãsustentada por pernas de cabo de vassoura, seus braços são feitos de galhos, seu rostoborrado com uma borracha. Eu sei que isso sou eu, mas não sou eu, não de verdade. Eu nãosei com o que pareço. Eu não me lembro como olhar.Faces cinzas se amontoam na folhagem vermelha. Os fantasmas querem me provar. Suasmãos se contorcem para fora, os dedos abertos. Eu ando rapidamente, movendo-me parafora do alcance de suas sombras pegajosas. Quando eu passo sob um poste, a lâmpadaestala, e eu sinto cheiro de açúcar queimado. Dela. Dela.Eu corro o resto do caminho até o velório, um passo à frente dos ganchos de ferro que elaestá lançando.[022.00]A fila de pessoas esperando para olhar o corpo vazio serpenteia para fora da igreja e dosdegraus até a calçada. Acordes sombrios do órgão deslizam pela noite, transformandonossos sapatos em blocos de concreto e puxando nossos rostos para baixo até que nósparecemos com árvores dependuradas com folhas pretas.Todos estivemos aqui antes. N a quinta série foi J immy M yers, leucemia. N a oitava,M adison Ellerson e seus pais morreram em um engavetamento de trinta carros duranteuma nevasca. N o ano passado, foi um garoto da equipe de tênis, o que fez o estadual. N ãoafivelou seu cinto de segurança, não tinha airbags. Quando seu carro bateu num caminhão,ele foi lançado através do para brisas em um arco perfeito até que ele aterrissou,emaranhado e lanceado, nos braços de um pinheiro. A fila para seu velório virou oquarteirão.Andando pela porta da frente, eu sou atingida pelo zumbido de pessoas falando, mastentando não serem ouvidas. Pais desabotoam seus casacos e desajeitadamente os colocamsobre os braços. Suor borbulha nas bochechas dos garotos, apoiados nas paredes com suasmãos em seus bolsos e suas gravatas afrouxadas. Garotas cambaleiam em seus saltos altos eagradecem a Deus por não serem elas no caixão à frente.Tiro meu casaco, o fecho aberto. Pela primeira vez na semana, estou quase quente. Velasde plástico com lâmpadas laranja tremeluzem junto às janelas escuras. A fila se move emum ritmo constante, como se estivéssemos na apresentação de um concerto ou num jogode futebol. Quando o time de futebol caminha até o caixão, a capitã entrega uma bolaassinada por todas as garotas ao pai de C assie. Ele a entrega para um homem de preto quecoloca o oferecimento junto ao cadáver, gentilmente, assim ela não acordará.Chama-se velório, mas ninguém realmente quer ver o morto levantar.Quanto mais perto do caixão eu chego, mais quente fica. Pétalas de crisântemosamarronzadas caem ruidosamente das coroas de flores que estavam empoleiradas emsuportes de metal. Estou murchando também, e minha cabeça está se enchendo compregos enferrujados. Eu não deveria estar de jeans desgastados. Idiota.H á uma fenda entre mim e o cara a minha frente, um espaço grande o suficiente paraquatro pessoas. Uma mulher atrás de mim, sibila —Mova-se.De repente, a organista para de tocar. As pessoas param em um meio murmúrio. Aorganista pega algo sobre ela e uma pilha de livros cai no chão, ecoando através domármore como um tiro. Pessoas pulam.Eu consigo ver a parte inferior do caixão agora. A bola de futebol repousa ao lado de umablusa preta dobrada da equipe de teatro. Os pés de C assie estão escondidos sob um lençolde veludo branco, as pontas dos dedos esticadas para cima. Espero que coloquem chinelosquentes nela, e meias confortáveis. Espero que deixem seu anel de dedo.A música começa novamente, um longo, um trêmulo acorde menor.O cara a minha frente caminha até os pais de C assie. A mãe dela soluça e ele coloca seusbraços em torno dela. Ele é um tio, o divertido, o que nos ensinou esqui aquático. Ele estáchorando, gemendo, também. Eles são as duas únicas pessoas nesta igreja quente, lotada,pétala morta fortes o bastante para dizer e fazer o que estão pensando.Minha vez de olhar. Minha vez de violar a morta.A Bela Adormecida está vestindo um vestido azul celeste com gola alta e mangascompridas. Seu cabelo parece como uma peruca bem escovada de bonecas, amarelocansado com desbotadas luzes vermelhas chegando ao fim. Ela não está usando nenhumbrinco ou seu colar de sino prata, mas seu anel de turma estava empurrado em seu dedo. Opiercing no nariz e as cicatrizes de acne estão escondidas sob uma base passada em suapele. Usaram o tom errado de pálido.Eu quero tirar seu vestido e ver se abriram a barriga dela. Eu quero olhar para dentro. Elapoderia, também, porque sempre falamos sobre isso, as criaturas escondidas com inquietasasas e antenas que nos cutucava e nos enviava tropeçando para o banheiro, C assie ia até aprivada assim ela poderia se livrar de tudo, e eu ao espelho assim a garota no outro lado memanteria forte e com nervos de aço.Deveriam ter colocado sua agulha de crochê na caixa ao lado dela, e fios assim ela teriaalgo para fazer na Eternidade. Um pouco de Gaiman, Tolkien, Butler, e alguns tablóides,menta - hortelã, não gaultéria - suas faixas de natação e insígnias da Girl Scout, os cartazesdas peças nas quais ela esteve. Aposto que ela gostaria de uma caixa de cereal para comer,também: comida confortável para a viagem.A mãe dela soluça mais alto que o órgão.C oloco a mão no bolso da minha jaqueta e puxo o pequeno disco de ver-vidro verde,nascida no coração de um vulcão, capaz de prever o futuro. Eu a roubei do quarto deC assie quando tínhamos nove anos, mas nunca a fiz funcionar, não importava o quanto asestrelas estavam alinhadas.Eu deslizo o vidro mágico para a mão congelada dela.Os dedos de Cassie a enrolam.Meu coração gagueja.Ela aperta o disco verde com força, e então pisca - uma, duas vezes - abre seus olhosarregaladamente, e olha diretamente para mim. Ela a levanta e toca o cabelo. Eles saem desua cabeça como um ninho de dentes-de-leão. Alguns fios flutuam até as velas de verdadequeimando o topo da caixa. Eles se inflamam como faíscas.Eu não consigo respirar.C assie se senta lentamente. Ela segura o vidro mágico no seu olho azul, olha através e ri,um baixo, som sujo que apenas sai as duas ou três horas da manhã. Ela põe o vidro na bocae o engole, em seguida, limpa a boca com a mão, manchando os dedos com cera e sangue.Ela franze a testa e abre a boca -- não. Ela não está sentada lá. Ela nem está lá. N ão há sangue, nem nuvem de cabelo deboneca queimando na chama da vela.Eu pisco. Ela desapareceu do caixão. A bola de futebol rola para trás. Os pés dela nãoestão lá para apoiá-la.Eu pisco.para o lado como se ela não tivesse ouvido o alarme soar e agora estivesse realmenteatrasada e seu pai iria pegar o carro novamente e ela teria que dirigir comigo, e isso é umpouco assustador.Ela ainda está desaparecida, o lençol de veludo branco jogado para o lado como se elanão tivesse ouvido o alarme soar e agora estivesse realmente atrasada e seu pai iria pegar ocarro novamente e ela teria que dirigir comigo, e isso é um pouco assustador.A música do órgão derrama e inunda a igreja.A fila atrás de mim murmura. As pessoas tem lugares para ir e coisas para fazerem enovos episódios irão ao ar em meia hora, e além disso, todos são muito educados paraperceberem que o caixão está vazio. O tio divertido está abotoando seu casaco. O espaço nafrente dos pais de Cassie espera por mim.Uma mão toca meu ombro e um garoto sussurra em meu ouvido: —Tá tudo bem. V á emfrente. Estou bem atrás de você.Eu tropeço, em seguida, me arrasto, olhos para baixo, sobre a mãe dela. A Sra. Parrishenvolve seus braços ao meu redor sem uma palavra e deita a cabeça em meu ombro. Eu aacaricio nas costas. O Sr. Parrish aperta a mão do garoto atrás de mim e diz algo que eu nãoconsigo entender por que a mãe de C assie é tão pesada que está me arrastando sob a águaprofunda em harmonia no santuário e para baixo através do chão de mármore. Ela quer nosafundar sob o subsolo para a formigante quente sujeira, onde C assie tem um cômodoesperando, então nós três poderíamos nos enrolar em bolas de bichos e esperar a primavera.A mão me toca outra vez. O Sr. Parrish puxa-nos para fora do chão e desgruda suaesposa de mim. Ele beija fortemente minha testa, mas não consegue achar nada para dizer.— Estamos tão pesarosos por sua perda, — diz o maquiado cara Elijah com uma mãosegurando a minha. —Palavras não são suficientes.Ele me puxa pela maré que se movimenta até a porta. Eu tropeço, e ele agarra meubraço para me impedir de cair.[023.00]—Beba isso.Elijah empurra uma caneca pesada de chocolate quente em minha direção. Eu nãolembro quem fez o pedido. Eu não me lembro de andar até aqui.—Vá em frente.Eu uso as duas mãos para segurar a caneca, e beber. Queimo meus lábios e minha línguae minha garganta rosa. Serviu-me bem. M inhas mãos tremem quando eu ponho a canecanovamente na mesa, e derrama na mesa. Ele puxa guardanapos de papel do suporte demetal para limpar a bagunça.Eu conheço esse lugar, já estive aqui antes. É a lanchonete vegetariana a dois quarteirõesda igreja, o lugar com música desanimada, bagels de cânhamo, e petições na caixaregistradora.— Como está indo, Emma? — ele pergunta.Eu levo um minuto para registrar que ele está falando comigo, que eu ainda não o dissequem eu sou por que é mais fácil mentir. Eu deveria dizer —M uito melhor, obrigada, comovocê vai? - com o sorriso de boa garota, mas eu estou assustadoramente cansada.Ele empurra o guardanapo ensopado para o fim da mesa. — Ver pessoas mortas pode serestranho.Eu ponho meus dedos no vapor que sai da caneca e observo o cozinheiro trabalhando nagrelha, na torradeira, e no liquidificador. C assie está sentada em cada cadeira, rindo,mastigando, apontando para o especial no cardápio.— Ela não está em seu caixão, — eu deixo escapar.Ele congela por um segundo, seus olhos fixos nos meus. Seu cabelo está lavado e puxadopara trás em um pequeno rabo de cavalo. O alargador de madeira no lóbulo de sua orelhafoi trocado por um círculo de osso oco que faz uma janela redonda próximo à suamandíbula. Ele está vestindo uma camisa de abotoar encardida com uma triste gravatapreta. Suas mãos estão limpas. Ele se barbeou, mais ou menos.— Eu sei, — ele diz. —Era apenas sua casca, não sua alma.Eu balanço minha cabeça. —N ão é isso que eu quero dizer. Ela se sentou no caixão. Eentão desapareceu. Você não viu?Ele coloca suas duas mãos nas minhas e se inclina para frente. Estão tão quentes quedeveriam estar brilhando. —Faça-me um favor, — ele diz lentamente. —Tome um gole,feche os olhos, e respire.—Isso é estúpido.Ele sorri e acena. —Sim, eu sei. Mas o faça de qualquer modo.M inhas mãos levam a caneca aos meus lábios novamente. Eu estou encoberta emcobertores de veludo branco. As contas clicam em meu ábaco: 354 ml de chocolate quente =400, mas eu estou congelando. Eu preciso engolir a coisa toda abaixo e pedir por mais bebidabeber um gole e ignorar o gosto.Eu beberico, abaixo a caneca, sem derramar, e fecho os olhos. Respire, ele disse. Eurespiro panquecas e batatas fritas. C heiros nervosos. —C ontinue respirando, — ele ordena,sua voz é o estrondo de um trovão distante.O cozinheiro coloca algo na grelha e esse algo sibila. Pernas de cadeiras arranham o chãoquando o cara sentado à mesa próximo de nós sai. Alguém levanta uma estante de coposque tilintam juntos como chuva. Um casal de mulheres ri, suas vozes tropeçando uma naoutra. A porta do banheiro range.—Pronto? — ele pergunta. —Abra seus olhos. N ão pense. Apenas abra os olhos e fiquequieta.A lanchonete volta ao foco: mesas, cadeiras, luzes, cozinha. C artazes cobrindo asparedes. Através do buraco no lóbulo da orelha de Elijah eu posso ver a lua crescente eestrelas pintadas na parede sob o relógio. A menina sentada ali perto não é C assie. N em ogarçom reenchendo sua caneca. Eu me viro no meu lugar para olhar ao redor. N inguémaqui é Cassie. Estou segura.—Melhor? — ele pergunta.—Melhor. Obrigada.— Sem problemas. — Ele lança um garfo de waffle encharcado em xarope de bordo. —Você teve um momento de instabilidade. Acontece. — Ele leva o waffle até sua boca.— Espere, — eu digo. —De onde isso veio?Ele aponta para a mesa ao nosso lado. A garçonete não a limpou ainda. Sua nota decinco dólares ainda está presa sob o saleiro, um copo meio vazio de café, um garfo sujo, eum lugar vazio no guardanapo manchado com xarope.Eles apenas iam jogar fora.— Isso é nojento. E quanto aos germes?— Comida de graça nunca me deixa doente. Você quer umpouco?— Sem chance.Ele ri tão alto que as pessoas se voltam e olham.— Você sempre é assim estranho?Ele ri novamente. —Estranho. Vê isso? — Ele levanta sua manga para mostrar atatuagem que ocupa seu antebraço inteiro: uma coisa meio homem, meio touro musculosoandando de bicicleta por uma parede de fogo, com asas brotando de suas pernas e braços ecapacetes.— O que deveria ser?— Ele é o deus dos mensageiros de bicicletas. Legal, não? Esta visão dele veio até mimquando eu estava entregando um pacote em um escritório de advocacia em Boston. O vitão claramente que pensei que ele ia me alcançar e me apertar. Ele teve que vir para minhapele.—Você tem visões.— E um dom. Você devia ver a tatuagem em meu traseiro.— N ão, obrigada. — Eu dou uma rápida olhada na lanchonete. Ainda sem C assies. — Oque acontece se você receber uma visão que não goste?— N ão importa se eu gosto ou não. O que importa é que eu presto atenção, e descubroporque foi enviada para mim.Seus olhos disparam para algo sobre meu ombro, e de repente ele empurra o prato dewaffle através da mesa, quase o derrubando em meu colo.N ossa garçonete aparece, saia jeans longa, grosso suéter islandês, pequenas conchasbalançando dos seus piercings na cartilagem. I M C 23. Ela descansa a bandeja em seuquadril exagerado e carranqueia para os waffles. —Quando você os pediu?— Eu não pedi, — eu digo.Elijah delicadamente chuta minha perna debaixo da mesa. — M eu amigo deu a ela, —ele diz. —O cara com a jaqueta espancada dos Bruins - ele saiu alguns minutos atrás.Ela estreita os olhos, farejando uma fraude. —Tem certeza?— Ele não dividiu a conta conosco, dividiu? — Elijah pergunta.— Não. — Ela balança a cabeça. —Ele pagou.— Te deixou uma boa gorjeta, também, então sem preocupações, certo? — ele apontapara a bandeja. —Isso é meu?Ela coloca o prato de torrada de pão integral e um pequeno pote de geléia vermelha nafrente dele e vai embora sem outra palavra.Ele despeja a geléia no pão, espalhando o espesso com a faca.— Posso fazer uma pergunta?Ele dá uma mordida. —Qualquer coisa.—O que um mensageiro de bicicleta com visões está fazendoaqui no meio do Nada, Nova Hampshire?— Eu não vivo em Nada, eu moro em Centerville. Quer um pedaço?Claro —Não. — Eu balanço minha cabeça. —Sem fome.— E eucostumava ser um mensageiro de bicicleta. Agora eu sou um faz-tudo. Acontecede eu ter loucas habilidades com uma chave de fenda. — Ele dobra o pão ao meio e enfia amaior parte na boa. — É uma loucura. Eu posso fazer qualquer coisa.— C erto. C laro. — Eu rio, e acidentalmente bebo um pouco de chocolate quente. —Como o quê?— Por onde devo começar? Poeta, filósofo, pescador. M eu chefe me chama devagabundo, mas isso é elitista, não acha? Eu posso quebrar madeira, espalhar adubo,derramar cerveja, e fazer crescer tomates perfeitos.— Claro que pode.— Eu sou um excelente jogador de pôquer, um xamã, e um andarilho em busca daverdade. Eu posso dirigir um táxi, uma moto, e montar um touro, mas não por muitotempo. Eu cavo estrume da maneira original e de forma artística. Assim que eu tiver meucarro fixo, virarei um cigano em busca de um mundo perdido.— E você é um ladrão, — adicionei.—Quando a situação pede. — Ele puxa o prato cheio de xarope em frente a ele emergulha a torrada nele.— Por que você apenas não usa seus poderes para ganhar na loteria ou fazer dinheirocrescer em árvores invés de roubar comida?— Seria entediante. — Ele lambe o xarope que está em sua mão. —Sua vez. Como está?—Triste. — A palavra cai.—Você a conhecia bem, não era?As luzes piscam atrás de meus olhos. Eu a conheci uma vida toda. Eu conhecia suasfestas do pijama e vendas de biscoitos e paixonites por boybands e a vez que eu quebrei aperna andando de bicicleta atrás da bicicleta dela e a vez que eu a ajudei a pintar seuquarto de branco depois que ela tinha pintado de preto sem permissão.—Diga-me algo sobre ela, — ele diz. —Algo agradável.— Ela adorava waffles.— Todo mundo não adora?— Ela dizia que o mundo seria um lugar melhor se todos usassem waffle invés de pão.Ele come uma colherada de geléia. —Por quê?—Por que eles são mais gostosos e 'wafle' é mais divertido dedizer.— Bom ponto.A garçonete carrancuda vem em nossa direção e deixa a conta virada para baixo namesa. Elijah vira para cima e olha o total.Eu pego minha carteira. — O que eu devo?Ele alcança seu bolso. —Eu tenho.— Tem certeza?— Sim. — Ele despeja um punhado de moedas no seu prato. —M as só se você terminaro chocolate quente. Eu limpei uma fossa séptica para ganhar esse dinheiro. N ão que vocêdeva sentir-se culpada ou algo assim.Eu luto com um sorriso e ponho minha mão em torno da caneca. Eu—sou—uma—garota—adolescente—saudável—em—uma lanchonete, e eu posso beber umpouco mais de chocolate quente. E isso me faz bem Eu não quero ir para casa, não quandoeu estou começando a me esquentar. Deixarei a forma de pele no topo do chocolate quentee ficarei nojenta, eu não posso beber mais. Ele não pode esperar que eu beba pele. Ficareipor vinte minutos, até a biblioteca fechar. —Você ainda está com fome? — eu pergunto.— Sempre. O cheiro daquelas batatas fritas está me matando.—Por que você não pede um pouco?— Não posso, — ele aponta para a pilha de moedas. —Isso é tudo que eu tenho comigo.Eu pego meu cartão de débito e aceno para ele. —Sem problemas.Duas batatas fritas = 20.[024.00]Eu sou quase uma garota de verdade enquanto dirijo para casa. Eu fui a umalanchonete. Eu bebi chocolate quente e comi batata frita. Falei com um cara por um tempo.Ri algumas vezes. Um pouco como patinar no gelo pela primeira vez, vacilante, mas eu fiz.Quando eu entro em casa, os sussurros começam novamente...... ela ligou.trinta e três vezes.você não respondeu.corpo encontrado em um quarto de motel, só.você a deixou sozinha.devia devia devia ter feito qualquercoisatudo.você a matou.Tento os espremer, concentrando-me em voz alta. Estou subindo as escadas. Estou entrando nomeu quarto. Eu -você a deixou só.- cala a boca, estou jogando minha bolsa em cima da cama. Estou vestindo meu pijama. Eupreciso do meu robe, acho que o pendurei -Abro meu armário.C assie está encostada na pilha de caixas. Ela inclina a cabeça para um lado e acena. —Tendo um bom tempo?Eu bato a porta com tanta força que a moldura racha.Ela quase foi a um médico dois anos atrás. O comer/vomitar/comer/vomitar/comer/vomitarnão a deixava magra, a fazia chorar. O seu treinador a escalou para o time de futebol JU{15}porque ela não conseguia correr o bastante. A professora de teatro disse a ela que ela nãoestava —brilhando" o bastante, então ela não conseguiu o papel principal na peça.— Eu não posso parar, mas não posso continuar, — ela me falou. —Nada funciona.Eu a apoiei totalmente. Procurei nomes de médicos e clínicas. Eu a enviei e-mails comsites de recuperação.E sabotei cada passo.Eu disse a ela quão forte ela era e quão saudável ela ficaria e quão orgulhosa eu estavadela e eu deixei cair quantas calorias eu comi naquele dia, o número mágico na balança, onúmero de centímetros ao redor de minhas coxas. N ós fomos ao shopping e eu tive certezade que usaríamos o mesmo provador assim ela poderia ver meu esqueleto brilhar naflorescente luz azul. Fomos para a praça de alimentação e ela pediu batatas fritas queijosas,nuggets de frango, e uma salada. Eu bebi café preto e lambi o adoçante artificial na palmada minha mão. Ela me pediu para vigiar a porta enquanto vomitava o almoço no banheirosujo do shopping.N os demos às mãos quando descemos o caminho de pão de gengibre para a floresta,sangue escorrendo de nossos dedos. Dançamos com bruxas e beijamos monstros. N ostransformamos em garotas de vidro, e quando ela tentou sair, a puxei de volta para a neveporque eu estava com medo de ficar só.Eu fico lendo durante a meia-noite na sala familiar esperando que C assie se canse e váembora. N o momento em que estou pronta para me dirigir ao porãopara queimar meusmúsculos da perna até o sol nascer para me exercitar moderadamente durante vinteminutos então poderei dormir melhor, papai vem descendo a escada amontoado e entra nacozinha. Eu ouço a geladeira abrir, e então um longo borrifo de creme de chantilly. Ageladeira fecha e ele se dirige em minha direção.—Lia?. — Papai está vestindo um robe azul-e-verde- quadriculado mais velho que eu,calças de pijama de flanela, e uma camisa cinza que diz DEPARTAM E N TO ATLÉTI C O.Seus pés estão descalços. Seus cabelos muito longos, mais cinza que pretos, estão arrepiadospara todo lugar. Ele parece com um mendigo pedindo por moedas na esquina, mas invésde uma lata vazia, ele está segurando um prato de torta enterrada sob um monte de cremede chantilly. Os dois últimos pedaços da torta de abóbora do jantar do dia de Ação deGraças, eu aposto.—O que você está fazendo? — ele pergunta. —Você deveria estar dormindo.Eu seguro o mais recente trabalho de gênio do N eil Gaiman. —Eu tinha que ver o queacontece no final. E você?Ele cuidadosamente se senta na cadeira reclinável, o prato de torta em seu colo, e dá aprimeira mordida. — Eu continuo sonhando sobre a minha pesquisa e acordando J enniferpor que eu fico socando o colchão. — Ele franze as sobrancelhas. —Eu nunca deveria terconcordado em escrevê-la.—Por que não? — eu pergunto.Ele dá outra mordida e mastiga.O cheiro se enrosca ao meu lado, doce doce de abóbora,creme de chantilly derretendo em minha língua Essa torta tem quase uma semana, umamancha de mofo está crescendo na crosta, o deixará doente.Ele limpa um pouco de chantilly de sua boca. — Eu não fiz uma pesquisa preliminarsuficiente antes de escrever a proposta. Assumi que encontraria muitas fontes primárias efiz muitas promessas. Agora, estou empacado.—Diga a sua editora, — eu digo. —Diga a ela que cometeu um erro e se ofereça paraescrever um livro diferente.— Não é tão simples. Ele pega outro pedaço enorme de torta.Assistir a comida entrando em sua boca, suas mandíbulas trabalhando como umamáquina de moagem e as engolidas ruidosas, instala um pânico dentro de mim. Eu passomeus dedos ao longo das bordas da capa do meu livro, empurrando os cantos atémachucar.— V ocê costumava dizer que as coisas sempre parecem melhores de manhã, — eu digo.—Talvez, você apenas deva voltar para a cama.— Esta é uma coisa de adulto, Lia, um pouco mais complicado que isso. M as não é nadacom que você tenha que se preocupar.Por que eu ainda sou uma garotinha que acredita em PapaiNoel e na fada do dente eem você.Ele atrapalha-se no bolso de seu robe atrás de seus óculos de leitura. —É o meu laptoppor ali?Aponto para a estante de livros acima da televisão.— Ah. — Ele se levanta e atravessa a sala. — Por que não termina isso por mim? — elediz enquanto enfia a torta (545) na minha cara.— Eu não quero. — A empurro de volta. — É repugnante.Ele franze as sobrancelhas. —Não vai te machucar. É apenastorta.Ele mantém o prato de torta a centímetros de meu rosto. Se eu bater em sua mão, a tortarespingaria contra a unidade de entretenimento e deslizaria na tela da televisão.— Não queremos que sua mãe esteja certa sobre isso, queremos? — ele pergunta.— Certa sobre o quê? — eu pergunto.— Sobre você estar escorregando de volta aos seus velhos hábitos. Os ruins.Eu me levanto, forçando-o a dar alguns passos para trás e me dar algum espaço. —Estoucansada, — digo. —Vou para a cama.M eus pés na escada acarpetada não fazem nenhum som. Eu abro a portavagarosamente.C assie se foi. O quarto cheira um pouco como uma padaria no N atal, mas ela não estáaqui. Eu ponho o computador para tocar música country por que ela odiava, e rastejo paraa cama.Quando eu começo a cochilar, a música para.C assie se senta ao pé da minha cama, parecendo mais forte, mais saudável que antes,como se estivesse pegando o jeito de ser uma fantasma. Ela afaga o contorno de minhaperna debaixo dos cobertores e diz, — Vá dormir. Vai ficar tudo bem.N ão há aranhas à vista, sem criaturas amigáveis para fazê-la ir embora. Eu quero dizerpara ela me deixar em paz, mas minha boca não abre.[025.00]Quinta Feira.Eu acordei respirando sujeira. Eu tusso e cuspo todos os pedregulhos em minha boca,mas quando eu inspiro novamente, coágulos molhados de argila enchem meus pulmões -N ão. É o cobertor sob meu rosto. Eu o afasto e saio da cama o mais rápido que posso. Acasa está escura, 05h45. Esta é a primeira vez em semanas que eu acordo antes de Emma.N o final do corredor, o chuveiro do meu pai liga. Ele provavelmente tem outra reunião decomissão.Eu ligo todas as luzes e dou uma olhadela em mim no espelho. M eu metabolismo estálento novamente. Bolhas amarelas de gordura estão inchadas sob minha pele. Estoucomeçando a parecer nojenta novamente, fraca.:: Estúpida/feia/estúpida/vadia/estúpida/gorda/estúpida/bebê/estúpida/perdedora/estúpida/perdida ::Deram-me regras para momentos como este:1. Identificar o sentimento.2. Recitar encantamentos—mágicos—afirmações, reler M etas de V ida, meditar sobrepensamentos positivos.3. Ligar para a terapeuta caso a auto estima continue assim.4. Manter a ingestão de calorias necessárias e hidratação.5. Evitar exercícios em excesso, e abuso de álcool ou de drogas.6. Bater os calcanhares juntos três vezes, e repetir, — N ão há lugar como o lar, não hálugar como o lar, não há lugar como o lar. — Um tornado vai estar junto temporariamentepara levá-la rapidamente a segurança. Ou uma casa pode cair em sua cabeça.N ada funciona, nada nunca funciona, simplesmente continuame matando por dentroEu me deito no chão por algumas centenas de mastigadas, até piscinas de suor seremformadas em meu umbigo.Novas regras:1. 800 calorias por dia, no máximo. De preferência 500.2. Um dia começa no jantar. Se eles me fazem comer com eles, é o suficiente paramantê-los longe das minhas costas. Restringir durante o dia seguinte para compensar.3. Se não tomar café da manhã, pegar o ônibus para a escola.3. a) Melhor - ande.3. b) Melhor - não vá.4. Reiniciar o programa de exercícios.5. Dormir com as luzes acesas até que a enterrem.Eu sorrio e finjo encenar o M orning Show na cozinha. J ennifer está interrogando Emmacom os cartões relâmpagos por que ela tem um teste de matemática. Elas mal notam que euestou na cozinha. Elas estão dez minutos atrasadas para sair pela porta. O professor deFísica demonstra movimento e colisão com uma bola de boliche e uma bola de squash. Abola de boliche ganha. I nvés de irmos para H istória nós marchamos até o ginásio para umaexposição de faculdade. Representantes de centenas de escolas e militares estão atrás demesas de cartas carregadas com panfletos brilhantes que prometem-nos um futuroluminoso e brilhante.Dois mil hectares de árvores foram massacrados para fazer aqueles panfletos. Todosestarão no lixo ao fim do dia. Eu preciso pegar um? N ão. Sabemos para que faculdade estouindo. Eu quero ir? Não.O que eu quero?A resposta para essa pergunta não existe.Eu deveria ter ficado com a ver-vidro de C assie, ou pelo menos, olhado através antes deentregá-la de volta. Teria sido melhor que um panfleto bobo.A turma do teatro convidou-me para sentar-me na mesa deles no almoço. Eu só querotirar uma soneca na enfermaria, mas eles estão sendo fofos, então eu digo —C laro" e os sigona fila para o almoço.Eu compro uma pequena maçã machucada (70), e um iogurte com baixo teor de gorduraartificialmente adoçado (60). A garota em minha frente, Sasha, compra pão de queijofritado em lardo servido com molho de tomate. E um brownie. E uma garrafa de água. Ocara na frente dela (ele faz funcionar a placa de luz e o som) compra espaguete e pagaextra por uma segunda porção de pão de alho. Outro garoto compra pizza. A garota atrásde mim pega um prato de alface e aipo e uma pequena tigela de ketchup. O restante dasgarotas compra saladas de taco.Sentamos no meio do refeitório, um aquário está lotado com peixinhos, barrigudinhos,tetras, mollies, e peixe anjo. Tubarões circulam suas presas. Pequenas enguias espinhosasbatem seus narizes contra o vidro, procurando por saída. Pedaços de flocos de peixes e fiosde cocô oscilam no ar. Algas verde limão escorregam o chão.O grupo conversa sobre quem chorou no velório e quem não chorou e quem estavachorando por que levou um fora, não por que o corpo de C assie estava deitado na caixaestofada. Quando eles me fazem perguntas, eu recito as linhas escritas por mim comantecedência. Sim, foi tão trágico. N ão, eu não tenho ideia. Sim, eu acho que o agentefunerário fez um péssimo trabalho. N ão, eu não acho que ela teria gostado daquele vestido.Sim, foi estranho...Suas bocas abrem, fecham, abrem-fecham, guelras abrindo-se e batendo atrás de suasorelhas. A gordura do pão de queijo flutua à superfície da água. Os zeladores limparão comserradura. O cara da pizza de peixe pinga molho em sua camisa. Uma garota com salada detaco tem um piercing de nariz infectado. Ela estava na minha turma de balé na sétimasérie. Alface&ketchup fica me dando olhares sujos, por que não importa o que ela faça, elanão consegue perder os últimos quatro quilos. Eu corto o machucado de minha maçã, umafatia foi deixada em oito pedaços, mergulho uma no iogurte e a coloco na minha língua,nadante gostosa e macia. Desce garganta abaixo e respinga.— Eu nunca estive em um funeral antes, — diz a loira da salada de taco.— Eu estive em toneladas, — responde o espaguete. — M eu lado da família de meu paicontinua morrendo. Os funerais são todos iguais.— Temos que cavar na terra? — pergunta a salada de tacos com piercing no nariz.—O cemitério faz isso, — Espaguete mastiga seu pão de alho. —Eles usam um pequenocarregador pago, como em um canteiro de obras.— Devemos ir todos juntos, — Sasha pão de queijo engole sua água. — Assim como novelório. Significará muito para os pais dela.C assie nada pelas portas duplas, descalça, o vestido azul ondulando contra seu corpo.Seu cabelo flui atrás dela, emaranhado e trançado com fitas de alga. M inúsculos caracóisestão sugados sobre seu pescoço e dedos.Ela flutua primeiro sobre a mesa, avaliando o cômodo. Eu olho fixamente para meuiogurte.— V ocê quer nos encontrar em minha casa, Lia? — a loira da salada de taco pergunta.Ela tem salsa em sua camisa, mas não vê. —Eu posso conseguir a van da minha mãe, todosnós caberemos.C assie nada mais rápido, circulando em torno da tigela, procurando por mim. M epergunto se a ver-vidro ainda está na barriga dela. Ela vai ter que vomitá-la se quiser verseu futuro. Mas, talvez ela funcione de outra forma quando se está morta.— Lia?eu digo, enquanto Cassie— Eu acho que não vou, desaparece pela cozinha.—O quê?—Meus pais não querem que eu vá.—V ocê tem que ir, — lamenta-se alface&ketchup. —Todos temos que ir, mostrar o nossoapoio.—Que apoio? — eu pergunto.— Apoio por Cassie, — ela rosna. — Não que você saiba o queisso é.—Ei - eu aponto a faca de plástico para ela. - Eu fui amigadela por muito mais tempo que vocês.—Oh, sério? — ela puxa seu rosto em uma máscara de indignação: olhos abertos, cabeçaressaltada para frente, a boca aberta em choque fingido. — E por isso que ela nunca falavacom você? Eu sei como você a bagunçou. Um amigo de verdade nunca faria aquilo. Eununca faria.As mesas ao nosso redor prestam atenção. A equipe de teatro deveria ser suave edepressiva. Eles nunca brigam em público.Eu apenas deveria nadar para longe, mas minhas guelras agitam e bolhas irritadas saemde minha boca. — Se você era amiga dela, onde você estava quando ela estava com medo esozinha? — eu pergunto. —V ocê atendeu o telefone? N ão. V ocê não atendeu. V ocê é umamerda.—Do que você está falando? Ela não me ligou.Sasha coloca a mão no meu braço. —Acalme-se, Lia"—Me acalmar? Como eu posso ter calma? Ela está morta!"Eu me levanto. Eu estou gritando. Acho que joguei meu iogurte em alface&ketchup.[026.00]Um gordo guarda-peixe de segurança nada para proteger aPaz.Quando eu entro (fiquei até mais tarde para a detenção, obrigada, não senhor, isto nãoacontecerá novamente, sim, isto é difícil para todos nós), Jennifer sai.— Seu pai prometeu fazer as compras hoje, — ela diz enquanto eu ponho meu casacono armário da sala de entrada.— Deixe-me adivinhar: ele ainda está na biblioteca e não atende ao telefone.— Ele o deixou sobre a cômoda. Este maldito livro está matando-o, — parece que elaquer dizer mais alguma coisa, mas não o faz. —Estou no caminho para a loja.— Você precisa de mim para fazer algo?— Você se importaria em aspirar? A faxineira não veio de novo e os tapetes estão sujos.A policial chega quando eu estou perseguindo Emma em torno da sala de estar com oaspirador de pó, fingindo que ele é um dragão. Eu entrego a criatura mortal a ela e atendo aporta.A policial se apresenta, — Detetive Margaret Greenfield, — e pergunta se pode entrar.Eu não matei Cassie.de papai, eu na minha, e Emma em meu colo, me esmagando. EunãoamateiEunãoamatei.De alguma forma, acabamos na cozinha, a policial na cadeira— Apenas algumas perguntas, — diz a detetive. — N ada com que se preocupar, nósapenas estamos amarrando as pontas soltas.— Ela abre um notebook com um bocejo enorme. —Desculpe por isso. M udar de turnosempre bagunça o meu sono. Os registros telefônicos indicam que ela ligou para você naque noite em que morreu.Eu respondo em transe. —Não, eu não tinha ideia de que Cassie me ligou sábado à noite.M eu telefone está em meu quarto Eu não tenho visto meu telefone desde sexta feira àtarde. E o terceiro que perdi em dois anos. Meu pai ficará furioso.— Ele realmente gritou na última vez, — Emma acrescenta. Ela desloca seu peso emmeu colo, dirigindo meus ossos do quadril para o assento de madeira. — Lia realmente vaificar em apuros agora. Ele vai enterrá-la por cem anos.— Se pudermos voltar para a Senhorita Parrish, — a detetivediz.Eu ponho meu dedo sobre os lábios de Emma. — Shh.— N ão, eu não sei por que C assie me ligaria. Eu não conversava com ela há meses. N ósnão éramos mais amigas. Sem nenhuma razão em especial, apenas uma dessas coisas queacontecem quando você é uma aluna do último ano.A policial acena enquanto fecha seu notebook. —Eu me lembro daqueles dias, — ela diz.— Graças a Deus, eles acabaram.—Você pode dizer o que aconteceu com ela? — eu pergunto.— N ão, sinto muito. Se você lembrar-se de alguma coisa, aqui está o meu número, — elame entrega um cartão. —Diga aos seus pais para me ligarem se quiserem. C omo eu disse.Não há nada com que se preocupar. Apenas queremos fechar o livro neste caso.Depois de Emma fazer uma grande cena para papai e J ennifer sobre a visita da policial...depois de eu passar uma hora tranquilizando-os, respondendo as mesma perguntas denovo e de novo e de novo novamente... depois de papai ligar para a detetive por que nãoacreditava em mim... depois de J ennifer queimar o bife, disparar o alarme de fumaça , epedir comida chinesa... depois de eu ler para Emma um capítulo deHarry PoĴer... depoisde J ennifer reivindicar a banheira para um banho de espuma... depois de papai adormecersobre papeis de graduação comparando as eleições de 1789 com as de 1792... a casa dorme.O telefone celular rasteja de seu esconderijo sob minha lavanderia e se infiltra na minhamão. Enquanto eu olho suas mensagens repetidamente, ligo o computador e visito um paísao qual eu não fui durante meses, um blogsuspirosecreto para garotas como eu...Ganhei 0,270 kg entre o café da manhã e depois da escola.Apenas água pelo resto do dia, e então eu começarei a jejuar amanhã novamente. Amotodas vocês, garotas!Apenas água pelo resto do dia, e então eu começarei a jejuarEu desmaiei e caí em um lance de escadas, então eu comi duas tigelas de cereal eagora eu me sinto tão nojenta.Quanto tempo eu tenho que correr para me livrar das calorias?Uau, eu estou com uma BUNDA ENORME.Você sabe que é verdade.Eu quero cortá-la toda fora.Eu tenho 2 semanas e 6 dias para perder 4,5 kg. Ajuda!PermaneçaforteameameserpftaC entenas e centenas e centenas e centenas de estranhas garotinhas gritando por entreseus dedos. M inhas irmãs pacientes, sempre esperando por mim. Eu percorro por nossasconfissões e discursos e orações, desesperadamente comendo-nos em uma lenta mordidasangrenta de cada vez.Duas moscas colidem em meu abajur, buzzbuzz, restos aleatórios do verão com poucashoras de vida. Eu desligo as luzes e elas se espalham na tela do computador, dançandoentre uploads de costelas e quadris e clavículas de uma garota magra, os ossos retirados desua pele e postos no topo para que assim possam secar ao sol. É belo quando visto atravésdas asas de papel das moscas fora de estação.Eu desligo tudo e rastejo para a cama.As moscas se atiram contra a janela, com irritados e molhados barulhos, e então pairamacima de mim, esperando para rastejarem até a minha boca. Talvez, elas sejam familiares aCassie, companheiras de sepultura anunciando a chegada dela.Eu não posso encará-la sozinha.Eu me esgueiro pelas escadas e ponho as botas de Emma no segundo degrau de baixo. Sepapai descer para um lanchinho de meia noite ou para trabalhar, ele baterá nelas e me daráum aviso.Eu me dirijo ao porão, tranco a porta atrás de mim, e coloco um par de horas suadas nosimulador de escadas.[027.00]O alto falante me puxa para fora da aula de I nglês na Sexta Feira no meio de uma provaprática e me envia para o escritório da Srta. Rostoff. Ela me diz que minha madrasta ligou eeu tenho que sair da escola mais cedo para uma consulta de emergência na psicóloga.—Por quê? — eu pergunto.— Cassie, — a Srta. Rostoff diz. —Falar sobre isso irá ajudar.M inha bolsa escorrega do meu ombro. Ela tem feito isso o dia todo. — Falar torna ascoisas piores.Ela olha para sua tela. —Você vai perder Física.— Ah, — eu digo, levantando a alça da bolsa, — isso mudatudo.A Dra. N ancy Parker cheira a pastilhas de cereja para tosse. Eu me sento em seu grandesofá de couro, ponho a bolsa no chão, e puxo o horrível cobertor cor de framboesa sobremim. Ela desembrulha outra H alls. Eu acho que ela estáviciada sofrendo de umadependência química pelo corante vermelho. Ela deveria explorar essa questão.Ela liga o ventilador branco barulhento e estala a pastilha em sua boca. —Seus pais estãopreocupados com o que a morte de Cassie possa provocar em você.O sofá está de frente para uma parede cheia do-chão-ao-teto de livros.Estão cheios deporcaria. N ão vale a pena ler nenhum deles. Lá não há contos de fadas, não há caudas defadas, não há princesas balançando espadas ou deuses lançando raios. As páginas de frasesde palavras de letras podem muito bem serem equações matemáticas caminhando parasuas conclusões lógicas. Nancy Pastilha para Tosse não é uma médica. Ela é uma contadora.— Eu me pergunto se deve haver duas lutas acontecendo. — Ela tira os sapatos e sesenta de pernas cruzadas. As rugas em seu rosto dizem que ela está perto dos sessenta, masas aulas de ioga mantêm seu corpo flexível como o de uma garota. — A confusão e a dorenvolvidos na perda de um amigo, e a vontade de manter os pais afastados.Ela espera que eu encha o ar com palavras. Eu não o faço.— Ou eu posso estar totalmente errada, — ela diz, — e nenhuma dessas coisas estejaafetando você nem um pouco.Chuva cai nas janelas.... Eu comecei a vir aqui depois da primeira estadia na prisão clínica por que a Dra. N . Parker éuma artista tratante especializada em adolescentes malucos adolescentes problemáticos. Euabri minha boca durante as primeiras consultas e dei a ela uma chave para abrir minhacabeça. Um erro gigantesco. Ela trouxe sua lanterna e um capacete de proteção e muitascordas para passear através de minhas cavernas. Ela colocou minas terrestres em meucrânio que detonaram semanas depois.Eu disse a ela que estava chateada por que ela estava movendo coisas em torno de meucérebro sem permissão. Ela me sabotou, então toda vez que eu tinha um pensamentesimples como, Física é um desperdício de tempo, ou que eu preciso cobrar meu telefone, ou que nãodeve ser tão difícil aprender japonês- a irritante pergunta do inferno apareceu - Por que vocêpensa assim, Lia?Eu não podia me fazer uma pergunta - Por que estou tão cansada? - sem ser batida por três ouquatro respostas fornecidas pela psicóloga - Porque meus níveis de glicogênio estão baixos, ou Porque eu estou experimentando uma definida má sensação de perda, ou Por que eu perdi o contato coma realidade, ou a sempre popular - Por que eu sou um trabalho de malucos esgotados.Uma vez eu saí zangada e calada. Eu disse a ela que ela era uma patética perdedora eque eu apostava que ela não tinha filhos ou netos e se tivesse, eles nunca ligavam para ela eseu marido tinha a deixado, ou talvez fosse uma namorada, você nunca pode dizer, e atémesmo sua mãe desistiu dela por que ela não consegue viver no mundo real com pessoasque respiram, ela fica trancada nesta sala com livros falsos e o ventilador girando e a chuvanas janelas.Nada do que eu disse a deixou com raiva. Eu não pude nem mesmo a fazer piscar. Ela sóme pediu para ficar no sentimento e continuar falando. Então, eu me calei.Eu costumava sonhar com trazer uma faca para a terapia ecortá-la em pedaços do tamanho de costeletas de porco.Dez minutos se passaram. Enquanto o sofá aquece, eu me afundo nas almofadas. Ocouro range.—Que palavras estão em sua cabeça neste momento, Lia?Zangada. Porco. Ódio.— Eu gostaria de ouvi-las.Prisão. Caixão. Corte.— V ocê tem que trabalhar na recuperação, Lia. Animação suspensa não é muito deuma vida.—M eu peso está perfeito. Eu posso trazer o estúpido caderninho de J ennifer se vocêquiser.—Isto não é sobre o número na balança. Nunca foi.Faminta. Morta.V inte minutos se passaram. Eu passo meus dedos dentro e fora do afegão. Ela éCharlotte, eu sou Wilbur::Alguma Garota!/Inútil!/Delirante!::e este pesadelo de malha rosa (fio de poliéster) é a teia dela. N ão, ela não é C harloĴe, elaé a prima irritante M ildred, a estúpida, cujas teias sempre quebram. Se meus pais tivessemme deixado investir o dinheiro que eles desperdiçaram com essa senhora, eu teria meupróprio apartamento agora.Quarenta minutos. Eu puxei diversos cabelos de pelo menos sete pessoas diferentes doafegão: um preto longo, um branco brilhante, um loiro ralo, um castanho cacheado, umcabelo castanho que estava branco na raiz, e um cabelo curto que poderia ter sido de umgaroto - ou de uma garota que não faz estardalhaço sobre como sua aparência está. O cabelode pessoas ricas que gostam de se lamentar com estranhos.—V ocê não tinha que vir hoje aqui, — ela diz finalmente. — V ocê poderia ter usado adesculpa de um compromisso de terapia para sair da classe e fazer o que quisesse. Eu nãoreportaria aos seus pais a menos que você me desse permissão, de modo que eles nãosaberiam se você não aparecesse.Qual é o seu ponto? — eu pergunto.—V ocê escolheu vir. — Ela estala as articulações de sua mão direita e abana seus dedos. —Eu acho que você quer falar um pouco sobre isso.Sim, eu adoraria dizer lhe que a voz de C assie está notelefone em minha bolsa e que elaestá me assombrando por que eu a deixei morrer. Se eu fizer isso, você me dará mais drogasainda. Se eu disser o que comi hoje, você vai tocar o alarme e me mandar de volta para aprisão. Eu coloco todos os cabelos no braço da cadeira. —Eu fico pensando que se eusimplesmente pudesse abrir o fecho de minha pele, sair deste corpo, então eu poderia verquem eu realmente sou.Ela balança a cabeça lentamente. —Você acha que você pareceria com o quê?— Menor, para começar.Os oito minutos finais passam em formação de silêncio até que o relógio na mesa delatoca.— Então, eu posso ir ao funeral? — eu pergunto.Ela pega seus sapatos. — Você entende por que quer ir ao funeral?Para ter certeza de que a enterrarão no concreto, assim ela me deixará sozinha. —Eusinto que preciso encerrar esse assunto.— E o funeral fornecerá isso?Sim, isso foi o que eu disse. —Eu pensei bastante nisso.O relógio bate por dois minutos bônus. Eu enrolo os cabelos dos estranhos em uma bola.—E uma boa ideia. —Ela calça os sapatos e se levanta. —M as, um de seus pais deve ir comvocê. Ninguém deveria ir a um funeral sozinho.N o caminho para casa, eu pego o telefone de minha bolsa e o coloco no trilho de ferroum pouco além do cruzamento ferroviário perto do shopping. Eu coloco o telefone sob opneu traseiro esquerdo e dirijo para frente e para trás sobre ele trinta e três vezes. Eu jogo oresto em uma caçamba de um canteiro de obras.[028.00]Elijah abre a porta do quarto 115 com a corrente de segurança ainda fechada e encosta orosto no pequeno espaço. Seus olhos estão inchados de sono e confusos.— Emma? — ele pergunta. —O que foi?Eu ainda não sei como explicar a coisa do nome. —Eu te trouxe pizza. Comida de graça.A corrente chocalha e a porta se abre por todo o caminho. — Qual é o truque?A graxa quente da muçarela ensopou o fundo da caixa e está vazando para os meusdedos. Eu quero lamber Eu quero jogar a caixa fora antes que me infecte.— Sem truques.Ele se inclina contra a estrutura da porta. — Sempre há um truque.— É por ter me ajudado na outra noite.— Que tipo de pizza é essa?—Queijo extra e salsicha.Ele sorri. —Eu não posso comer. Eu sou vegetariano.— Eu não acredito em você.Uma porta no final do motel se abre e um homem grita emum idioma que eu não consigo entender. A mulher com quem ele está gritando, ri como umchacal de desenho animado. Pneus guincham na River Road e uma máquina corre.Ele esfrega o rosto uma vez e caminha para trás. — Ok, eu sou quase um vegetariano. Eusou pizzariano. Entre.O quarto cheira a cigarros e roupas deixadas na máquina de lavar por muito tempo. Aúnica luz vem de uma pequena lâmpada sobre a mesa, espremida entre uma pilha decadernos espiralados cobertos com um cinzeiro sujo e um pacote contendo seis latas decerveja.Ele pega a caixa da pizza de mim e a coloca na cama. C artas de baralho estão espalhadassobre os cobertores emaranhados e finos travesseiros estão empilhados contra a cabeceira dacama. — Que horas são? — ele pergunta.—Quase cinco.— M erda. Eu devo ter adormecido. C harlie me queria para consertar as prateleiras no204. Oh, bem. Ele precisa aceitar o que o universo o dá.— Essa é uma desculpa esfarrapada para abandonar o trabalho.— Não, não é. As coisas acontecem por um motivo. —Ele boceja e se espreguiça. — Vocêtem que aceitar e deixar o fluxo te carregar, parar de resistir.— Isso é idiota.Os olhos dele estão mais brilhantes agora, travessos. — Um cara idiota é outro carafertilizante, — ele acena para as paredes. — Pergunte-as.As paredes estão cobertas do chão ao teto com páginas rasgadas de livros, algumasdestacadas com marcadores vermelhos ou amarelos ou verdes. Eu me inclino para frente esemicerro os olhos através da escuridão para ler. O topo da página diz WALDEN.—O que você fez - assaltou uma biblioteca?— Algo do tipo, — diz ele, andando em direção ao banheiro. —Emerson, Thoreau,WaĴs. Sonya Sanchez, já leu algo dela? A Bíblia, algumas páginas. O Bagavadguitá{16}, Dr.Seuss, Santayana. Eu os coloquei aí para criar um campo de força de boas ideias. Elesensopam meu cérebro quando estou dormindo. Espere, eu tenho que cuidar dos negócios.— Ele fecha a porta.Eu pego o caderno no topo da pilha em cima da mesa e o folheio. Ele colou artigosaleatórios de jornal aqui e desenhou rostos; ele não é ruim. C harlie na recepção. Umamulher cansada com bobes no cabelo. H á mais criaturas, meio humanas, meio qualquercoisa, como a coisa no braço dele. Algumas páginas estão preenchidas com letrasminúsculas que parecem formigas marchando através da página.Elijah sai do banheiro segurando um rolo de papel higiênico. —V ocê sabe, os segredos douniverso estão escritos aí. V ocê realmente deve se sentir especial, sendo permitida abisbilhotar assim.—Desculpe. — Eu o coloco de volta na pilha. —Você não é das redondezas, é?Ele joga o rolo de papel higiênico sobre os travesseiros, vira e abre a caixa, e pega umafatia de pizza. —N ova J érsei. — Ele dá uma mordida e o queijo se encordoa como umaponte de suspensão entre sua boca e sua mão. —Quer um pouco?Uma mordida, por favor, e então outra e outra, crosta e molho de queijo e salsicha denovo e de novo o vazio é forte e invencível. — Eu já comi.—Mais para mim. — Ele senta na cama. —Quer jogar pôquer?— Não, obrigada.Ele apanha um punhado de cartas: ouros e espadas. — Qual o seu veneno: Texas hold'em ou Five-card draw{17}? Quanto dinheiro você tem?— Eu disse que não. Você só quer pegar meu dinheiro.Ele dobra a pizza ao meio e dá outra mordida. — M alditamente certa, — ele diz atravésda bagunça em sua boca. — M as, você aprenderá muito enquanto eu estiver o fazendo. Eusou um dos melhores trapaceiros por aí.Eu ponho minha mão esquerda nas minhas costas e cravo minhas unhas em minhapalma até que a dor leve embora aquele adorável cheiro terrível. — Eu não sei jogar.— Estou chocado. Quantos anos você tem?—Dezoito.— V ocê pode votar e entrar para o exército, mas não sabe jogar pôquer? Alguémnegligenciou sua educação, pequena Emma.— Ele embaralha as cartas como um profissional. —Sente-se. Eu vou te ensinar.Eu dou dois passos em direção a porta, balançando minha cabeça para frente e para tráse lutando contra um sorriso. — Desculpe. O universo está me dizendo que é hora de voltarpara casa. Vê? Estou indo com o fluxo, fluindo para o estacionamento.— C onseguiu. Que legal. — Elijah usa o papel higiênico para limpar o molho de tomatede cima de uma carta de baixo valor de ouros. — Espere. Eu tenho uma pergunta. V ocêsabe onde posso encontrar um bom ferro velho? C harlie afirma que não há um em todo oestado. Aquele El C amino lá fora é meu, mas não vai a lugar nenhum sem um novodistribuidor.— Você consegue partes para seu carro em um ferro velho? — eu pergunto.— Você não? É a forma mais barata de conseguir, além do mais, é reciclagem.—Meu pai deve saber. —Eu fecho minha jaqueta. —Vou perguntar a ele. Ele é bom comcarros.— Legal. Obrigado. — Ele aponta para a caixa. — Tem certeza de que não quer umpedaço para a viagem?Sim, é claro, que eu quero.—Não, obrigada.Eu fico lá. E fico lá.Esperando.— Eu pensei que você estava indo. — Elijah morde um pedaço de salsicha em sua boca.— Precisa de um beijo de despedida? Fico feliz em fazê-lo.— N ão. — Eu levo minhas unhas à minha palma novamente, em busca de motivação.—Olhe, — eu digo. —Eu tenho uma confissão a fazer. Essa não é apenas uma pizza deagradecimento.— Eu sabia!, — ele joga um punho no ar. —V ocê está apaixonada por mim. V ocê querter os meus bebês. N ós teremos uma equipe de cavalos e uma carroça coberta e nós iremospara a América do Sul e criaremos cabras.— Só nos seus sonhos. — Eu limpo minha garganta. —Eu trouxe a pizza para suborná-lo.— Eu posso ser subornado.Respiração profunda. —Eu preciso que você vá ao funeral de C assie comigo. Sábado demanhã.Ele sorri novamente. —Vê? Você está me convidando parasair.— N ão, eu não estou, seu idiota. E um funeral. Um horrível funeral e eu não sei mais aquem pedir.Ele arranca um pedaço da crosta. — O que tem para mim?— Eu acabei de lhe dar uma pizza.— N ão é o suficiente. Funerais despertam o pior das pessoas. Eles têm uma vibraçãomuito sombria. — Ele balança a cabeça. — Não, eu não posso ir.—Você tem que ir.— Não, não tenho.Eu mastigo o interior da minha bochecha. —Que tal um jogo de cartas? Se eu ganhar,você vai comigo.Eu engulo. —Se eu perder, eu lhe darei cinquenta dólares. Mas, só com uma condição.—Vê? Eu te disse. Sempre há um porém. O que é?— Nós jogaremos uístes, e não pôquer.[029.00]Quando eu chego em casa, J ennifer e papai estão aconchegados no sofá em frente alareira alimentada a gás, chamas em baixo, um filme de garota passando na tela grande.J ennifer está massageando loção no pulso direito e na mão de papai. Toda a digitação extrade seu livro atrasado deve ter agravado seu túnel carpal.—Onde está Emma?. — Eu pergunto. —Ela já não está na cama, está?— Ela está dormindo na casa dos Grants, — J ennifer responde. — C ontra meu melhorjulgamento.—Por quê? — eu pergunto.Jennifer derrama mais loção em sua mão. —O último torneio de futebol dela é amanhã, odia todo. Ela vai estar exausta. Eu ainda acho que devíamos ter mantido ela em casa.— Deixe a criança se divertir um pouco, — papai estremece um pouco quando J enniferaperta seu pulso. — Em dez anos, ninguém vai se lembrar de como ela jogou este torneio.Ele olha para mim. — Estava na biblioteca de novo?— N a casa de uma amiga. De M ira, — eu minto. —N ós estudamos um pouco de Física,mas principalmente jogamos cartas e comemos pizza.—Isso é maravilhoso, — diz papai, radiante. —Você não tinha feito isto há anos.J ennifer mantém seus olhos em seu trabalho, os enchimentos de seus polegaresfriccionando círculos na palma da mão dele. — Como foi o seu encontro com a Dra. Parker?— ela pergunta.N enhum de seus trabalhos esquisitos.—Bom. Estou contente por ter ido. N ósconversamos sobre Cassie.— Excelente, — papai diz. — Estou muito orgulhoso de você.—Obrigada. Eu vou para a cama. Estou morta.— Espere. — Jennifer coloca a mão de papai no colo dele e finalmente olha para mim. —E sobre o funeral?Eu paro na porta que leva ao corredor. — Ela disse que era uma boa ideia. Irei com M irae um grupo de meninas da equipe de teatro.— Se você se sentir desconfortável, — Jennifer diz, — não hesite em vir embora. Se vocêmudar de ideia e quiser que um de nós vá com você, não será um problema.— Eu ficarei bem.Quando me preparo para sair, Jennifer adiciona, — Espere. Mais uma coisa.Eu me viro.— C onversei com sua mãe novamente hoje, — J ennifer diz, ignorando o olhar desurpresa no rosto de meu pai.— Sim?. — Eu tenho um mau pressentimento sobre isso.— Eu prometi a ela que ia tentar convencer você a passar a noite na casa dela amanhã.Eu sabia.— Eu não quero, — eu digo. —Eu não vejo por que.— Eu sei, — Jennifer diz. —Você é uma adulta, você tomasuas próprias decisões. Estamos começando a descobrir isso. — Ela sorri um pouco e issosuaviza suas palavras. —As vezes ser um adulto significa fazer a coisa certa, mesmo quenão seja o que você quer.— Eu não vejo como isso é a coisa certa, — eu digo. —M inha mãe e eu não podemos nosfalar sem gritar. E melhor não estarmos perto uma da outra.—V ocê não passa um tempo com sua mãe há meses, — J ennifer ressalta. —Talvez issotenha mudado.A cabeça de papai vai e volta, como se ele estivesse assistindo a uma partida de tênis,mas não entendesse o idioma falado pelos locutores.—Apenas uma noite, — J ennifer diz. —Pense no bom exemplo que você dará a Emma -como lidar de frente com coisas que te deixam desconfortáveis. Todo mundo tem queaprender a lidar com isso.E trapaça usar Emma assim. Vantagem: Jennifer.—Tudo bem, — eu digo. —Uma noite. M as, você diz a ela. Odeio falar com ela aotelefone.Tomo um banho demorado e lavo minha madrasta controladora e meu confuso pai e ocheiro de queijo, salsicha e motel para fora de meu cabelo.Eu ganhei uma coisa hoje. Eu tirei a lua no uíste e bati Elijah. Eu o pegarei as dezamanhã. N enhum de nós irá ao serviço de memorial na casa onde ocorrerá o funeral.Iremos direto para a sepultura. O passeio me dará a chance de explicar a confusão sobremeu nome, se ele calar a boca por mais de trinta segundos.Talvez, nós fujamos para a América do Sul depois do funeral e criemos cabras.C assie cresce mais corajosa a cada noite, vindo mais cedo, ficando mais tempo, meassustando cada vez mais. Uma vez que seu caixão esteja inserido no chão e as oraçõesmágicas sejam feitas e as flores colocadas em cima dela, ela irá dormir para sempre.Mas, eu preciso dormir um pouco. Eu tomo um remédio para dormir e desço a escada naponta dos pés em meu robe para uma caneca de chá de camomila.O filme acabou e Jennifer e papai estão conversando silenciosamente, o Canal do Tempozumbindo ao fundo. Eu paro no canto da cozinha, esperando ouvir sons de beijos. Eu odeioandar por aí quando eles estão fazendo isso.Eu espio pelo canto. Sem beijos. Apenas conversando, cada um deles ocupando umcanto do sofá com almofadas entre eles.Marido: Você está exagerando. Ela está um pouco estressada, mas ela está tentando.Esposa: Ela não parece bem.Marido: Você vê os pesos toda semana.Esposa: Eu gostaria que ela fizesse um check-up. Fazer uns exames de sangue.M arido: N ós só podemos sugerir isso. Para ser sincero, empurrar o problema pode pioraras coisas.Esposa: Chloe quer que ela volte.M arido, pegando o controle remoto e ajustando as chamas da lareira: N ão apenas parauma visita por uma noite?Esposa: Ela está com medo que Lia perca o controle novamente. Eu concordo. Algunsmeses com a mãe podem ajudá-la a recuperar o caminho.M arido: V ocê foi a pessoa que me convenceu a trazê-la para cá. V ocê não pode mudarde ideia só por que ela passa por um momento difícil. O que você fará com Emma quandoela passar por isso? Mandá-la para a casa de Chloe, também?Esposa: Não seja ridículo. Emma e Lia são pessoas muito diferentes.M arido: Ela comeu pizza com os amigos esta noite. Ela está bem. V ocê e C hloe estãobotando isso fora de proporção. Agora, quanto tempo, temos até de manhã?Cassie está esperando por mim lá em cima. Ela ouviu tudo.Eu tento ignorá-la, mas toda vez que me viro, ela se materializa na frente dos meusolhos. Nós deslizamos para o computador e rolamos através do refrão.Eu tenho sido bulimica por seis anos recentemente tentei recuperar e ganheibastante peso agora estou saindo para trás e não posso suportar o peso por mais tempo.O que todo mundo acha de qual é o mínimo de dias em que você poderia perder 11quilos?Eu tento manter a ingestão de calorias abaixo de 500.Qualquer coisa a mais é inaceitável. Mucho amor! permaneça forte <333Estou tão repugnante. horrivelmente gorda. H oje eu fui correr por 2 horas e passeifome até o jantar, onde comi como uma porca. Às vezes, eu me sinto tão fodidamenteimpotente.Estou nas ALTUR AS aqui. Eu acho que finalmente estou ficando muito boa nisso!Para aquelas de vocês que estão passando por um momento difícil agora, muitosabraços.você pode fazer qualquer coisa se esforçar-se o bastante!Quando a casa está dormindo, eu desligo a música e acendo uma vela. C assie senta nopeitoril da janela e observa enquanto eu desenho três linhas com a navalha, perfeitamenteem linha reta, em meu quadril direito.Agora, ele está igual ao esquerdo.[030.00]N o caminho para pegar Elijah na manhã de sábado, eu paro em uma loja para comprarum mapa e uma bússola. O GPS está na minha lista de N atal, em tinta. O que eu realmentepreciso é de uma bola de cristal, mas ninguém as vende por aqui.Eu abro a caixa da bússola logo que entro no carro. A bússola está com defeito. N ãoimporta como eu a seguro, a pequena agulha gira e gira ao redor do mostrador sem parar.Eu quero meu dinheiro de volta.Elijah gasta mais tempo falando de seus planos de ir para o sul depois do N atal quenavegando. N os perdemos logo depois de sairmos do hotel e desperdiçamos tempodirigindo por estradas que não estão no mapa. Quando finalmente passamos entre os grifosde pedra na entrada do Cemitério Visão da Montanha, estamos atrasados.Um homem magro com um longo casaco preto e um chapéu de cowboy também preto,aponta para mim o pequeno estacionamento. O meu carro é o terceiro lá.Eu saio, desejando que eu estivesse usando calças de moletom, por que o ar cheira aneve. Eu puxo a barra do meu vestido e tremo. Esta garota quase pareceu bonita noespelho esta manhã: cabelo limpo, maquiagem decente, antigos brincos de prata, umvestido aranha cinza de mangas curtas (tamanho zero) que tremulava acima do joelho, esaltos de matar. Eu esqueci que aqui tinha trinta e sete degraus.—Tem certeza de que estamos no lugar certo? — Elijah pergunta quando fechamos asportas.O homem com chapéu caminha até nós. — Se vocês seapressarem, conseguirão chegar lá antes do serviço de sepultamento começar.—Aonde? — eu pergunto.— Em cima da colina, — ele diz, apontando para uma estrada íngreme. —O serviço dosParrish está no topo. V ocês terão que andar. Todas as vagas de estacionamento lá em cimaestão ocupadas. Bom dia. — Ela dá a menor das reverências e caminha de volta para suaposição no portão.— Eu nunca conseguirei com isso, — eu digo, apontando para meus sapatos. —Eu malconsigo caminhar até o banheiro com eles.— Então, por que você os calçou? — Elijah pergunta. Ele está vestindo jeans escuros,botas de trabalho, a camisa e a gravata que usou no velório e uma jaqueta de camuflagem.Seu brinco é um sólido alargador preto.— Eles são bonitos.— N ão, eles não são, — ele disse. —Se eles machucam você, eles são hediondos. — Ele securva levemente e dobra os joelhos. — Vamos lá, — ele diz. —Suba nas minhas costas.O quê?— Eu carregarei você até lá em cima. Quero dizer, provavelmente me matará, mas euirei em um momento de glória.I sso não é necessário. — Abro a mala de meu carro e procuro ao redor até encontrar um parde velhos tênis de cano alto, branco encardido e coberto por flores de tinta azuldesenhadas durante a aula de História. —Eu calçarei esses.Eu me sento no para choque, tiro os saltos, e coloco os tênis, que cheiram como seestivessem cozinhando em um baú cheio de lixo durante um ano ou mais, mas eles fazemmeus pés felizes.Eu me levanto. —Sofisticada, não?Elijah olha para os tênis, o vestido, e o fato de que estou tremendo. Ele tira sua jaqueta ea dá para mim. —Nem mesmo pense em discutir.A jaqueta dele está pesada com o calor do corpo dele e cheira a gasolina e garoto. —Obrigada.— Agora, — diz ele, olhando-me de cima a baixo pela segunda vez. — Agora você estábonita.[031.00]Eu não me sinto bem no momento em que chegamos ao topo. Os cortes recentes em meuquadril estão doendo e eu estou certa de que um deles se abriu e está sangrando. C adapasso que dou para mais perto de C assie me deixa mais fria e fraca. I sso está afetandoElijah, também. Ele anda com a cabeça baixa e as mãos dentro dos bolsos.A crista da colina está coberta com centenas de besouros de costas pretas que sereuniram para se banquetearem com a carniça: crianças da escola, professores, os pais quevão a tudo.Os membros da equipe de teatro estão agrupados em três e quatro. O time de futebol éum bloco sólido, a maioria vestindo suas jaquetas do time. Eu não vejo minha mãe em lugaralgum.—Quão perto você quer chegar? — Elijah calmamente me pergunta.— Tão perto quanto conseguirmos.Ele suspira. — Ok. Siga-me.N ós fazemos nosso caminho através da multidão em direção à tenda do pavilhãobranca. Os pais de C assie e outros parentes estão sentados em cadeiras de plástico, ouvindoo padre, que está em pé com uma mão no ombro do Sr. Parrish.O caixão está coberto por uma grossa manta de rosas rosa pálido. Ele está descansando sobreum suporte de metal como uma assadeira de biscoitos quentes esfriando em um engradado.Faixas de grama falsa deveriam esconder o suporte, mas o vento as despregou.Eu me posiciono na ponta dos pés. Se estivéssemos mais perto, poderíamos ver o fundodo buraco.Os pais de Cassie podem. A boca da sepultura está há centímetros dos pés deles.Uma pilha de sujeira em forma de colmeia está aterrada por trás da tenda, esperandopelo fim do serviço. Os coveiros despejarão a sujeira no buraco para impedir C assie deflutuar para a superfície e fugir.As montanhas ao norte desapareceram sob uma tempestade de neve. Aqui embaixo, ovento grita sobre filas de lápides cor de trovão. Eu fecho meus olhos.O ratinho de estimação de Cassie, Pinky, morreu no verão antes da quarta série. Ela choroutanto que eu pensei que íamos chamar uma ambulância, ou pelo menos a mãe dela. Eu aajudei no andar de baixo. Sua mãe estava fora em algum lugar, seu pai era o responsável, eestava assistindo ao Red Sox jogar com o Yankees. Ele disse para C assie parar de chorar. Elecolocou o cadáver no lixo depois do jogo.C assie o segurou junto, até voltarmos para seu quarto, então ela se jogou na cama elamentou: —Eu não quero jogá-lo no lixo.— Não vamos jogá-lo, — eu disse. — Vamos lhe dar um funeral apropriado.Eu usei uma espátula para erguer Pinky para fora de sua gaiola e o deitei na bandanaazul favorita de C assie. Eu o enrolei como um burrito de rato e amarrei com um fio. Eudisse para C assie que ela devia carregá-lo, mas ao tocar na bandana, ela gritou. Eu pusluvas de forno, e carreguei Pinky para o pátio lateral. Cassie seguiu com uma pequena pá.O lugar mais fácil de escavar estava no meio do jardim de rosas da mãe dela. N osrevezamos para tirar os restos do húmus novo e cavamos um buraco entre dois arbustos,um marcado Mordent Blush, e outro Nearly Wild, cada aviso escrito a mão com uma canetade caligrafia.Eu imitei um pouco de Latim e cantei a maior parte da Oração do Senhor. C assieacrescentou longos —ooooommmms" que ela afirmou serem chineses. (Os pais delaencorajaram-na a explorar outras culturas). Enquanto ela omeava, eu deitei Pinky noburaco e o cobri com terra.— Com certeza, espero que um cão não o escave, — eu disse.O rosto dela se enrugou.— Espere.Eu corri até o outro lado da rua, e peguei uma balde de plástico de pedras de praia domeu quarto. N ós colocamos as pedras no túmulo, espalhamos adubo em cima, e cantamosmais algumas orações. Ficamos em pé, de mãos dadas, olhos fechados, e juramos que nósnunca, nunca, esqueceríamos de nosso Pinky especial.N o verão após aquele, o N early Wild da mãe dela ganhou o grande prêmio do GreaterManchester Rose Grower Association. O jornal fez uma abertura cheia de cor no jardim e osParrish deram uma festa para comemorar.O padre está em pé na frente do caixão e levanta os braços para invocar os deuses. Eleagradece a presença de todo mundo, e então sua voz cai e é impossível ouvi-lo. Um poucodepois, retardatários correm para a colina, tentando moverem-se rapidamente sem seremvistos. Um deles, é uma mulher alta de botas e um longo casaco de vison, o cabelo amareloestá puxado para trás em uma impecável trança francesa, óculos de sol de prescrição queela não precisa por que as nuvens estão escuras e baixas.Minha mãe.Eu vou para trás de Elijah. —Bloqueie o vento para mim, ok?—O quê? — ele pergunta. —Claro.Eu conto até dez, depois dou uma espiada em torno do ombro dele. Ela está à beira damultidão, apenas após o time de futebol, balançando a cabeça e meio que sorrindo para aspessoas ao seu redor.Algum cara vai até o padre e sussurra em seu ouvido, talvez explicando que ninguémconsegue ouvir nenhuma palavra que ele diz por causa do vento soprando.O padre acena e grita: —Oremos!"Eu inclino minha testa contra as costas fortes de Elijah.No dia em que enterraram Nanna M arrigan, eu caminhei atrásde minha mãe pelo cemitério,sua mão disparando de hora em hora para me avisar sobre tropeçar em raízes expostas. Eutinha treze anos. Passamos por baixo de carvalhos morrendo, corvos de visão aguçadacontrolando a velocidade em seus ramos, e por anjosadolescentes congelados no mármore, teias de aranha penduradas desde suas cabeças atéseus ombros estreitos.N anna estava esperando em seu caixão, ao lado do recente buraco cavado na parte detrás do cemitério, onde plantavam os novos mortos. Ela havia escolhido o caixão e os hinose as orações. Ela exigiu que as pessoas contribuíssem com a biblioteca ao invés de enviaremflores.O padre nos deu livrinhos assim poderíamos acompanhá-lo, mas eu não pegueinenhum. M inha mãe chorou sem entrar em colapso por que N anna não gostava quando aspessoas faziam um espetáculo de si mesmas em público. Eu estava tão atordoada pela visãodas lágrimas escorrendo pelas suas bochechas, que perdi a maior parte do serviço.Os coveiros levantaram o caixão de minha avó como se ele estivesse cheio de penas.Quando eles o abaixaram para o chão, o vento soprava e sombras de fantasmas sedesdobravam e se dobravam como borboletas no chão. As garotas de mármore sussurrarame as sombras de fantasmas moveram-se sorrateiramente para dentro e se esconderam atrás deminhas costelas...Abro os olhos. O padre ainda está citando a Bíblia. O rosto de Elijah está inclinado para océu, perfeitamente calmo. M ira da escola está chorando, os braços do pai estão em voltados ombros dela. M inha mãe está com a cabeça curvada, movendo os lábios. Eu gostaria desaber pelo que ela está rezando.A Sra. Parrish se inclina contra o marido. Ele deita sua bochecha no topo da cabeça dela,seus braços e mãos a segurando apertado, assim ela não poderá disparar. As pétalas de rosasobre o caixão flutuam no vento. Algumas se moveram violentamente e voaramdiretamente para o céu.O resto dos enlutados se arrepiam enquanto a tempestade escorrega do norte para cá.Nuvens inquietas de fantasmas rodopiam em caminhos de cova para cova pegajosa.Amém!, — o padre grita contra o vento.[032.00]Fim de jogo.O homem de preto grita que todos estamos convidados a voltar para a casa da família econtinuar a celebração da vida de C assie e encontrar forças um no outro. Quando os paisde C assie caminham para fora da tenda, minha mãe se aproxima deles e diz alguma coisa.Eles se revezam para abraçá-la, minha mãe os acaricia delicadamente nas costas.—Funerais são uma droga, — Elijah diz para mim. —Da próxima vez que apostarmos,jogaremos pôquer. Pronta par ir?—Ainda não, — eu digo. —Eu quero ver cobrirem-na.Ele mastiga o interior de sua bochecha. —Eu esperarei por você no carro. As pessoasmortas estão me estranhando.— Lia! — O vento quase sopra a voz dela, mas não o bastante.Merda. Ela me viu.Eu paro atrás de Elijah. —N ão se mexa. — Ele tenta se virar, mas eu o cutuco nascostelas. —Eu quis dizer isso.—O quê está acontecendo? — ele pergunta. —De quem você está se escondendo?—Da minha mãe.Ele começa a se virar novamente. —Por quê?Eu agarro a camisa dele para impedi-lo de se mexer. — Apenas, não a deixe me ver.Eu me aconchego contra as contas dele, meu rosto atrás da cortina de meu cabelo.Portas de carro estão abrindo e fechando, máquinas dão curvas, pneus esmigalhando sobreo cascalho.—Por que não? — ele pergunta....A segunda vez que me deram acesso, ...a segunda vez que me trancaram, eu estava mau,mau, mau. M inhas unidades parentais estavam absurdamente loucas, loucas, loucas.M ortas, filhas apodrecendo deixavam um cheiro ruim que não saía, não importava oquanto a faxineira esfregasse. M eus pais revezaram a culpa repetidamente, Lia feijãoquicante, Lia feijão morrendo de fome, o que há de errado com ela, é tudo suaculpaculpaculpa.M inha mãe queria ser a chefe, queria ser a Dra. M arrigan ao invés de mãe da LiaDoente. I sso não funcionou. Os médicos da clínica cavaram um fosso ao meu redor edisseram que ela não podia nadar através dele, ela teria que esperar até ser convidada aatravessar a ponte levadiça. Depois disso, ela perdeu algumas sessões de terapia familiar.Ela tentou explicar o porquê, mas meus ouvidos estavam preenchidos com pão e macarrãoe milk shakes.Eu afrouxava junto das outras garotas feitas de pano. Uma tinha uma porta de plásticocortada em sua barriga, assim ela poderia despejar a comida para fora sem usar a boca.Quando ela ficasse zangada, ela poderia vomitar a comida pela porta na barriga, fechá-laviolentamente, e trancar a si mesma.Eu tive que raspar minhas pernas peludas na frente de uma enfermeira, assim eu nãoabriria uma veia acidentalmente. Quando eu fiquei um rato rosa e sem pelo, ela pegou obarbeador. Eu me enrolei em uma caixa de fósforos cheia de serragem e cobri meu rostocom minha cauda de corda fria. Os psicólogos cavaram em suas bolsas de truques edistribuíram novas pílulas, meus loucos doces, azul bebê e hora da soneca cinza.Experimentaram em mim durante semanas. 40.370. 41.095. 42.184. 43.091. EncheramLia-pinhata com queijo derretido e migalhas de pão. 44.906. 46.720. 47.174. 47.627. 48.081.Liberaram-me aos 48.988 com um fichário encadernado com três anéis que guardava todasas minhas tarefas: planos de refeições, compromissos de acompanhamento,encantamentos—mágicos afirmações para manter os pensamentos desagradáveis distantes.Recusei-me a voltar para a casa de minha mãe. Se eu era uma criança tão complicada,uma dor em seu pescoço, então eu encontraria outro lugar para morar. Ela tentou meconvencer a abandonar o plano, mas, eu puxei a ponte levadiça, tranquei-a com grades deferro, e postei uma guarda armada.Os médicos entregaram a papai e a J ennifer uma escorregadia sacola preta cheia comchocalhos que tiniam de loucas sementes, mini- castanholas perfeitas, sacode, sacode, sacode.Elijah estala os dedos. —Por que você não quer ver a suamãe?—Você gosta de seus pais? — eu pergunto.—Amo minha mãe. Papai tirou a porcaria de mim, e em seguida me mandou para fora.—Oh, — eu digo. —Sinto muito.— Espere, — ele diz. —N ós precisamos girar um pouco para a esquerda. — Ele se viraligeiramente para manter seu corpo entre mim e os olhos de minha mãe.—Obrigada, — eu digo. —Ela está olhando nessa direção?Ela estava, mas então duas senhoras carregando guarda chuvas abordaram-na. Agora,estão batendo no rosto dela com suas bolsas. Por que você não quer vê-la? Ela queimou suasbonecas em um fogo sacrificial? Leu seu e-mail?— Ela quer cuidar de minha vida, — eu explico.—Que vaca. É como se ela pensasse que é sua mãe ou algoassim.Ela é uma psicopata, — eu disse. — É complicado.—Psicopatas não podem pagar por casacos de pele.— Essa pode. O que ela está fazendo agora?—A cabeça dela está girando 360 graus e ela está vomitando sapos, — ele diz.—O que você está -? — eu empurro minha cabeça em torno dos ombros dele.Ela está em pé, a apenas três sepulturas de distância. — Lia? — ela chama.—Lia? — Elijah ecoa.Ele dá um passo para o lado e retira meu esconderijo.Eu paro na sepultura mais próxima - Fanny LoĴ, 1881-1924 - esperando que a terraentre em colapso abaixo de mim. Isso não acontece.—O que você está fazendo aqui?. —Mamãe Dra. Marrigan pergunta.— Hmmm, — eu digo.O seu nome é Lia? — Elijah pergunta.— Eu pensei que tínhamos concordado que você não viria, —ela diz.— Espere um pouco, — Elijah levanta a mão para chamar atenção. —V ocê é Lia, aamiga para quem C assie estava tentando telefonar. Por que você não atendeu ao telefonenaquela noite?Dra. Marrigan o escaneia em um nanossegundo. — Quem éesse?— Esse é meu amigo, Elijah. Elijah, minha mãe, Dra. Chloe Marrigan.Ela para entre nós. — Desculpe-nos. Eu preciso conversar com minha filha.Elijah treme e tenta esconder. —Por que você não me disse seu nome de verdade?Ao longo da estrada, carros são colocados em marcha lenta para o passeio devagar colinaabaixo.— Sinto muito sobre isso, — eu digo. — Eu posso explicar. —V ocê tem muito queexplicar, — Dra. Marrigan diz.— N ão, eu não tenho, mãe, — eu rosno. —A Dra. Parker me disse que eu poderia vir,isso não é da sua conta. Nada do que eu faça é da sua conta mais.Elijah estremece devido às lâminas de barbear na minha voz.Dra. M arrigan abre a boca para dizer mais, mas um homem e uma mulher chamam pelonome dela. Eu não os reconheço, mas ela sim e se afasta de mim para ir falar com eles.—Ok, então ela é intensa, — Elijah diz calmamente. —N ão é uma psicopata, mas é umpouco agitada.— Ela odeia quando penso por mim mesma, — eu digo.M inha mãe está usando a face amigável, boa para apertar mãos depois da igreja ecumprimentar ex-pacientes no supermercado. Ela não me apresenta.—Você parece com ela, — Elijah diz. —Exceto pela cor de seucabelo.—Isso não é um elogio.— Ela realmente aperta seus botões, não é? — ele pergunta.— Ela é talentosa assim.— E você lida com isso fugindo?—Funcionou para você.Ele cruza os braços sobre o peito. —Na verdade, não.Eu realmente deveria devolver sua jaqueta, mas eu congelaria em um instante e eladiria algo terrível e eu quebraria em pequeninos pedaços.Elijah desdobra os braços e golpeia em seus dedos. —M esmo que sua mãe seja umamaluca, ela está tentando te alcançar. Você tem que respeitar isso.— Isso não é tentar me alcançar, isto é sufocante.O assistente do diretor do funeral está dobrando as tiras de grama falsas sob a tenda. Umhomem com uma jaqueta de caça vermelha está manuseando uma pequenaretroescavadeira para asepultura. O vento sopra o chapéu do assistente da cabeça dele e ele o persegue.Enquanto o casal se afasta, Dra. Marrigan se vira novamente para nós. —Eu tenho que irpara o hospital verificar um paciente. Você vai estar em casa quando eu voltar, ok?Elijah cutuca meu tênis com a bota.— Certo, — eu digo, sem pensar. — Mas, eu tenho que levar Elijah primeiro.Ela pisca rapidamente, tentando recuperar seu equilíbrio. Ela estava se preparando parabrigar e não obteve isso.—Ok, então, — ela diz, um pouco incerta. —Eu te verei lá. Tenha cuidado ao dirigir.— Certo.Enquanto ela vai embora, o assistente sob a tenda pega um pequeno controle remoto eaperta um botão, enviando o caixão de Cassie para o chão.[033.00]Elijah e eu voltamos para o carro sem dizer nada.— V ocê está bravo comigo? — eu finalmente pergunto enquanto abro o carro. —Sobre acoisa sobre o nome?— Eu não sei, — ele diz.— Eu posso explicar -, — eu começo.Ele levanta as duas mãos para me parar. —Poderíamos ficar calados por um tempo? —ele diz calmamente. —M inha cabeça está um pouco cheia. Pessoas mortas e pais zangadosnão são uma boa combinação para mim. Eu preciso relaxar.— Ok.Estamos em silêncio quando chegamos em Gateway. Eu estaciono em frente ao quartodele e entrego-lhe sua jaqueta.— Eu realmente apreciei tudo que você fez hoje.— N ão se preocupe. Obrigado pela carona. — Ele pega a jaqueta, sai do carro, fecha aporta e vai embora.Eu baixo minha janela. —Espere. Quando podemos nos falar novamente?— Eu não sei. Ele puxa as chaves do bolso.— Eu me esqueci de perguntar ao meu pai sobre o ferro velho, — eu digo. —Eu te ligoquando descobrir aonde tem um.— Obrigado. Ele desaparece dentro da escuridão de seuEu não estou muito certa do por que seu humor mudou. Talvez haja algo no ar doscemitérios, que penetra na pele e infecta. Talvez seja por isso que eu me sinto mal derepente, também. Uma onda de náuseas escava através de minha barriga:tristeloucamáconfusa, tudo me sufoca. Eu luto com as imagens em minha cabeça: rosastremendo no caixão dela, lágrimas caindo no chão, nuvens de tristeza correndo em nossadireção na tempestade. Eu engasgo e tusso. Se eu tivesse comido alguma coisa hoje, elaestaria subindo agora.Uma luz de aviso vermelha aparece ao lado de meu velocímetro. Eu procuro dentro daminha bolsa pelo telefone assim poderei chamar papai e perguntar-lhe se o motor vaiexplodir, mas eu não mais tenho um telefone.sEu giro o aquecedor para o M ÁXI M O e coloco meu nariz na passagem de ar. O ar cheiraa Cassie e faz-me engasgar novamente.Estou faminta. Preciso comer.Eu odeio comer.Eu preciso comer.Eu odeio comer.Eu preciso comer.Eu amo não comer.A luz vermelha do óleo pisca ON /OFF, ON /OFF, ON /OFF. Eu saio do modoESTACIONAR e acelero.[034.00]A Avenida Briarwood está cheia de casas feitas-a-pedido. N ão há calçadas aqui, não hávarandas. Os gramados são treinados para rolarem tranquilamente da porta da frente até aestrada, cada folha de grama aparada à mão de acordo com a altura regulamentada.Normalmente, a rua está vazia e varrida.H oje não. C arros estão estacionados dos dois lados da pista, rodas deixam marcasbarrentas nas bordas dos gramados. Portas de metal batem, sistemas de segurança trinam,pessoas de casacos pretos com carrancas curvam-se ao vento, e se arrastam até a casa pelarua de minha mãe.Estão aqui para pagar suas dívidas, pagar respeito, pagar o preço de conhecerem os paisde uma garota morta. Estão indo para a casa de Cassie.Eu estaciono na garagem de minha mãe.O jardim de rosas da Sra. Parrish se espalhou por ambos os lados da casa e tomou todo ojardim da frente. Os arbustos estão podados até picos espinhosos para o inverno,embrulhados em sacos de aniagem, sonhos de verão de flores grandes puxadosprofundamente até as raízes.A primeira vez que eu vi Cassie vomitarfoi no jardim. Os pais dela estavam dando umafesta de Dia do Trabalho, um dia antes das aulas começarem. Os adultos estavambarulhentos e bêbados na piscina, os casais do ensino médio tinham se retirado para a casapara os macios sofás esperando nos porões vazios, e as crianças estavam na cama. N ãoéramos mais crianças; tínhamos onze anos.Poderíamos ficar o tempo que quiséssemos desde que não perturbássemos nossos pais.C orri através da rua até minha casa para pegar um moletom. Quando voltei, C assie játinha ido. Eu a procurei por todos os lugares até que a encontrei nas sombras do jardim derosas, longe das tochas e do som de liquidificadores de margaritas. Ela estava engasgando, odedo enfiado em sua garganta. Quase tudo que ela tinha comido foi expelido no húmus:um saco de batatas fritas, quase uma caixa de molho de cebola, dois brownies de chocolate,e uma fatia de torta de morango.—Vou chamar sua mãe, — eu disse.— N ão! — Ela me agarrou e me explicou em pequenos e apertados sussurros. Ela estavavomitando de propósito, assim não ficaria gorda. Ela começou a chorar por que tinhaesperado muito tempo e as calorias estavam vazando para dentro dela e a faziam sentir-seruim.— Por que você comeu os brownies, se não quer engordar? — meu pequenino corpo degarota elfa perguntou.— Por que eu estava com fome!. — Lágrimas rolaram por suas bochechas e desceram atéa sordidez em seu queixo. Eu chutei folhas em cima da bagunça e a levei sorrateiramenteaté o banheiro, assim ela poderia lavar seu cabelo. Eu limpei o vômito de sua camiseta como sabonete Dove na pia, sufocando o tempo todo. Quando ela estava no chuveiro, euprendi a camiseta dela no secador. Usei uma faca de manteiga para raspar o cheirodesagradável no sabonete.M ais tarde, enterradas em nossos sacos de dormir, ela me disse que toda garota em suacabine no acampamento de teatro, vomitava. Quando eu perguntei o porquê, ela disse queera por que elas todas eram gordas-gordas-gordíssimas e algo tinha que ser feito. Oacampamento ensinou o caminho a Cassie mais que a escola.N a oitava série, ela se tornou pró, códigos coloridos no começo de suas comilanças,mesmo Doritos laranja ou arando púrpura, assim ela saberia quando o trabalho estivessefeito. O dedo favorito dela para vomitar estava cheio de arranhões que nunca tinham securado. Ela disse à mãe que era devido ao treino de futebol/lacrosse ou a construção deset/ensaio de peças. Ou que o cachorro tinha a mordiscado.C assie se tornou a montanha-russa no parque temático do ensino médio. Eu era o cavalode carrossel congelado em uma posição, olhos pintados abertos, a tinta lascando dos meusolhos...Eu devia desenterrar o N early Wild e pegar os ossos de fósforos de Pinky ainda quentesna bandana azul. Eu deveria tricotá-los em um suéter ou encordoá-los em uma fita e usá-los em torno do pescoço. Se eu ainda tivesse a ver-vidro verde, eu poderia trabalhar nela,também. Sempre que me perdesse, eu poderia levá-la aos meus olhos. M uito melhor queuma bússola girando.O aviso do tanque de gás vazio aparece ao lado da luz vermelha piscando. Semproblemas.Minha—mãe Dra. M arrigan puxa para a entrada de automóveis. Ela olha para mimatravés do vidro da sua janela e do vidro na minha, enquanto a porta da garagem se abre.O nariz dela está vermelho e os olhos inchados, como se ela tivesse chorado. Ela vira acabeça para longe de mim e dirige para a garagem.Eu fico no carro por alguns minutos, e então a sigo.[035.00]Tenho certeza que ela está esperando por mim na sala familiar, a temperatura aosquatorze graus, suas notas de discurso ordenadamente arranjadas com meus problemas eerros listados em ordem de prioridade. Ela tem gráficos para provar que tudo que eu faço éerrado, e que minha única esperança é permitir que insiram as células tronco dela emminha medula, assim ela poderá cultivar uma nova ela vestida em minha pele.Mas, não. Ela não está na sala familiar.Ela está esperando por mim na biblioteca, que as pessoas normais chamam de — sala deestar.N ão. M ilhas de estantes empoeiradas, revistas de cardiologia empilhadas na mesa decafé. Sem Dra. Marrigan.N ão na cozinha. N ão na esteira no porão. N ão na elíptica ou levantando pesos outrabalhando em seu abdome.—Mãe?Os canos no porão tremem e o tanque de água quente é ligado. Ela deve estar tomandobanho.Eu subo dois lances e caminho na ponta dos pés através do chão polido do quarto dela,giro a maçaneta deeeeeevagar, e abro a porta de seu banheiro com um estalo. Uma lufadade vapor goteja para fora, preenchida com os soluços de uma mulher adulta quebrando empedaços do tamanho de uma garota.Eu fecho a porta.Quando ela desce uma hora depois, o café está fermentando, o suco de laranja estáservido, e um lugar está selecionado para ela na mesa com a porcelana branca de N annaM arrigan, a prata antiga da gigantesca cômoda na sala de jantar, e um guardanapo delinho cor de neve. Do jeito que ela gosta - preciso e limpo. Nem mais nem menos.As lágrimas foram lavadas, mas o nariz dela ainda está vermelho. Ela olha em torno dacozinha, confusa e sem equilíbrio novamente, por que eu não estou seguindo o roteiro.Eu a entrego o copo de suco. Enquanto ela bebe, eu quebro três ovos e ligo a boca dofogão sob a frigideira para derreter a manteiga.Cada passo na cozinha é um teste - eu estou forte o bastante para pegar um pedaço de manteiga.Estou forte o suficiente para despregar o invólucro de papel, deixo cair um pedaço na panela, evejaescutecheire ela derreter. Eu lavo a gordura pegajosa da ponta de meus dedos sem experimentá-la. Estou passando em todos os testes hoje com sucesso completo.—Quando você aprendeu a cozinhar? — minha mãe pergunta.— Jennifer me mostrou. Emma adora omeletes.Ela fareja o ar. —Há algo no forno?— Eu queria fazer muffins de cenoura-passa - Emma gosta deles também. M as, vocênão tinha nem cenoura nem passas, então esses são muffins de noz moscada. — Eu bato osovos. — Sua geladeira está um pouco vazia. Só tem cebola ou espinafre para sua omelete.Ela estuda os vegetais picados sobre a tábua. —Só espinafre.Eu ponho o café dela na xícara de porcelana e entrego-lhe. Ela a coloca em cima damesa, em seguida pega o telefone e o bipe do bolso de seu robe e os alinha próximo ao garfo.Ela se impulsiona na cadeira, os olhos desfocados em seu reflexo no prato vazio.—Quem foi? — eu pergunto.Ela olha para cima. — Quem foi o quê?Eu lentamente despejo os ovos na panela quente. —Que paciente morreu?— Como você sabe que um paciente morreu?Eu levanto a casca da omelete para deixar um ovo molhado deslizar para baixo. — Aúnica vez que você chora no banheiro assim, é quando você perde um paciente.A panela chia. O relógio do forno soa.M inha mãe espalha o guardanapo em seu colo. —Ela era uma agente social que tomavaconta de casos de crianças adotivas. C ardiomiopatia dilatada, muito avançada, esteve nafila de transplantes há mais tempo que qualquer um. Eu a dei um novo coração no Dia deAção de Graças. Ele falhou hoje. Ela morreu antes que pudéssemos fazer qualquer coisa.Enquanto ela fala, eu coloco o espinafre na omelete, polvilho queijo em cima, a dobro, e adeslizo para o prato que pus na frente dela. —Sinto muito.—Obrigada. — Ela dá uma mordida, mesmo que tenha acabado de sair da panelaquente. —I sso é muito bom. Espero que esteja fazendo uma para você também. — Elacome automaticamente, o mesmo número de mastigações por mordida, o mesmo númerode segundos entre as engolidas até que a omelete acaba e seu tanque de gás é abastecido.N ós não estamos gritando uma com a outra. N ós não estamos procurando pelas facasmais afiadas para ferirmos uma a outra. Isso é bom.Não há como fugir da questão. Eu jogo na panela quente para ver o que vai acontecer.— Será que Cassie morreu como sua paciente? — eu pergunto. —O coração dela falhou?— Eu prefiro não falar sobre isso com você, — minha mãe diz. —Não agora.— Mas, você viu o relatório da autópsia, não viu?— Eu não acho que esse é o momento certo -, — o bipe dela vibra na mesa. — Porcaria.— Ela lê a mensagem, perfura um número no telefone. — Esta é a Doutora Marrigan.Eu queimo as pontas de meus dedos pegando os muffins do forno. Eles querem pularpara a minha boca. N ão, eles querem rolar na manteiga e no mel e pular para minha boca,um, dois, três, quatro. E em seguida, um pouco de sorvete Moose Tracks e alguns biscoitosde farinha integral e uma jarra de cobertura de chocolate e três sacos de pipoca.A Dra. M arrigan dá ordens sobre medicamentos e soros e exames, e em seguida, desliga.— Os muffins estão prontos?— Um pouco quentes.— Tudo bem.Eu pego o prato sujo de omelete e ponho três muffins na frente dela. — V ocê disse queia explicar os resultados da autópsia para a Sra. Parrish.— Eu expliquei.— Então, o que aconteceu?— Você não vai comer nada?Eu coloco o prato sujo na pia. —Não estou com fome.Minha mãe desprega a casca de papel rosa do muffin. —O que você comeu no almoço?— Eu ainda não almocei.— São quase duas horas. Pegue um muffin.— Eu não quero um.— E ovos. Você poderá usar a proteína.—Tinha leite no meu cereal esta manhã.—Você precisa comer. — A Voz está de volta, dando ordens, exigindo obediência.— Mãe -O bipe toca novamente, balançando na mesa como uma abelha zangada. — Droga. —Ela faz a chamada. — Dra. Marrigan.Eu coloco a frigideira e a panela dos muffins na pia, ligo aágua quente e jogo no sabão. O calor da cozinha se enevoou sobre asJanelas.A garota de verdade que eu fui desliza para fora e ouve ecos de vozes gritando feio umpara o outro em cada cômodo desta casa. M amãe x Papai. Papai x M amãe. Papai x otrabalho de M amãe. M amãe x as namoradas de Papai. M amãePapai x relatórios de Lia,recitais de Lia, decisão de parar novamente de Lia. Lia x qualquercorpo.As vozes escorregam para dentro da boca desta menina quando ela não está olhando,como um inseto em uma noite de verão que se agarra no interior de sua garganta logodepois que você percebe que o engoliu. As vozes nadam ao redor de seu interior e semultiplicam - tostados, pequenos ecos de vozes que fazem uma permanente moradadentro da casca de ovo do crânio dela.::Estúpida/feia/estúpida/vadia/estúpida/gorda/estúpida/bebê/estúpida/perdedora/estúpida/perdida::— Eu disse, 'Lia, olhe para mim! — minha mãe grita, sacudindo meus ombros.Eu pisco. Os pratos se foram, mas minhas mãos ainda estão na pia. As bolhas se foram. Aágua está fria.M amãe me arrasta guia para sua cadeira, um braço em volta de meus ombros, o outropegando um braço para checar meu pulso. Ela se ajoelha diante de mim e me faz olharpara cima, para o lado, depois direto para a luz brilhando de sua caneta.— Eu aposto que sua glicose está no banheiro. M urmura. no prato dela. Um bloco depapel verde pálido está sentado ao ladoTrês papeis vazios de muffins estão dobrados em triângulodo prato, coberto com as notas dela de suas chamadas telefônicas que ela fez enquanto euestava na terra dos zumbis. Seu copo de suco e a xícara de café estão vazios. A água na piasugou tempo para fora do cômodo.Eu perdi dez minutos, talvez quinze.Ela me serve um copo de suco de laranja. —Beba isso.Se eu não beber, há uma boa chance que ela me dominará a força até o chão, arrombaráminha boca, e o despejará dentro de mim. Ou me levará para o hospital e me grudará comdrogas até que eu infle e salte até o teto como um balão de desfile no Dia de Ação deGraças.Eu engulo o suco de laranja, empurrando-o para meu estômago.Ela se senta, olhando para mim, enquanto a névoa desobstrui as janelas e a bateria ácidatransborda para dentro de minhas veias.— Estou bem. — eu digo. —Só estou triste por Cassie.Ao invés de responder, ela se levanta, bate a frigideira limpa no fogão, liga a boca, jogamanteiga na panela, puxa a porta da geladeira, pega ovos e leite, quebra dois ovos napanela, espirra leite sobre eles, e bate tudo com um garfo.— Eu não vou comer isso, — eu digo.Ela se curva sobre o fogão, misturando, misturando.— Eu não posso.Sem resposta. Misturamisturamistura.—Você não deveria empurrar-me. Eu tenho que me sentir segura com alimentos.— Esta é a coisa mais estúpida que eu já ouvi. — Ela põe os ovos fritos em um pratolimpo junto com dois muffins, segue através da cozinha e coloca na minha frente.O suco de laranja é um vírus que ataca minhas entranhas. — Esqueça.Ela balança a cabeça. —V ocê não está pensando claramente. V ocê está tonta. E mentiupara mim sobre o café da manhã.—Ok, então eu esqueci o café da manhã. Tem sido um diadifícil.— Você parece horrível. Quanto está pesando?— Jennifer é a nazista da balança, — eu digo. — Pergunte aela.Ela cruza os braços sobre o peito.—Quarenta e oito na terça feira.— Eu não acredito nisso.— Ela lhe mostrará o caderno.— Você vai comer tudo neste prato.Dois ovos mexidos + leite + manteiga = 365 (+ dois muffins = 450) = horror.— Eu vou tentar.Eu dou uma pequena mordida no ovo. O suco de laranja estáfazendo buracos no revestimento do meu intestino. Eu engulo o ovo e a gordura, pegooutra garfada e abro bem a boca para o avião zumbindo em direção ao hangar.Minha mãe serve para si mesma outra xícara de café.Eu abaixo o garfo. —Eu me sinto doente. Eu não posso fazerisso.— Você está doente. Quando você comer como uma pessoa normal, se sentirá melhor.— Comer me faz sentir-me pior.—Dê uma mordida no muffin.Bem devagar eu desembalo o papel rosa: O que eu estava pensando, cozinhando paraela, tentando dolorosamente beijar mamãe e tornar tudo melhor? Eu corto o muffin nomeio, em seguida uma das metades em quatro pedaços, e cada um desses em dois. Eucoloco um dos pedaços na boca. Uma bolha seca de farinha sem mistura explode em minhalíngua.Ela me observa mastigar e engolir. Ela me observa não dar outra mordida,um minuto,dois, três, quatro... Alguns anos atrás, eu vi o documento de impostos de mamãe e fiz ascontas para descobrir sua taxa horária. Eu só desperdicei doze dólares do tempo dela.Eu empurro o prato. — Eu não posso.Ao invés de explodir, ela respira profundamente e empurra o prato de volta para mim.— Eu farei um acordo.O suco de laranja está provocando cólicas em meu estômago. —O que você quer dizer?— Se você comer, eu explicarei como Cassie morreu, — elaDiz.Estou com tanta fome Eu tenho que permanecer forte - dobrada, mas não quebrada. —Um muffin.—Dois muffins. Você precisa dos carboidratos.— Um e os ovos.Ela respira fundo novamente. — De acordo.Isso leva uma hora.Ovos mexidos = 25 mordidas.Um muffin = 16 mordidas.[036.00]M eu estomago rosa de rato gosta de ser pequeno e vazio. Ele me odeia por empurrartoda aquela comida para ele. Eu deito-me no sofá, puxo o cobertor elétrico sobre mim, etento não vomitar.M inha mãe empoleira-se no sofá a minha frente. Ela puxa um afegão sobre as pernas, oque eu tricotei no último N atal, cheio de pontos perdidos e padrões quebrados. — V ocêtem certeza que quer ouvir isso."— Não pode ser pior do que o que tenho imaginado."— É insuportável."— Ela estava drogada?— Não, nada ilegal, mas ela estava com dois antidepressivos, um estabilizador de humor,e um medicamento para úlcera. E vodca. Muita vodca."— Intoxicação por álcool?— Não. — Ela arruma o travesseiro em suas costas, mas não diz mais nada.—Você prometeu, — eu digo. —Eu fiz o que você pediu. Você tem que me contar. Tudo."—Tudo?. — Ela dá um suspiro e muda para o modo atendimento médico. —C assie tevedanos no fígado, suas glândulas salivares estavam um desastre, e o estomago estavadilatado." Minha mãe mantém um punho solto. —Um estomago saudável é muito grande. Ele pode se esticarpara suportar cerca de um quarto. O de Cassie podia manter três. Além disso, as paredes deseu estomago haviam diminuído e estavam mostrando os primeiros sinais de necrose.A última vez que vi Cassiefoi apenas antes da parada de Ação de Graças. Eu estava nomeu caminho para a biblioteca; ela estava colocando cartazes para o musical. Seu exteriorestava limpo e colorido: novos jeans, suéter bonito, brincos grandes. Suas bochechasestavam inchadas e seu cabelo parecia palha. Ela não estava necrosada. Ela estavamascando chiclete. Seus olhos estavam cansados, mas nós éramos alunas do último ano.Todos os veteranos têm olhos mortos.Eu passei por ela e suspireidisse oi, mas ela não me ouviu.Alongando e vomitando e enchendo e esvaziando, a balde de C assie foiarrastada para obem repetidamente.— C assandra teve uma briga terrível com seus pais Quinta-feira, no jantar de Ação deGraças, — minha mãe disse. — Ela se levantou para vomitar no meio da refeição.C indy disse ainda que J erry podia ver que ela estava de volta a seus velhos hábitos. Elesdisseram-na que ela precisava ser internada. Ela se recusou. Ela tinha dezenove anos, nãopoderiam forçá-la. J erry perdeu a paciência e disse que não iria pagar a faculdade até queela estivesse saudável. C assie saiu. Ela ligou para C indy e disse que voltaria para casa nosábado, e que estava na casa de uma amiga. Ela estava no motel, Ela bebeu, se entupiu decomida, e vomitou por dois dias.— Então foi um ataque cardíaco? Por que seus eletrólitos estavam uma bagunça?M amãe puxou o afegão para cima contra seu peito. — N ão, querida. O esôfago de C assierompeu.— Rompeu.— Rasgou. Síndrome de Boerhaave, geralmente vista em alcoólatras que regularmentevomitam após beber demais. V omitar forçosamente pode ser suficiente para rasgar oesôfago. — M amãe olhou para suas mãos. —Ela estava vomitando no banheiro do motelquando o rompimento ocorreu. Ela também estava, como eu disse, muito, muito bêbada.Ela entrou em choque e morreu no banheiro.Eu conto até dez, e depois até cem. Minha mãe espera, observando. Inspire. Expire.— Você tem alguma pergunta? — ela finalmente pergunta.— Será que vai sair no jornal?M inha mãe balança a cabeça. —Eu duvido. Uma vez que não houve drogas envolvidas,irão dizer algo como que a morte foi o resultado de uma condição médica pré existente.Lá fora, na rua, as pessoas estão voltando para seus carros, travando as portas, e seafastando tão rápido quanto podem. Se eu fosse a Sra. Parrish, eu não os deixaria sair. Eu osimploraria para irem em alguns meses, ou pagaria a estranhos para ocuparem cada cômodo,comer minha comida, bagunçar meus tapetes, só assim a casa não ficaria vazia.— Ela sentiu algo?M inha mãe acende a lâmpada na mesa ao lado dela. A tempestade desceu dasmontanhas. — Eu temo que o tenha. Ela morreu em terror e sozinha. É um modo terrívelde ir.Eu sou um iceberg a deriva em direção a borda domapa.— Eu não acredito em você, — eu digo. — Você está inventando isso para me assustar.— Eu não preciso fazer coisa alguma. Ela está morta, você foi ao funeral dela. C indy irá lhemostrar o resultado da autópsia, se você quiser.—Eu não quero mais falar.M inha mãe se inclina para frente. — V ocê está autorizada a se sentir chateada sobreisso. Na verdade, eu prefiro te ver chateada que fingindo que isto não a incomoda.— V ocê não tem que se preocupar. — Sento-me e começo a trançar meu cabelo. —Estou triste que ela morreu e estou realmente triste que ela tenha morrido de um péssimomodo, mas isso não vai arruinar a minha vida. M esmo antes do último verão, C assie e eunão estávamos mais tão próximas como quando éramos crianças.Ouvimos o vento soprar.— C indy quer falar com você, — minha mãe diz. — Ela me disse que você é a únicapessoa que pode ajudá-la a compreender por quê.—Por quê?Ela acena com a cabeça. — C assie tinha tudo: uma família que a amava, amigos,atividades. A mãe dela quer saber por que ela jogou tudo fora?Por quê? Você quer saber por quê?C aminhe a uma cabine de bronzeamento e frite a si mesmo por dois ou três dias. Depoisque suas bolhas na pele descascarem, role em sal grosso, em seguida puxe sua roupa debaixo de tecido longo em vidro fiado e arame farpado. Depois vista suas roupas normais,desde que elas estejam apertadas.Fume pólvora e vá à escola para saltar através de aros, sentar-se e implorar, e rolaratravés do comando. Ouça os sussurros que envolvem sua cabeça durante a noite,chamando-te de feia e gorda e estúpida e vadia e puta e o pior de todos —uma decepção.— V omite e passe fome e corte e beba porque você não quer sentir nada disso. V omite epasse fome e corte e beba porque você precisa de um anestésico e ele funciona. Por umtempo. M as, depois o anestésico se transforma em veneno e aí já é tarde demais, por quevocê o está injetando agora, direto para sua alma. Ele está te apodrecendo e você não podeparar.Olhe-se num espelho e encontre um fantasma. Ouça cada batida de coraçãocadacoisinha está errada com você.— Por quê? é a pergunta errada.Pergunte — Por quê não?O bipe vibra na mesa da cozinha. Ela pragueja, o verifica, e faz a chamada mágica. —Dra. M arrigan. — Depois de ouvir, ela voa para fora do cômodo e sobe as escadas. Eu medeito.O cobertor finalmente aqueceu e eu me enterro debaixo dele. M inha barriga de ratogeme por que ela forçou quase mil calorias para dentro de mim. Terei que permanecer forteaté o jantar de amanhã para equilibrar tudo.Eu vou à deriva...— Lia, acorde. — Ela balança meu ombro novamente. —Eu tenho que ir. O hospital. —Seus olhos estão virados em minha direção, mas ela está vendo leituras de EC G{18} erelatórios de exame de sangue e a limpa, linha fumegante que ela estará cortando atravésdo peito de um paciente em uma hora ou duas.Eu me sento, tremendo, e procuro pelos controles do cobertor. —Esta coisa não estáfuncionando.— Eu desconectei, assim você não se queimaria. — Ela fechou o casaco e se inclinoupara beijar a minha bochecha.— Sinto muito, eu tenho que ir. — Ela beija o topo da minha cabeça. — Tenha algumdescanso.Ela bate a porta ao sair, mas não porque está com raiva. A Dra. M arrigan sempre bate asportas para ter certeza de que elas estão bem fechadas.[037.00]A casa da minha mãe respira e come. O lavador de pratos repete o ciclo através deE N XAGUAR, ESFREGAR, LAVAGEM N ORM AL, E N XAGUAR AN TI BAC TERI C I DA, eSEC AR. O sistema de aquecimento filtra todo o ar através de pulmões eletrostáticos e oexala quietamente. O tanque de água quente dispara para cima. O compressor da geladeirafaz barulho, em seguida zumbi, para manter tudo gelado.N ão importa se eu gritei alto o bastante para quebrar todas as janelas. Tudo continua afuncionar de acordo com o manual do proprietário e garantido por um volumoso arquivode garantias.Eu tremo pelo chão e vou ao banheiro. Quando eu dou a descarga, a água leva tudo forade vista. Antes de voltar para debaixo do cobertor, eu abro as cortinas e fico na frente dasfrias portas francesas que ignoram o que costumava ser o céu no quintal. Quando meu painos deixou, ela contratou paisagistas para transformar a horta em um canteiro de plantasperenes, algo que ela não precisasse mexer ou de muita água.A pilha de compostagem foi retirada, o jardim de ervas se tornou semente, e o loteespecial de plantas de morango se transformou em uma passagem. Rapazes vinham umavez por semana para cortar, aparar, e limpar.Eu não acho que ela os tenha contratado este ano. Deve ter sido uma selva em J ulho eAgosto. Agora era uma selva morta. A grama está na altura do joelho e marrom morta,coberta por cascas de ervas daninhas e galhos caídos. Os irregulares arbustos perenesestavam com videiras secas. O coto da árvore bordo que costumava suportar minha casa naárvore está podre. É como se ela nem sequer soubesse que tem um quintal.... Minha casa na árvore foi o nosso castelo até o verão em que tínhamos doze anos.N anna M arrigan veio para ficar quando a escola acabou, por que eu estava muito velhapara ter uma babá e muito jovem para ficar sozinha. Ela cozinhava todas as manhãs: pãode abobrinha, biscoitos de aveia, ou torta de arando. Ela me ensinou a tricotar e a C assiecomo fazer crochê, os comprimentos de fios sem fim saíam do carretel sobre suas mãos depapel e ao redor de seus dedos tortos.Nós não queríamos assistir a uma velha senhora cozinhar ou tricotar. Nós queríamos ir aoshopping. N ós queríamos estalar nossos dedos e fazer dezesseis anos assim poderíamosdirigir carros e ter namorados perigosos.A casa da árvore era muito pequena para meninas inquietas como nós, mas era tudo o quetínhamos. N ós líamos, jogávamos uístes e Uno, pintávamos nossas unhas, e comíamosPopsicles e sanduíches de queijo e mostarda até que nossas camisetas ficassempermanentemente manchadas.Aquele foi o verão em que finalmente cresci, depois de anos sendo menor que qualquerum. A puberdade me esticou nas costelas até meus braços e pernas estalarem fora de suasbases e meu pescoço quase se rompeu. Esse novo corpo cheirava a úmido. A bunda mexia,as coxas pareciam ter uma milha, e um suave queixo duplo borbulhou. Minha professora debalé apertou os centímetros extras, tirou meu solo, e me disse para parar de comer sorvetede nozes- bordo. Eu fui de cisne elegante para patinho feio que não podia andar semtropeçar em seus próprios pés.C assie disse que balé era para bebês. Eu disse que realmente não me importava, mesmoque eu me importasse. Dois dias depois, ela foi para o acampamento de drama e eu estavasozinha.Foi nesse verão que o livro mais famoso de meu pai foi publicado e ele estava nos jornaiso tempo todo, e minha mãe descobriu sobre sua nova namorada. Ele dormiu no sofádurante algumas semanas, e então saiu de casa. Disse- me que sempre me amaria, nãoimportava o que, alugou um apartamento de um quarto, e se foi. Nanna Marrigandisse que os ventos levassem o lixo ruim, por que ela nunca gostou do meu pai paracomeçar.Minha mãe pediu o divórcio.N o escritório do conselheiro, meus pais diziam que sempre seríamos uma família porcausa de mim, mas as coisas estavam melhores agora. Sem gritos, sem argumentos. Aodesmontar nossa família, eles estavam a tornando na verdade, mais forte. N o momento emque percebi que eles não estavam fazendo sentido, o aconselhamento familiar estava feito epapai estava andando pelo corredor com Jennifer.O surto de crescimento deixou meus órgãos internos em pedaços. A dor me acordava,gritando, quase toda noite. M inha mãe havia feito testes em mim para vinte tipos decâncer e consultou especialistas que analisaram as imagens preto-e-branco das minhasentranhas e disseram que não havia nada de errado comigo. A dor iria embora quando euparasse de crescer.Eles mentiram, também. Só piorou.N anna M arrigan voltou para casa pouco antes de a escola começar. C assie voltou doacampamento com um falso sotaque britânico, um sórdido caso de era venenosa, e trêscaixas de laxantes.Eu mostrei a ela como eu vinha fazendo pequenos cortes na minha pele para permitirque a maldade e a dor vazassem. Eles eram superficiais a princípio, e curtos, como marcasde garras feitas por um gato desesperado que queria se esconder debaixo da varanda dafrente. C ortar a dor era um diferente sabor de dor. Foi isso que fez mais fácil não pensarsobre ter meu corpo e minha família e minha vida roubados, fez mais fácil eu não me importar...O interior de C assandra J ane estourou como uma bexiga rosa de festa. N inguém cantoupara ela ou a abraçou ou a ajudou a recolher os pedaços quebrados. Ela morreu sozinha.Eu não posso me deixar olhar para qualquer uma das janelas em frente à casa dela, porque só agora estou entendendo que ela nunca mais dormirá lá, nunca baterá a porta, nuncacantará no chuveiro enquanto lava o cabelo.Eu faço meu caminho de volta para a sala familiar, os olhos fechados, os pés searrastando pelo chão. Eu não me deixo ver nada até que esteja longe das perigosas janelas.M eu estomago ainda está gemendo, então eu volto para o cobertor no sofá, o conecto eligo em ALTO. A gordura dos ovos se mistura com a massa do muffin e com o suco.Derrama-se em minhas artérias, uma lama de lenta movimentação que quer se transformarem concreto. A qualquer minuto agora meu coração poderia simplesmenteparar.[038.00]Eu acordei mais confusa que o habitual, por que minha cama não estava virada nadireção correta, isso nem mesmo é uma cama, é um sofá, o sofá de minha mãe, o macio sofána casa de minha mãe. Eu estou coberta por uma pesada colcha de mulher-M arrigan,cheia de retalhos de pedaços de vestidos antigos e saias desgastadas.Eu não me lembro de adormecer ou não ser capaz de adormecer ou até mesmo desonhar. Eu não acordei quando mamãe chegou em casa. Eu não posso dizer se isso é coisaboa ou ruim.Cassie não me visitou na noite passada. Isso é uma coisa boa. Talvez ela possa finalmentedormir, também.O ar cheira como sempre: café e água sanitária.— Mãe? — A palavra tem um gosto engraçado.— Aqui. — Ela responde fracamente.Eu enrolo a colcha ao meu redor e me arrasto através da casa. Parece que eu estive foradurante seis vidas, e não seis meses.Depois que papai se foi, ela mudou tudo: mobília nova, tapetes novos, uma cozinhatotalmente nova. Ela demoliu algumas paredes, redesenhou o espaço em cada andar,colocou janelas novas, e trocou as portas. Nós passamos dois anos pisando sobre carpinteirose pedreiros e caras cobertos de poeira que xingavam bastante. Quando estava acabado, elatinha uma casa novinha em folha, imaculada pela presença de meu pai.Eu meio que esperava que ela fizesse o mesmo novamente depois que eu me fui, mastanto quanto posso dizer é que uma única coisa mudou: todas as pinturas e mapas e fotosdo M aine e de seus avós e eu como uma bailarina, e eu como um bebê dormindo no ombrodela, todas elas foram retiradas das paredes e colocadas no chão. Deixaram os fantasmaspara trás, brilhantes retângulos coloridos com ganchos de fotos nus e finos pregos salientesdespontando do meio. O resto das paredes está desbotado.A voz dela se infiltra através da porta fechada da biblioteca. —Eu vou sair em umminuto.— Eu vou estar lá em cima.M eu quarto está exatamente do jeito que eu deixei quando me transportaram do N ewSeasons pela última vez, desde as impressões na porta do armário até os pedaços de cartõesde aniversário no chão. Ela não mandou a faxineira fazer minha cama ou levá-la para acalçada ou aspirá-la ou tirar o pó.A estrutura da porta ainda tem marcas de lápis mostrando o quanto cresci a cada anodepois que nos mudamos, até que eu fui para o colégio. Aqui está a única coisa diferente: aestrutura foi pintada com um revestimento claro, protegendo as linhas e as datas de seremapagadas acidentalmente. —Lia? Café da manhã.— Estou indo.N o momento em que chego na cozinha, ela está servindo-se de uma tigela com granola.O balcão está repleto de comida: caixas de cereais, pacotes de aveia, pão de forma, bananas,a caixa de ovos, caixas de iogurte, sacos de pão de rosca e rosquinhas. Ela foi fazer comprasenquanto eu estava dormindo.N ós olhamos uma para a outra por sobre a comida. N enhuma de nós diz uma palavra,mas o velho roteiro está suspenso no ar:vocêtemquecomer/eunãoestoucomfome/comaalgumacoisa/paredemeforçar/meescute/medeixeempazDo outro lado da rua, a Sra. Parrish está caminhando através de uma casa sem filha,uma cozinha sem Cassie.O cheiro dasrosquinhasedopão está celestial junto do açúcar e eu sei o que uma provadafaria eu tenho que comer um pouco de algo ou ela vai ficar louca e eu estou muito cansadapara lidar com isso. Eu pego um pão de forma. — I sto não tem muita frutose de xarope demilho, certo?. — Eu pergunto.— C laro que não, — ela diz, despejando leite de soja em sua tigela. Seus olhos searregalam um pouco quando eu pego um pão (77) e o coloco na torradeira.— Ainda tem alguma geléia de morango que Nanna deixou?— Eu joguei fora. N ão confiava nos selos depois de tantos anos. Eu comprei ameixa emconserva e mel.Comer apenas torrada a detonaria. — Eu vou pegar um pouco de mel.Quando o pão está pronto, eu ponho uma camada microscópica (30) nele e ponho cafépreto em uma xícara. Ela finge não ouvir ou observar enquanto eu mastigo meu café damanhã. Eu finjo que não estou a vendo fingir. —Por que todas as fotos estão no chão? — eu pergunto.— Eu venho querendo pintar, mas não consegui decidir a cor, — ela diz. — Durantemeses. Eu apenas deveria pendurá-las de volta.Nós não temos mais nada para falar. Graças a Deus pelo jornal.Depois que os pratos estão lavados, eu tomo banho e escovo os dentes, não deixandomeus olhos desviarem para os espelhos. Eu me visto tão devagar quanto posso e rezo paraque aconteça um desastre natural que exija que todos os médicos vão para o hospital peloresto do dia. —Lia? — ela chama. —Você não vai voltar?Ela está esperando na sala familiar. Quando entro, o cabelo escorrendo pelas minhascostas, ela acaricia a almofada no sofá perto dela, uma vez, como se ela não tivesse certezado que isso significa ou não.Sento-me no outro sofá, aquele com o cobertor elétrico.— Então, — ela diz. — O que você gostaria de fazer?— Eu não sei. O que você quer fazer?— Nós poderíamos conversar.Eu simplesmente deveria voltar para a cama. — Ok.— Como está a escola?— Uma porcaria.Ela se inclina para frente para arrumar os jornais na mesa entre nós. — V ocê já pegouseu formulário? Foi conhecer o campus na faculdade?— Eu não preciso ir conhecer. Eu tenho andado por lá desde que era bebê.— Pode lhe dar uma nova perspectiva. V ocê poderia conhecer a pessoa que conduz ospasseios, fazer alguns amigos novos: Pode ajudar com sua motivação.E assim começa.Eu jogo o cobertor e fico em pé. — I sso é estúpido. V ocê vai me repreender e mandar aomeu redor, eu vou gritar de volta, será como sempre. N ão podemos sequer fingir que nosdamos bem. Estou indo.Ela ergue as duas mãos. —Espere. Sinto muito. Sem repreensões, eu prometo. Apenasmais alguns minutos, por favor?. —Eu sento e olho para meus pés.— Quando você morava aqui, — ela continua, — e visitava seu pai nos finais desemana, o que você fazia com ele?— N a maioria das vezes íamos a livrarias e líamos. Às vezes ele me levava para jogarsquash. —Você gosta de jogar squash?— Não. É um jogo horrível.— Por que você ia com ele?—I sso o faz feliz. — Eu espero que ela recite tudo o que há de errado com o ProfessorOverbrook, o catálogo de seus defeitos e maus hábitos, e gestos irritantes, mas ela não o faz.Ela está olhando para os meus pés, também. ElaSento-me de novo. —Podemos ver TV?— Boa idéia. — Ela pega o controle remoto e o aponta. N ós assistimos ao DiscoveryChannel a manhã toda.É melhor que conversar, mas não é tão bom quanto correrporta afora.Ela não comenta sobre meu almoço de alface e pepinos. Eu não digo nada quando eladesaparece em seu computador a maior parte da tarde.Os simuladores de luta gentilmente atrás do fogão durante a tarde toda, as bolhassubindo e estourando, ingredientes caindo no fundo, depois voltam a superfície. N ão fervemais até o por do sol.Minha mãe decide que teremos sushi para o jantar. Eu decido que não vou buscá-lo comela. Ela decide que comeremos na mesa da sala de jantar, por que quando as coisas sãoformais, ela está no controle. Eu decido ler enquanto como. Ela decide que eu vou comerquatro pedaços de sushi e quatro pedaços de sashimi e uma tigela de macarrão udon etempurá com camarão frito. Eu decido que não estou com fome. Eu bebo chá verde emuma xícara sem asa.Ela espera até o prato estar vazio para soltar a bomba.— Eu quero que você volte para cá.— Não.— V ocê fez um bom progresso com seu pai por um tempo, — ela continua, — masparece que ele parou.O chão sussurra sob minha cadeira e videiras crescem sob as tábuas de carvalho polido.Eu não quero falar sobre isso ou escutar ela falar sobre isso.Ela continua seu discurso. Ela deve ter trabalhado nele por dias. — Eu não espero serconvidada a voltar a suas sessões de terapia. O que acontece lá é entre você e a Dra. Parker.Mas, eu acho que aqui seria um ambiente mais saudável agora .Eu cresço as videiras até minhas pernas e as teço em uma espiral apertada ao meu redoraté chegarem ao teto. Eu mal posso vê-la por entre os espinhos. Eles bloqueiam a maiorparte de suas palavras, deixando-me divagar em um meio sono. Uma pergunta afiada metrás de volta.— Que tal no próximo fim de semana?— O quê?— Eu não vou me mudar.Eu preciso de um desvio. Eu forço minha mão através das videiras, pego um pedaço desushi e o enfio na minha boca, engolindo sem sentir o gosto. A única maneira de sair disso éagir normalmente.— Que tal a cada duas semanas? — Ela pergunta.— Não.— Por que não?— Por que eu não quero. Eu não preciso. Olha, eu estou comendo. Eu estou saudável.Eu sou normal. Se qualquer coisa, voltar aqui, irá despertar. Este é o lugar onde eu moravaquando tudo começou. A casa de Cassie está do outro lado da rua.M eu cérebro (N ÃO!) e estomago (N ÃO!) gritam para mim (N ÃO! N ÃO! N ÃO!), mas euforço uma colher de macarrão passar por meus dentes e engulo.— Que tal apenas tentarmos um pequeno teste - uma semana? — ela sugere. — V ocêpoderia vir para o feriado de N atal e voltar para seu pai quando a escola começar emJaneiro.A máscara dela desliza e seus ombros caem. —V ocê me odeia tanto assim? — elapergunta em uma voz crua. — V ocê não pode nem mesmo passar uma semana de suasférias aqui?Os macarrões param no meio da minha garganta. — N ós mal podemos ficar numamesma sala por uma hora, mãe. O que faríamos em uma semana?— Eu poderia te ensinar a jogar bridge, — ela diz.— Eu prefiro aprender pôquer.— Eu pedirei a um dos meus estagiários a me ensinar como jogar. Então, você virá para oferiado?N ão, eu nunca colocarei os pés nesta casa novamente ela me assusta e me deixa triste eeu gostaria que você pudesse ser uma mãe cujos olhos funcionassem, mas eu não acho quevocê possa.— Claro.Ela sorri. —Obrigada, Lia. Esse é um começo.Os olhos dela se enchem de lágrimas e eu não posso mais ficar nessa sala.Eu me levanto. —Posso usar seu computador? Tenho lição de casa.— Claro. A senha é -— Lia. Eu me lembro.Eu gasto quinze minutos pesquisando o nome de Cassie e verificando sites de notícias locaispara ver sepublicaram mais histórias sobre ela. Não publicaram.M eus dedos alcançam a tela e vasculham pelo lixo até encontrarem a casa do coro dosguinchos; garotas famintas cantando hinos infinitos enquanto nossas gargantas sangram eenferrujam e se enchem com solidão. Eu poderia percorrer essas músicas pelo resto deminha vida e nunca encontrar o início.Eu preciso de alguma inspiração.Eu preciso de um amigo de texto para o jejum amanhã...Por favor, ajuda!!!Boa sorte hoje, lindas. Vocês são fortes e farão o dia ser maravilhoso.Yeah eu me sinto enorme neste mesmo instante... só comi uma tigela de cereal hojeque estava boa.Se eu comer aquilo terei que correr para me livrar dele. Mas estou muito cansada para correr. Alguém já se sentiu assim?Os sites e as salas de bate-papo sempre estão cheias com o zumbido de pequenas asas,moscas batendo-se contra o interior do monitor, sem saber por que estão tentando escapar.Isso nunca mudará.Eu digito o endereço do blog secreto de C assie. Ela parou de acessar depois que ela pirouno verão passado, mas não o deletou. Eu me pergunto se ela o observava tanto quanto eu.As luzes da internet me atravessam como se eu fosse um saco de papel, ondas devarinha mágica, e flash, as fotos de duas meninas flash acenando de uma casa na árvore,lábios corados de Popsicle de uva flash usando maiôs idênticos flash o feriado de Natal daoitava série em Killington, o N atal que papai foi em lua de mel, o N atal que mamãe tinhainstalado madeira de lei rija em toda a casa, o N atal em que me recusei a ir com ela visitarum novo hospital na C osta Rica, o N atal que os Parrish tiveram pena de mim e carregaramminha mala no carro para a viagem a Vermont. Eu trouxe uma mochila cheia com livros deTamora Pierce, uma faca pequena, e vodca roubada do gabinete de licor da mamãe.N ós esquiamos por uma semana e um dia. C assie e eu estávamos na oitava série como setivéssemos vinte e cinco, crescemos com passes de elevadores e praticamente nosso próprioapartamento, uma mini suíte próxima aos pais dela no tempo compartilhável docondomínio. Flertamos com os caras que trabalhavam nos elevadores e fingíamos que elestinham flertado de volta. Estávamos obcecadas sobre que roupa de banho usar na banheirade água quente e anotávamos as calorias de cada mordida de comida.flash nós tirando nossa própria foto, bochechas sugadas flash nós comparando o tamanhode nossas bundas.Para a véspera de Ano N ovo, os pais dela nos deram uma garrafa de champanhe semálcool. Depois que eles saíram para a festa no alojamento ("N ão deixem ninguém entrar,meninas, estamos confiando em vocês") C assie a misturou com minha vodca. N óscomemos biscoitos de gengibre caseiros e bebemos até que nossas cabeças flutuavam portaafora, descendo as escadas, e entrando na noite congelada.A unha de uma lua nova nos assistiu tropeçar através da colina do coelho atrás docondomínio. Fizemos anjos de neve e tentamos soprar anéis de fumaça com nossarespiração fumegante. C assie ficou de quatro como um lobo e uivou para a lua, os olhosbrilhando. Eu fiz o lobo mau. Eu não podia parar de rir. Ela uivou mais alto e maisselvagem, tentando trazer lobos de verdade para fora das florestas, ou pelo menosoperadores de esqui, até que alguém abriu uma janela e disse-lhe para calar a boca. N ósdesabamos na neve, rindo.Fogos de artifício explodiram lá em cima. Sinos tocaram. Estranhos gritaram em uma sóvoz, por que era Ano Novo e foi dado a todos um novo começo.— N ós temos que fazer resoluções, — eu disse. — Eu decidi ler um livro por dia duranteo ano inteiro.— Isso é estúpido, — Cassie disse. — Você já faz isso.— Então qual a sua?Ela pensou sobre. —Resoluções são chatas. Eu quero fazer um juramento.— Eu juro voltar para dentro por que minha bunda está congelando.— N ão, ouça. — Ela sentou e agarrou meus braços. — É meia-noite, é um momentomágico. Qualquer coisa que jurarmos esta noite, se tornará realidade.Esta era a C assie da terceira-quarta-quinta série, a garota forte o suficiente para socarmeninos e louca osuficiente para jogá-los nas rosas. Eu a teria seguido até um poço de fogo.Ficamos de joelho.— Eu juro que sempre irei fazer o que eu quero. — Ela ofereceu suas mãos para a lua. —Eu serei feliz e rica e magra e gostosa. Tão gostosa que os garotos vão me implorar.Eu ri novamente. —Pare com isso, — ela sussurrou. —Sua vez. Pense antes de abrir a boca.Eu nunca seria popular. Eu não queria ser; eu gostava de ser tímida. Eu nunca seria amais inteligente ou a mais gostosa ou a mais feliz. N a oitava série, você começa a descobrirseus limites. Mas havia uma coisa na qual eu era realmente boa.Eu peguei a faca do bolso e cortei minha mão, só um pouquinho. —Eu juro ser a garotamais magra na escola, mais magra que você.Os olhos de C assie se arregalaram enquanto o sangue se acumulava na minha mão. Elapegou a faca e cortou a palma da mão. —Eu aposto que serei mais magra que você.— Não, não torne isso uma aposta. Vamos ser as mais magras juntas.Ok, mas eu serei a mais magra.N ós esfregamos nossas mãos e misturamos nosso sangue por que era proibido e perigoso.As estrelas giravam acima de nós e os fogos de artifício brilhavam. A lua estava observandoenquanto as gotas de sangue caíam, sementes descuidadas que chiaram na neve.flash o primeiro dia na nona série, cortes de cabeloruinsflash décima série e fotos do baile com veteranos que não podíamos ficarflash ano passado, a festa do elenco, C assie, mais bêbada do que sabiam, eu observandode um canto.M inha mãe bate suavemente e abre a porta. — Está ficando tarde. Eu coloquei lençóislimpos na sua cama, no caso de você querer ficar aqui esta noite.Eu mantenho meus olhos na tela, os dedos gritando através das teclas para apagar meuhistórico. Ela não pode ver o que estou fazendo. Ela se move para a janela e puxa a cortinapara o lado.— Oh, não, — ela diz. —Isso não é bom.Eu desligo o computador e me junto a ela. Do outro lado da rua, a Sra. Parrish estásentada na calçada, balançando para trás e para frente, os braços em volta de seu corpo,usando uma camisola fina e chinelos esfarrapados em seus pés.— Eu vou cuidar dela, — minha mãe diz. —Você deve ir para a cama.— Eu preciso voltar para meu pai, — eu digo. — Eu não estava planejando passar duasnoites. Minhas coisas para a escola estão lá.M inha mãe sai primeiro, enquanto estou me arrumando. Eu limpo a cozinha e inicio olava-louças. Antes que eu possa escapar, uma faca de cabo de porcelana da cômoda da boaprataria de Nanna Marrigan desliza para minha bolsa.Meu carro não morre até eu chegar na entrada da garagem de Jennifer.[039.00]Dirigir com as luzes vermelhas piscando no painel faz o motor do meu carro pegar.M otores mortos são caros e é uma coisa ruim ver meu pai louco. Eu soudescuidada/irresponsável/simplesmente estúpida às vezes. Quando ele grita para mim,uma veia sobre sua sobrancelha esquerda aparece e treme. O rugido de seu brado fazEmma correr para o quarto dela, com K ora e Pluto atrás dela. J ennifer tenta arbitrarperguntando ao meu pai se ele quer ir passear com ela, mas ele a expulsa e se enfurececomigo por mais meia hora.Eu quero dizer a ele que é apenas um carro estúpido, mas pedaços de mim estãoespalhados por toda a cidade: no cemitério, na escola, no quarto de C assie, no motel, em péna frente da pia da cozinha da minha mãe. É preciso muita energia para rejuntar todos ospedaços, então eu apenas sento lá e observo ele implodir. N ão é como se ele pudesse mepunir mais. O que ele vai fazer? M e fazer ficar em meu quarto? Retirar meus privilégios detelefone?Eu terei que pegar o ônibus para a escola a partir de agora. ]A temporada de futebol deEmma acabou e a de basquete começará. Eu pratico com ela na calçada. Ela conseguedriblar três vezes antes que a bola fuja. É meu trabalho pegá-la de volta.Ela fala constantemente, sem nunca parar para respirar: as crianças em sua classe, o olhoespasmante de seu professor, os espetinhos de peixe no refeitório, o cheiro do banheiro, osensaios do Concerto de Inverno. Ela quer aprender a esquiar, patinar e praticar snowboard.Pilotar uma motoneve parece divertido, também. Ela quer que eu convença o papai acomprar uma para nós. Ela me pergunta se eu acredito em Papai N oel e se o Papai N oel éprimo de J esus, por que ela acha que eles estão relacionados, mas eles certamente não separecem. Quando seus dentes começam a bater por causa do frio, eu faço para elachocolate quente a partir do zero. Eu estou tão forte que nem mesmo preciso que um grãode açúcar caia na minha boca.Eu preciso gravar a voz dela balbuciando para que eu possa ouvi-la quando ela nãoestiver por perto.A Sra. Parrish deixa uma mensagem para mim no telefone residencial todos os dias duranteduas semanas. Ela quer/precisa/exige/implora/solicita/merece/daria qualquer coisa apenaspara falar comigo. Por dez minutos.É importante/vital/decisivo/imperativo/necessário/essencial/ crucial que eu ligue paraela de volta. Uma vez ela diz que minha mãe deveria estar lá também. N a próxima vez eladiz que eu não me preocupe com minha mãe, desde que eu ligue de volta.As pessoas na escola estão dizendo que C assie morreu de superdose de heroína. Eu nãosei se devo dizer a verdade. É melhor ser conhecida como a garota que morreu com umaagulha no braço, ou como a garota que rasgou a si mesma vomitando demais?A equipe do anuário está tendo uma grande briga sobre quanto espaço dar ao memorialdela. As pessoas que a conheciam acham que deveria ser uma página inteira. As pessoasque acreditam nos rumores sobre como ela morreu acham que meia página no máximo ouque talvez os pais dela pudessem comprar um quarto de painel, assim a imagem de C assiepoderia estar com a loja de ferragens local, agência de seguros e florista.Eu deixo uma mensagem para Elijah todos os dias durante duas semanas. Eu digo queencontrei o ferro velho, mas ele não liga de volta. Eu aposto que ele descobriu a bagunçaque eu sou, o que é ruim por que eu preciso dele para me falar mais sobre o último dia deCassie. Isso poderia me ajudar a descobrir como fazê-la ir embora.Ela não foi embora. Se qualquer coisa, ser enterrada a fez mais forte e irritada.C assie abre sua caixa de Pandora toda noite e pega uma carona pro meu quarto. Ela nãoobserva mais das sombras. Ela ataca. Uma vez que as pílulas de dormir prendem meusbraços e pernas no colchão, ela abre o meu crânio e arranca a instalação. Ela grita buracosem meu cérebro e vomita sangue em minha garganta.É mais fácil ignorar o comprimido para dormir, espero até que papai e J ennifer estejamroncando, e passo três ou quatro horas no simulador de escadas. Quando eu finalmenterastejo até a cama, meu travesseiro cheira a açúcar queimado e cravo e gengibre.Estou com 44.452.Estou com 43.998.Eu afio a bonita faca de N anna M arrigan e a escondo debaixo do meu colchão, só para ocaso. Estou com 43.772.Algumas noites eu não durmo nada. Depois de trabalhar fora, eu tricoto, ponto a ponto,música nos meus fones de ouvido, balançando para frente e para trás. C omeçou como umlenço no ano passado, mas depois criou asas quando eu não estava prestando atenção eexigiu ser chamado de xale, o que eu fiz, e depois quando estava enterrado na cesta, ele semultiplicou e se transformou em um cobertor de uma centena de cores e de mil histórias.Eunão uso fio de loja. Eu compro blusas velhas de lojas de consignação, quanto mais velhamelhor, e então as desembaraço. Existem países de mulheres nesse lenço/xale/cobertor.Logo estará grande o suficiente para me manter aquecida.M inha boca e língua e barriga começaram a conspirar contra mim. Eu cochilo no meuquarto e bam! Estou em pé de frente da geladeira, a porta aberta, a mão alcançando ocreme de queijo. Ou a manteiga. Ou o resto da lasanha. —Dê uma mordida, — a luz branca dentro da geladeira me diz. —Uma colher de sopa,uma colher de chá. Esquente um prato de lasanha, devagar, a quarenta por cento do poderdo micro ondas, e em seguida coloque no forno, em cima do engradado, a quatrocentosgraus até que o queijo borbulhe e as bordas fiquem douradas. Sente na cadeira de J ennifercom o garfo folheado a prata e a faca de cabo de porcelana e entalhe um quadradodevagar. Tome uma pílula para retardar a hora de dormir - você vai querer aproveitar isso.Encha a boca com queijo derretido e salsicha e molho de tomate - fresco do verão/curto namargem/molho de tomate dançante - e uma prancha de macarrão tão grossa quanto sualíngua. Engula. Acenda as estrelas em seu cérebro, eletrifique o seu corpo, ate seu sorriso, etodo mundo te amará novamente.Se eu achasse que conseguiria parar depois de uma mordida, duas no máximo, eu faria.Mas, eu estou com43.545, perto da terra do perigo. Uma mordida de lasanha provocaria uma revolução. Umamordida, dez mordidas, a bandeja inteira desceria por minha garganta abaixo. E então eucomeria Oreos. E então eu comeria sorvete de baunilha. E Bluberridazzlepops, o resto dacaixa. E então, pouco antes de explodir, meu estomago se romperia e toda a comida cairiana cavidade do meu corpo, o sangue me inundaria, e então eu teria que ir para a caixasecreta em meu armário e pegar os laxantes e morrer de humilhação no banheiro.Eu pego o jarro de picles. Uma lança, e endro de kosher = 5.K ora e Pluto me seguem escada acima. Eu verifico a caixa secreta - laxantes e diuréticosde emergência - só para o caso. Eu não os uso há meses. É uma boa coisa eu ter verificadopor que os suprimentos estão poucos. Devo me lembrar disso.Quando eu deito na minha cama, os gatos pulam. Eles se enrolam em meus lugares ocose ronronam tão profundamente que isso ecoa em meus ossos.[040.00]N ão. Devo. C omer. N ão. Devo. C omer. N ão. Devo. C omer. N ão. Devo. C omer. N ão.Devo. C omer. N ão. Devo. C omer. N ão. Devo. C omer. N ão. Devo. C omer. N ão. Devo.C omer. N ão. Devo. C omer. N ão. Devo. C omer. N ão. Devo. C omer. N ão. Devo. C omer.N ão. Devo. C omer. N ão. Devo. C omer. N ão. Devo. 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Ela acha que é a jogadora central por que é muitoforte.Eu estou na zona: um bagel de tamanho médio (75) para o café da manhã, uma maçã(82) para o almoço, e o que quer que eu tenha que comer no jantar (500 - 600) para ficarlonge de encrenca. Mamãe Dra. M arrigan manda e-mails para meu pai e diz que estará nohospital desde então até o N atal, mas que depois disso, ela terá uma semana de folga e queeu concordei em ficar com ela. Ela menciona J ennifer e a mim na mensagem. QuandoJennifer me pergunta sobre isto, digo que ainda não me decidi realmente.Agora, que o I nverno está aqui (isto é oficial, por que há uma árvore derramandoagulhas em nossa sala de estar) é mais fácil me esconder debaixo de camadas de roupasíntimas longas e pulôveres, moletons volumosos e colchas fofas. Apenas não olhe para agarota atrás da cortina. Os joelhos dela estão mais largos que as coxas. Os cotovelos delaestão mais largos que os braços.J ennifer está suspeitando das balanças. Eu executo a cirurgia na balança Blubber-OMeter 3000, mexendo nela até que mostre que eu peso 47.400. Ela suspira pesadamenteenquanto escreve o número.— Eu realmente sinto muito, — eu digo. —Tentarei mais fortemente, eu prometo. Sónão fique furiosa comigo.J ennifer informa o novo número a papai. Eu deveria estar no chuveiro, ao invés deespiando na metade da escada.— Sim, ela perdeu algumas gramas, mas uma vez que você comece seu assado deferiado, ela não resistirá, — ele disse.— Se ela perder mais um pouco, ela terá que fazer um exame. Mesmo que tenhamos quefazer um grande alarde sobre isso, diremos que o único modo de a deixarmos ficar é se ela ofizer.— N ão precisa chegar a isto. Por que você não faz um bolinho de queijo esse fim desemana, com morangos em cima? Ela costumava adorar.A adrenalina sobe quando você está morrendo de fome. É isso que ninguém entende.Exceto por estar faminta e fria, na maioria do tempo eu sinto como se pudesse fazerqualquer coisa. I sso me dá poderes sobre humanos de cheirar e ouvir. Eu posso ver o que aspessoas estão pensando, fico dois passos a frente delas. Eu faço bastante lição de casa paraficar fora do radar. Todas as noites eu escalo milhares de degraus até o céu para ficar tãoexausta que quando eu deito na cama, não noto Cassie.Então, de repente é manhã e eu pulo na roda do hamster e tudo começa novamente.Quinhentas calorias por dia estão funcionando. Verdade =42.637.Outra meta de peso. W00t{19}.Eu deveria ser champanhe com brilho de diamante disparando contra as estrelas, mas oauto-falante entre minhas orelhas crepita, no volume máximo, com outra meta: 38.555,38.555, 38.555.38.555 estão na zona do perigo. 38.555 são os fogos de artifício de Quatro de J ulho emuma pequena caixa de metal.A segunda vez que me trancafiaram admitiram para meu próprio bem, meu corpo inteiro,incluindo minha pele, meu cabelo, minhas unhas azul-bebê dos dedos do pé, e todos osmeus dentes pesavam 38.555: 4.535 quilos de gordura, 34.019 quilos de todo o restante.C oroas de gordura pus-colorida estavam sufocando minhas coxas, minha bunda, eminha barriga, mas eles não podiam vê-las. Eles disseram que meu cérebro estavaencolhendo. Tempestades elétricas estavam iluminando o interior do meu crânio. M eufígado cansado estava fazendo sua mala. M eus rins estavam perdidos em uma tempestadede areia.Os 38.555 não estavam preenchendo o suficiente a Lia de papel.Aos 38.555 a pele estava querendo derramar.Aos 38.555 cabelos fofos de macaco estavam crescendo por toda parte para me manteraquecida.Eu disse a eles que minha meta era 36.287 e que se eles quisessem meu respeito, eramelhor que parassem de mentir para mim.Quando meu cérebro começou a funcionar novamente, eu conferi a matemática deles.Alguém cometeu um erro porque não perceberam as cobras em minha cabeça e asgrossassombras se escondendo na gaiola das minhas costelas.38.555 são possíveis. Eu estive lá antes, na zona do perigo, doce zumbido acima do arenfumaçado de gengibre, astuciosas iscas se escondendo debaixo de pontes.M as, 38.555 me fazem querer 34.019. Para chegar lá, eu preciso rachar meus ossos comum bastão de prata e cavar para fora minha medula com uma colher de cabo longo.[042.00]Quando o semestre letivo termina, meu pai voa para N ova I orque para fazer umapesquisa na sociedade histórica e para fugir de todas as mulheres malucas em sua casa.J ennifer leva Emma para um jogo de basquete. Eu fico em casa para estudar. Eu queimo858 calorias no simulador de escadas, minhas pernas esfumaçando, meu cabelo em chamas.Quando elas voltam, eu tenho coberto o cômodo familiar com notas e livros abertos. Elasnão percebem, por que Emma está com dor e J ennifer está à beira de um colapso total.Durante o aquecimento antes do jogo, minha meia irmã tropeçou em seus cadarços, caiu naquadra, e quebrou o braço direito. Elas passaram as últimas duas horas no PS{20} e agora obraço está em um gesso rosa- choque, e a máscara de Jennifer está uma bagunça.Eu abraço o lado bom de Emma e beijo o topo da cabeça dela. —Eu sei como você sesente, Emmakins. Eu quebrei meu braço na primeira série, quando meu pai tirou minhasrodinhas extras. Eu pedalei três centímetros e cai.Bati no chão com tanta força que rachei o concreto. Ele vai sarar rápido, não sepreocupe. —Isso é um pouco mais sério, — diz Jennifer. —Ela fraturou a ulna e o rádio.É isso que um braço quebrado é, — eu digocuidadosamente. — A fratura da ulna ou do rádio, ou de ambos. Esses são os nomestécnicos para os ossos do antebraço. Você quer falar com minha mãe sobre isso?— Ela é cardiologista, o que ela saberia sobre isso?Eu abro minha boca, mas decido que não vale a pena gastar energia.Limpe o sofá, por favor, — J ennifer diz, seu rosto na geladeira. — Ela precisa descansarcom o braço levantado.Eu faço um ninho para Emma com macios cobertores e travesseiros e Elefante, Urso, eC aracol, o círculo inteiro recheado de amigos de pelúcia. Quando Emma deita novamente,o controle remoto na mão boa, J ennifer me dá as chaves do carro e seu cartão de débito. —Eu preciso que você vá na farmácia e pegue o medicamento que o médico passou, — eladiz. — E traga para ela alguns picolés - o tipo com suco de frutas, não o com xarope demilho.— Eu não quero picolé, eu quero chocolate, — diz a vítima no sofá.Eu não tenho certeza se eu peso o bastante para pressionar o acelerador. Eu estou com42.411 e tenho uma deficiência de 1,500 calorias para o dia. Se eu destruir outro carro, elesme trancarão e jogarão a chave fora. —H mm, eu estou me sentindo um pouco enjoada. Eu não acho que dirigir seja uma boaideia.J ennifer pega a jarra de vidro sobre o balcão, pega um biscoito de aveia passa dotamanho de minha cabeça, e empurra-o para mim. — Podemos tirar os holofotes de vocêpelo menos por um minuto, Lia? Ponha um pouco de comida na sua boca, pare dechoramingar, e vá até a droga da farmácia.Eu mastigo o biscoito no assento do motorista, o carro ainda seguramenteESTAC I ON ADO. Este biscoito não tem calorias. Ele não é comida. Ele é combustível - égasolina e óleo assim o motor não pegará. Eu engasgo um quarteirão abaixo e mudo paraDIRIGIR.O cara atrás do balcão da farmácia diz que estão voltando por causa do enjôo estomacaldando voltas e o remédio de Emma demorará outros dez ou quinze minutos. A loja temmuitas decorações de N atal, deixaram um pouco de espaço para a lavagem corporal epastilhas para tosse. A música está tocando um pouco alto demais. De alguma forma elesdescobriram como canalizar o cheiro dos biscoitos de gengibre, também.N ão consigo encontrar os laxantes e diuréticos. Eles mudaram tudo. O C orredor 4 é aTerra dos Brinquedos de Papai N oel. N o C orredor 3 tem um montinho de neve no chão.Um monte de neve de verdade.Eu olho em volta. Pessoas cansadas estão vagando em busca de creme para hemorróidase analgésicos e antiséptico bucal. Duas senhoras se rastejam diretamente através da neve,enviando lufadas de neve para o ar sem perceberem. Quando a neve cai, ela não derrete. Éum tipo de publicidade cara para uma farmácia, mas as pessoas vêm dizendo queAmoskeag é a nova Boston. Eu acho que é disso que estão falando.Cassie entra no Corredor 3. A Cassie morta.— Ei, — ela diz. —Prateleira de baixo. É aí que você vai encontrá-los.Ela está vestindo uma jaqueta de esquiar cinza por cima do vestido azul e tem o cabelopenteado para trás em um rabo de cavalo molhado, como se tivesse acabado de sair dobanho. O cheiro de gengibre e cravo e açúcar queimado está pesado. —V ocê não está orgulhosa de mim, por ter descoberto isto, como seguir você?. — A vozdela zumbe como se moscas agonizantes estivessem presas em sua garganta.Eu agarro duas caixas de diuréticos e três caixas de laxantes. A qualquer segundo agora,ela desaparecerá por que ela é uma alucinação.Eu me levanto. Ela está tão perto de mim, eu poderia sentir o cheiro da respiração dela,se ela estivesse respirando.— Vá embora, — eu sussurro.— V ocê está brincando comigo?. — Ela chuta a neve, e a neve enche o corredor,projetando o resto para fora da loja e abafando os cânticos estridentes. Os flocos de neveficam suspensos no ar, sem subir, sem cair.— Você não pertence a esse lugar, — eu digo. — Vá embora.Ela franze a testa, confusa. —M as, eu quero passear. Levei bastante tempo paradescobrir como fazer isso, você sabe. Não é como se fosse fácil ir e voltar.Eu cubro minhas orelhas. —Pare com isso.As assombrações noturnas fazem sentido. Eu estou cansada, drogada, e sem açúcar nomeu sangue. M as no C orredor 3 da Farmácia Binney? J ennifer deve ter colocado algonaquele biscoito. Ela está tentando me deixar psicologicamente louca, para então se livrarde mim.C assie se inclina contra a prateleira. — V ocê deveria pegar alguma água sanitária. V ocêprecisará dela para limpar depois a banana bolorenta no vômito na parte detrás de seu armário. É nojento.— Você não está aqui. Eu não estou falando com você.Ela balança a cabeça. —V ocê realmente quis dizer isso, não foi? V ocê não acredita queestá me vendo.Eu tento passar por ela, mas minhas botas estão congeladas na neve acumulada.— O que eu tenho que fazer para fazer você acreditar? — ela pergunta.— Supostamente você não deveria estar no paraíso ou algo assim?— Isso é um pouco complicado.— V ocê é uma invenção da minha imaginação, ou uma alucinação causada pelos meusremédios ou por aquele maldito biscoito. Você não existe.Os olhos dela chamejam, como a luz do interruptor quando desligada, e entãonovamente. —Isso realmente machuca meus sentimentos.— Minha irmã precisa do remédio dela. Eu tenho queA luz muda, e ela desvanece um pouco. Eu posso ver o contorno das prateleiras atrás dela.Ela põe a boca perto do meu ouvido. —Você está quase lá, amiga. Permaneça forte.Eu não consigo me mover. Eu não consigo correr.— Eu sei como você se sente mal. Presa, — ela diz. — Ficará melhor, eu prometo. M uitomelhor.Ela parece como costumava parecer, quando estava me implorando para ir aoestacionamento com ela, assim ela acidentalmente não correria de propósito até o últimocara pelo qual tinha uma paixonite. Eu deveria fechar meus olhos até ela desaparecer. Eunão fechei.— Sobre o que você está falando? — eu pergunto.Ela esfrega um floco de neve na minha bochecha. — V ocê não está morta, mas não estáviva, também. V ocê é uma garota de vidro, Lia - Lia, presa entre os mundos. V ocê é umafantasma com um coração que bate. Logo você atravessará a linha e estará comigo. Euestou tão alimentada. Sinto muito sua falta.Eu me puxo para trás, tento sacudir as teias de aranha para fora de minha cabeça. —Oque há de errado com você? Você não se importa com o que aconteceu?Ela franze a testa.A neve corre na direção dela e gira em um redemoinho de vento que chega até o teto.— Eu tentei. — As chamas em seus olhos queimam minhas bochechas. —V ocê nãoatendeu o telefone.[043.00]Isso não aconteceu. Eu não a vi. Tudo está bem.Bem. Bem. Bem. Bem. Bem.Eu levo o remédio para casa, para Emma, tomo uma xícara de chá de sopa de tomatefeita com água (82) e finjo terminar minha lição de casa. Enquanto as duas assistem a umfilme, eu corro para a água escaldante na banheira, me dispo, e entro.A rodada-fique-feliz está girando muito rápido. Eu quero que pare. Eu quero fecharmeus olhos, ou simplesmente piscar. Eu quero escolher o que vejo e o que não vejo. Aporcaria que colocamos para fora enquanto estamos acordados todo dia - escola, casa, casa,shopping, mundo - é ruim o bastante. Eu não deveria conseguir pelo menos uma pausaenquanto estou dormindo? Ou, se eu estou condenada a ser assombrada por fantasmas,eles não deveriam trabalhar apenas a noite, e se dissolverem quanto atingidos pela luzsolar?Eu levanto meu braço para fora da água. É um tronco. O coloco de volta para baixo e elefica maior ainda. As pessoas vêem o tronco e o chamam de galho. Elas gritam para mim porque eu não consigo ver o que elas vêem.N inguém consegue me explicar por que meus olhos funcionam diferentes dos delas.Ninguém pode fazer isto parar.A rodada-fique-feliz gira novamente. Para sair dessa coisa acho que tenho que gritar.M as eu não consigo. M inha caixa torácica está amarrada tão apertada, que eu mal consigorespirar.Quando C assie rastejou para minha cama, naquela noite e envolveu suas mãos em tornode minha garganta, ela não comentou sobre o que não aconteceu na farmácia. Nem eu.Meu coração ressoou como um sino de fogo, a noiteToda.[044.00]O show deve continuar.N ão há como uma criança com a ulna e o rádio quebrados possa tocar violino noC oncerto de Feriado de I nverno da Escola Park Street Elementary, então a banda dodiretor está equipando um triângulo de metal que Emma poderá tocar no momento certo.Ela também está encarregada dos sinos de trenó durante — J ingle Bells. — Ela passou todaa noite de Quinta-Feira praticando.Eu saio da escola mais cedo (cãibras - ha) e passo à tarde de Sexta-Feira cozinhando, porque Emma inscreveu a mãe dela para levar algo para a Venda de Bolos no Feriado, eJ ennifer comprou biscoitos baratos com confeitos pegajosos vermelho-e-verde. Eu façogarotas de biscoitos de gengibre, cada uma com um gesso rosa no braço, e um pedaço dopão de noz envelhecido de Nanna Marrigan. As colheres de medição querem fincar açúcare manteiga e melaço em minha boca. Eu finjo ser alérgica aos ingredientes. Uma provada emeus lábios e língua incharão e eu sufocarei até a morte.Eu uso os pedaços restantes de pão de gengibre para fazer um biscoito vodu, umamenina resistente com cabelo loiro-morango, um vestido azul, e um grande buraco negrona boca. Depois que ela esfria, eu a coloco em uma tábua de cortar e a esmago com o roloaté que ela é uma pilha de pó de gengibre.Quando Emma chega em casa da tutoria, ela cheira os biscoitos e grita tão alto que oresto das agulhas cai da árvore de N atal. Ela joga seu braço e seu gesso ao meu redor eaperta, quase fraturando minhas costelas. Eu a deixo pintar minhas unhas da mesma corque a das dela para que possamos ser gêmeas.J ennifer está um pouco atordoada pelos biscoitos. Emma a lembra que ela a inscreveupara trabalhar na venda de bolos e que eu me ofereci para tomar seu lugar, o quesurpreende ainda mais.N ós só temos tempo para sanduíches de peru (230) antes que tenhamos que ir para oconcerto.A Escola Park Street Elementary cheira exatamente do mesmo jeito de quando eu fui lá:corpos quentes suados, molho de tomate barato, canetas, e papel. H á um tributo paraC assie no painel de avisos na sala frontal. A foto foi tirada alguns anos atrás, antes dovômito queimante sair por suas glândulas salivares e elas incharem para otamanho de um caroço de noz na parte de trás de sua mandíbula. Ver isso faz meu coraçãobater, mas eu continuo andando, viro a direita para a biblioteca, à esquerda no final docorredor. A imagem realmente está lá, eu não criei isto, não é uma visão fantasmagórica. Opai dela é o diretor daqui e a mãe dela administra todo o resto. Faz sentido montar umsantuário.Emma sai da área dos bastidores para se alinhar. —Tem certeza de que não quer entrar e ouvir? — J ennifer pergunta-me. —N óspoderíamos trocar no intervalo.E eu sento com seiscentos pais superaquecidos todos armados com câmeras de vídeo. —Não, de verdade, pode ir. Fique para a coisa toda.Ela me abraça, apertando forte o bastante para fazer minhas costelas gemerem. I ssoacontece tão rápido que eu não o vejo chegando. Ela se vai, pega meu rosto com as duasmãos e beija meu nariz. —V ocê consegue ser tão doce, às vezes, você sabe disso? Devomuito a você. —Ela se inclina e sussurra, —Eu não agüento essas mulheres. Elas me fazemgritar.— Sem problemas, — eu digo, tentando não cambalear sob o peso de seu beijo.H á quatro mesas do refeitório colocadas no salão de trás para a venda de bolos. As mesasestão povoadas com pratos de biscoitos com dez tipos de batata frita de chocolate,incluindo trigo -, laticínios -, e ovo grátis. As mães nessa escola assistem muitos programasde culinária. H á trufas de bolo de chocolate, bolachas de canela, chocolate de hortelã.Alguém assou bolinhos com sabores bizarros: romã, chá verde, mirtilo, pistache, e goiaba.(Os bolinhos vêm com rótulos listando os ingredientes para quem for alérgico). N a últimamesa, perto da caixa de dinheiro, estão duas baldes cheias de chocolate mergulhado empreĵels enrolados em granulados coloridos, e três casas de pão de gengibre perfeitas queestão ali para o silencioso leilão. Uma delas tem manchadas janelas de vidro feitas de docederretido.As mães estão trabalhando, enfiando biscoitos em suas bocas e deixando as migalhas sejuntarem em suas blusas.— Quer um pouco de chocolate? — elas perguntam, olhando para minhas clavículas. —Experimente as barras de sete camadas. Elas estão de morrer.Eu adoraria uma barra de sete camadas. Eu adoraria pegar um pedaço de chocolate,fofocar sobre o último episódio de qualquer coisa, morder o chocolate, rir, mastigá-lo por queo gosto é bom e isso é tão bom em minha boca, e engolir e ter minha barriga brilhando semchocolate. Mas, elas não são para mim. —Veja como você está magra!, — elas gritam. —V ocê não tem que se preocupar, comonós!, — elas batem nas coxas, batem em suas bundas, apertam as barrigas. — Pegue umpedaço. Pegue dois!"Uma mão lá em cima contrai as mãos de minha marionete. Os cantos da minha bocaviram e eu bato meus cílios, encolho um pouco os ombros. — Eu tive um grande jantar, —eu digo. —Eu pego alguma coisa mais tarde.Uma onda de pessoas famintas nos interrompe, e nós vendemos, vendemos, vendemos.Em um momento vejo a Sra. Parrish, vestida como Sra. N oel, a deriva no meio da multidão.Sua peruca inclinada para um lado. Um grupo de crianças corre na direção dela e acenam,lhe pedindo para dizer ao Papai N oel que elas foram muito boas esse ano. Ela passa por elassem percebê-las, indo direto para a mesa de venda de bolos. Eu me escondo atrás de umacasa de pão de gengibre, até que ela se vai.Quando o concerto começa, eu falo para as gordas mães irem ouvir suas crianças, euguardarei a comida e a caixa de dinheiro. Essa coisa não me tenta. I sso me deixa enojada;isso é quão forte eu sou.As mães me dão uma centena de chances para mudar minha opinião (— N ão, eu tenhocerteza, de verdade, vocês podem ir, honestamente, de verdade"), então, elas correm emdireção ao auditório armadas com bolos de chocolate emergenciais para o caso de umaqueda inesperada de açúcar.Eu me sento atrás da montanha de marshmallows embalados individualmente parapresente. A banda está tocando ou —Silent N ight" ou — It C ame Upon a M idnight C lear. — Eu escaneio a sala de cima abaixo. C assie não apareceu, ainda não. N ão há nenhumaneve a vista. Aqui cheira a pão de gengibre, mas é por causa da venda de bolos. Eu nãoacho que ela está vindo, não com o rosto dela estampado no painel de avisos como umpôster de PROC URADA, não com seus pais aqui. Eles a veriam, também, eu sei disso. Todoo inferno seria solto. Ela não se atreveria.Eu pego meu tricô, seguro as agulhas com força, e laço o fio. Tricoto, tricoto, laço. Tricoto,tricoto, laço. O fio está úmido de suor em minhas mãos. Tricoto, laço, tricoto. N ão. Eu voltoatrás e desfaço os pontos. Tricoto, tricoto, laço.Meus dedos traidores querem aquele chocolate. N ão, eles não querem.Eles querem umabarra de sete camadas e alguns muffins esquisitos e aqueles preĵels. N ão, eles não querem.Eles querem esmagar os marshmallows e os enfiá- los em minha boca. Eles não enfiarão.O tricô afunda no meu colo. As agulhas estão muito pesadas, o fio é de ferro. A cartilagemdos meus dedos e joelhos e cotovelos está diminuindo. O Famintafaminta batalha com opassefomepassefome para frente e para trás através do campo de batalha em minhacabeça.Tudo dói.Uma porta se abre e se fecha, e sopra o cheiro de gengibre e cravo e açúcar queimado emmeu rosto e cabelo. Até o momento, hoje, eu ingeri 412 calorias. Eu as queimarei e algumascentenas a mais se eu conseguir achar energia para subir no simulador de escadas. Eupoderia comer metade de um bolinho (150), ou um quarto (75). Eu poderia raspar o glacê esó mordiscar o bolo.Eu não devo. Eu não posso. Eu não mereço isso. Eu sou uma carga pesada e estoudesgostando de mim mesma. Eu já ocupo muito espaço. Eu sou uma feia, e desagradávelhipócrita. Eu sou um problema. Eu sou um desperdício.Eu quero ir dormir e não acordar, mas eu não quero morrer. Eu quero comer como umapessoa normal come, mas eu preciso ver meus ossos ou eu me odiarei ainda mais e eupoderia arrancar meu coração ou pegar cada pílula que foi inventada.Eu pego o bolinho, garantindo provar o pior: romã. Ele tem glacê rosa e sementesvermelhas em cima. Eu lambo as sementes e mastigo. Elas explodem em minha boca,sabor vermelho molhado, não como uma baga, não como uma maçã, mas mais sombrio,próximo de vinho. Eu poderia comer um punhado dessas sementes, ou seis punhados, oueu poderia derramar uma balde delas para dentro de mim.N ão, eu não poderia. Eu apenas como seis sementes: 1.2.3.4.5.6. Elas estão quentesdescendo pela minha garganta, não é assustador.Eu ouço uma porta abrir, mas não posso olhar. As cordas da marionete desse corpo estãocortadas e eu não posso sentir estas mãos, ou fazer pará-las de tirar a embalagem de papeldo bolinho e empurrá-lo boca adentro. Essa boca mastiga e engole e se apressa por que aquivai outro e outro até que todas as sementes vermelhas do bolinho acabam. Cada.Uma. Essasmãos alcançam o próximo bolinho, e então um pedaço de chocolate e um pão de gengibrecom uma Emma com um braço rosa. Eu dissolvo com uma rodada de borrão de açúcar atéque a porta do auditório é aberta e a sala se enche com aplausos e assobios, e corposaquecidos.Eu corro para o banheiro.N ão importa quão fundo eu enfie meu dedo, a fossa não esvaziará. Ao invés, euesguicho sabão em minha boca e gargarejo até que as bolhas saem de minhas bochechas.[045.00]N o meio da noite, alguém empurra uma espada em meu intestino. Eu acordo gritandopor meus pais, mas J ennifer corre por que meu pai está viajando e minha não mora aqui.Ela me ajuda a me arrastar até o banheiro. Eu não consigo dizer se eu deveria sentar naprivada ou enfiar minha cabeça nela.Eu abaixo minhas gavetas e sento. J ennifer molha um pano com água fria, torce-o, e ocoloca na parte de trás do meu pescoço.— Eu estou bem, — eu murmuro.—V ocê não está. — Ela pressiona as costas de sua mão em minha testa. —Sem febre.Pode ser intoxicação alimentar, eu acho. O que você comeu no almoço?As costelas laminam através de minha barriga novamente e eu engasgo um gemido. —Sopa e bolachas. E todas nós comemos o peru fatiado em nossos sanduíches no jantar.— Você está enjoada?Balanço minha cabeça. —V ocê comeu alguma coisa na venda de bolos? Antes que eu possa mentir, minhacabeça sobe e desce. — Bolinhos.— Bolinhos? Você comeu mais de um?Concordo com a cabeça novamente. — Eles tinham um gosto bom.— Eu não posso ver como um bolinho te deixou assim. Talvez tenham usado ovo cru noglacê. Você vai ficar bem se eu descer por um minuto? Eu quero ver algo.— O quê? — eu fricciono meus dentes. — C laro. Quando você voltar, você pode metrazer chá de hortelã?Você não deveria comer nada até que seuestômago se acalme" —Por favor, Jennifer. Eu sei que ajudará.— Tudo bem, relaxe. Apenas respire. Chá de hortelã,vindo.Quando ela se foi, eu gemo. Eu sei exatamente o que está errado. Eu sou um fracassoglutônico, devorando. Um desperdício. M eu corpo não está acostumado com muitoscarboidratos de açúcar, laçados com feitiçaria. Mal pode lidar com sopa e bolachas.A lâmina gira novamente. Os laxantes que eu engoli quando chegamos em casa estãoincendiando minhas entranhas. Além disso, meus níveis de fosfato estão fora do normal,por causa do inesperado açúcar. Além do mais, há uma chance de eu ter sido tão bemsucedida passando fome que o fio do balão em meu intestino está mudando de rosa paracinza fantasmagórico enquanto as células morrem de negligência. Ou C assie fez umaboneca de pão de gengibre vodu de mim no lado dela da sepultura e está a apunhalandoem pedaços sangrentos.M inha cabeça está pesada demais para ser sustentada por meus ombros. Eu me curvomais e a deixo oscilar entre minhas pernas.— Lia?Através da cortina de meu cabelo, eu observo os chinelos de Emma se arrastarem paradentro do banheiro.— Lia, você vai morrer? . Lágrimas estão empoleiradas na borda de sua voz.Eu me forço a me erguer, e tento ignorar as manchas pretas aparecendo na frente demeus olhos.— Eu só estou com dor de barriga, querida. Ninguém morre disso. Eu ficarei bem.J ennifer leva Emma de volta para a cama e escolhe acreditar em minha mentira sobrecomo estou me sentindo muito melhor e como eu vou ler no banheiro por um tempo, sópara o caso. Eu passo a maior parte da noite me arrastando entre minha cama e o banheiro,esvaziando, esvaziando, esvaziando enquanto os laxantes moem através de mim, e fazemseu trabalho sujo. Eu esfrego o banheiro com o limpador azul depois de cada ida.Quando eu caio na cama, alguém começa a bater no meu peito com um taco de beisebol.Eu tento checar meu pulso, mas meu coração está martelando muito rápido para contar.Eu estou suando. M eu corpo está comendo a si mesmo, retalhando meus músculos e osjogando no fogo, assim o motor não pegará.Há metal em minha boca. Eu preciso acordar Jennifer.Se eu a acordar, ela ficará louca.Se ela ficar louca, chamará uma ambulância.Se a ambulância vier, eu estou ferrada.Eu rolo e peço a Cassie para afagar minhas costas e cantar para mim.[046.00]Quando papai chega em casa de N ova I orque no Sábado, eu estou cochilando no sofá.Ele sacode meu ombro e eu pulo, sem ter certeza de onde estou ou de quem eu sou ou dequem ele é. Ele não percebe.— Onde estão Jen e Emma? — ele pergunta.Eu sento. Lentamente. As piores cólicas da noite passada se foram, mas parece que eufiz cem mil flexões de cabeça para baixo. —No shopping. Como foi sua viagem?— Excelente, — diz ele. — Minha editora está estendendo o prazo e ela também está medando outro adiantamento para pagar uma viagem investigativa a Londres. Eu sou OCara.Ele tenta bombear seu punho no ar, como se fosse um jogador profissional de futebol,mas ele parece mais como um chato professor universitário tentando chamar um táxi.— Isso é ótimo, pai.O sorriso dele desvanece. — Você está bem? Você não parece muito bem.— Eu tive uma intoxicação alimentar ontem à noite, devido a um bolinho. — Eu puxo ocobertor em torno de meus ombros. — Vai entender.— Você ligou para sua mãe?— Não.— Ela é médica, você sabe.— Sim, estou ciente disso. Eu não precisava que ela chegasse aqui carregada com umaambulância no meio da noite. Jennifer me ajudou. Eu estou bem, apenas cansada.— Tem certeza?. — Ele coloca a palma de sua mão na minha testa.— Por que você está fazendo isso?— É isso que se faz quando suas crianças estão doentes.— Você não tem jeito, — eu digo.Ele me dá um abraço rápido. — Do melhor modo possível. Eu trouxe alguns presentes dacidade, pra vocês, garotas, talvez ajude. Pera aí.Ele sai da sala e volta com um saco plástico. — Dê uma olhada.Eu esvazio a sacola. Estou supondo que a varinha mágica cheia de brilhos é para Emma,o que significa que os livros são para mim: todas as histórias sobre a agonia que éo Ensino M édio, escritas para pessoas de doze anos. A menos que os livros sejam paraEmma e a varinha para mim. Ela poderia ser útil. —Você quer morango, uva, ou mel?. — Papai pergunta enquanto vai até a cozinha.— O quê?—M orango, uva, ou mel? E quase hora do almoço - Eu farei para nós sanduíches demanteiga de amendoim.Eu guardo a varinha debaixo de meu braço, e o sigo, o cobertor se arrastando atrás demim como uma capa. — Eu não estou com fome. Meu estômago ainda está mal.— Então farei chá e torradas, ao invés. Você tomou seus remédios?Minha cabeça balança —não" antes que eu possa pará-la. —I sto resolve. V ocê precisa ter algo em seu estômago e aí você pode tomar seumedicamento. Sente-se, querida.Enquanto o pão para mim está assando (2 fatias = 154), ele faz dois sanduíches para ele,ambos com crocante manteiga de amendoim e uva. Ele enfia uma caneca no micro ondaspara o chá e distraidamente dá uma mordida em um dos sanduíches. Ele pega um pratopara minha torrada e dá uma segunda mordida. Ele apenas come e fala sobre seu negócio,pondo manteiga na torrada (100) sem me perguntar, tirando o leite da geladeira e levandoopara a mesa com o prato e o chá. Metade de seu primeiro sanduíche já se foi.Como ele fez isso?Eu não consigo me lembrar do que é comer sem planejá-lo, contando as calorias e o tantode gordura, e medindo meus quadris e coxas para ver se eu mereço e comumentedecidindo que não, eu não o mereço, então eu mordo minha língua até sangrar e flexionominha mandíbula fechada com mentiras e desculpas, enquanto uma tênia cega se envolveem torno de minha traquéia, fungando e cutucando por uma abertura molhada para meucérebro.Estou tão cansada. Eu me esqueci como dormir, também.M eu pai tagarela sobre um monte de cartas mofadas nos arquivos de Londres, e como senós conseguirmos um bom negócio nos tíquetes, nós todos poderemos ir à I nglaterra, o quenunca vai acontecer. Eu engulo meus comprimidos e bebo meu chá. Assim que eu chegona metade de uma fatia de pão (38) + uma colher de sopa de manteiga (25) = 63, o telefonetoca.Eu começo a me levantar.— Não, — diz ele. —Deixe a secretária responder.Depois do bipe, a voz da Sra. Parrish crepita no altofalante. —Lia? Lia, por favor, meligue de volta. Eu não estou brava, prometo. N ós procuramos em todos os lugares, mas nãoconseguimos encontrar o colar de C assie, aquele com o sino de prata. Eu pensei que setalvez eu o usasse... V ocê pode me ajudar? A voz dela para e ela soluça uma vez, depoisfunga. —Eu só quero que você me ligue, Lia. Eu não posso... Eu preciso de você paraajudar.Depois que ela desliga, papai apaga a mensagem. — Ela deveria estar falando com aterapeuta, ao invés de chatear você.Eu estudo as rachaduras no reboco entre os azulejos do piso. Se eu pudesse metransformar em uma nuvem de fumaça, eu poderia passar por eles e desaparecer.— Está tudo bem, — eu minto. —Ela está presa. Étriste.— É assim que você se sente também? — Ele bebe o leite. — Presa e triste?Eu deveria ter fingindo continuar dormindo quando ele chegou. — Não. —Isso é o que parece para nós.— Quem é 'nós'?A manteiga de amendoim tenta colar sua boca fechada, mas não é forte o suficiente. —Tive uma longa conversa com sua mãe na noite passada.— Você falou com minha mãe duas vezes em um ano?— Sem sarcasmo, por favor. — Ele come outro pedaço de seu sanduíche e mastiga. —Chloe acha que você deveria ser avaliada.— Avaliada?—Jennifer também acha.— Avaliada para quê?Ele para de comer. — Para ver se você deve voltar ao hospital como uma pacienteinternada.As rachaduras no piso se abrem mais. — Você quer me trancar de novo?— Chloe disse que ia ligar esta manhã e falar com você sobre isso.— Ela não ligou. — Eu tremo. O frio está entrando através das janelas. —V ocê acha queeu devo voltar? —H onestamente? Parece um pouco exagerado. Suas notas poderiam estar melhores,mas você vai para a escola. V ocê não se esgueira durante a noite e entra em confusão. Eugostaria que você ganhasse mais um pouco de peso. Eu disse a sua mãe para voltar nanutricionista para algumas visitas, provavelmente seria suficiente.— Mas, minha mãe quer me trancar.—A avaliação poderia provar que ela está errada - pense nisso desse jeito.— Ela já agendou o compromisso, não é?Ele pega a varinha mágica e a inclina para que os brilhos corram para dentro,perfeitamente selados em plástico. — Dez horas. Dois dias depois do Natal.As rachaduras no piso se alargam, cânions de pedra sem fundo. Eu oscilo na beira. —Agradável, — eu digo. —Eu serei capaz de escrever um ensaio sobre minhas férias deN atal na fazenda de alimentação, onde enfiam tubos em meu nariz e me fazem comermanteiga e me dão pequenas pílulas, e em seguida aspiram meu cérebro e me transformamem um zumbi gordo. Que divertido. —V ocê não será admitida, a menos que necessite ser. V ocê não quer ser saudável, sesentir melhor? —Você apenas está tentando se livrar de mim.— Eu estou preocupado com você. Eu quero minha garotinha de volta.Eu me levanto e ando entre a mesa e o fogão. — Eu tentei o hospital. Duas vezes. — Acapa desliza dos meus ombros. —V ocê disse que aquela seria a última vez por que eu gasteitodo o seguro.— Se você tiver que ser internada, sua mãe venderá algum estoque e eu refinanciarei acasa. Mas, isso não tem que chegar a esse ponto. Se você apenas comesse -"— Eu não preciso comer como você.— M erda, Lia!, — ele grita. — I sso não é verdade e você sabe disso. N ós devemos deixarvocê se matar defome?Aquela voz-papai-gritando costumava me assustar. Agora, só me deixa feroz. — Suaesposa me observa subir na estúpida balança toda semana.— E seu peso está caindo. Esta semana foi o quê, 47? V ocê jurou para mim que ficarianos 50.— Eu tenho uma estrutura pequena e um metabolismo rápido.— Especulando de novo!. — Ele borrifa saliva de sanduíche do outro lado da mesa. —Você me pediu para se mudar. Você não podia viver mais um minuto com a sua mãe. Vocêdisse que ela era o problema e eu acreditei em você, da mesma forma que eu acreditei,quando você prometeu que seria honesta.Eu tento abaixar minha voz. Quanto mais ele perde o controle, mas eu tenho quesegurá-lo. —V ocê suga promessas, também. Todos os fins de semana cancelados, as viagensque faríamos; a casa que você disse que ia comprar em um lago.Ele olha para mim. —Não mude de assunto.— Eu preciso de tempo, pai, — eu digo. — Eu não posso simplesmente pregar comidaem minha boca. Eu tenho que começar minha vida inteira de novo.— Quando isso vai acontecer, exatamente?. — Sua voz se torna tanto feia quanto alta, avoz que costumava brigar com minha mãe, quando eu deveria estar dormindo. — Algummomento neste ano? Neste século?— Estou trabalhando nisso, — eu digo.— N ão, você não está. V ocê está aqui já faz seis meses, e você não desempacotou suasmalditas caixas.— Oh, você finalmente percebeu? — eu rosno devolta.— O que isso significa? — ele pergunta.— Você nunca está por perto. Jennifer cuida de tudo, assim você pode ir a suas reuniõese a biblioteca e a seus jogos de squash e a seus jantares extravagantes. Oh, espere umminuto - quando eu vi isso antes? Tem outra namorada, papai? Pronto para a segundarodada na corte de divórcio? N ão se esqueça de arranjar um bom psiquiatra pra Emma; elaacha que você é um deus.O rosto dele está da cor de um ataque cardíaco. Os músculos de sua mandíbula estãoapertados tão fortemente que seus dentes podem quebrar. A qualquer momento, ele vai mepegar e me jogar pela janela, e eu não tocarei no terreno por uns mil e seiscentos metros,aproximadamente.Ele pega a jarra de leite e despeja mais em seu copo. Ele toma um gole de leite e muitodeliberadamente coloca o copo na parte de trás da mesa. — Pare de transformar isso emum exame de meus defeitos. Nós estamos falando sobre você, Lia.As linhas em seu rosto caem com a decepção. Seus olhos estão avermelhados com longasnoites e muitos erros e uma filha defeituosa. É mais fácil brigar de volta quando ele grita.— Eu gostaria de entender o que se passa dentro de você. — Ele inclina a varinhamágica novamente, mas não olha para os brilhos. — Por que você tem tanto medo.A rodada-feliz gira dentro de minha cabeça, gira tão rápido que tudo que eu posso versão salpicos de mel- amarelo, morango-vermelho, uva-roxa passando por meus olhos. Eunão deveria nunca ter vindo para esta casa, mas eu não tenho para onde ir.— Por favor, Lia. — A voz dele caiu para um sussurro. — Por favor, coma.A rodada-feliz estala e estilhaça e pedaços de cor voam através de minha cabeça.Eu pego o sanduíche no prato dele e o enfio na boca.É isso que você quer? — eu grito. —Olhe - Lia está comendo! Lia está comendo!. — Acada mastigada, eu abro mais minha boca para que o pão e a geléia e a manteiga deamendoim e a saliva caiam nos cânions abaixo de nós. — Você está feliz agora?Ele chama meu nome enquanto eu corro para fora do cômodo.Ele não me segue.[047.00]Eu ligo o aquecedor em meu quarto na configuração máxima e aciono o volume emmeus alto falantes até o mais alto que eles vão. A música liquefaz o ar e sopra os papeis daminha mesa. Eu rastejo para minha cama, mas o colchão está cheio de pedras e conchas eeu não consigo ficar confortável. Eu abro livros, mas as histórias estão todas trancadas e eunão sei as palavras mágicas.DequêPorquêQuandoComoQuem?DequêPorquêQuandoComoQuem?DequêPorquêQuandoComoQuem?De quê eu tenho medo? Por quê eu não consigo querer ficar melhor? Quando eu sou eue como eu sei que eu sou eu e quem eu seria se eu fizesse o que eles querem?Como eu fiquei assim?Talvez minha mãe usasse drogas quando estava grávida de mim. Ela começou suaresidência naquele ano - ela provavelmente ficou todos os nove meses sem dormir e eunasci com uma síndrome de feto com excesso de cafeína. Ou o Professor Overbrook fumavamaconha misturada com uma química experimental e colidiu minha mãe com espermamutante.O que quer que seja.Eu limpo minhas prateleiras e os parapeitos das janelas e desço as escadas para pegar oaspirador de pó, um copo de cubos de gelo (o professor Overbrook tenta falar comigo, umapena que ele não exista, eu não tenho pai ou mãe, eu só tenho espaços brancos semparedes), e a caixa de sacos de lixo. Uma vez que o carpete está limpo, eu rasgo uma dascaixas de papelão cheias de porcarias da minha mãe e enfio tudo dentro de um saco delixo. N em sequer olho. N ão ouço meus dedos dizendo-me que é uma boneca, um colar,uma brochura J ane Yolen, uma coleção de moedas. Eu esmago o gelo entre meus dentes eengulo as lascas. Tudo é lixo.O professor Overbrook entra quando eu estou amarrando a terceira sacola. Eu observo omovimento de sua boca. Ele me entrega uma caneca de chá de hortelã fresco e um pratode biscoitos congelados que J ennifer comprou para a venda de bolos. Ele está indo a seuescritório pegar algum material de fonte que ele esqueceu.Depois que ele se foi, eu derrubo os biscoitos na privada e dou descarga. Eu deslizoalguns loucos doces extras em minha boca e os lavo para dentro de mim com água comgelo, e em seguida, me esforço através de quinhentas mastigações de -::Estúpida/feia/estúpida/vadia/estúpida/gorda/Estúpida/bebê/estúpida/perdedora/estúpida/perdida::- mesmo que isso machuque minha barriga. Especialmente por que isso machuca.Lia, a Repulsiva liga para a recepção do Gateway. Lia, a Repulsiva diz a C harlie quematendeu ao telefone, que se ele não passar o telefone para Elijah nesse minuto, ela ligarápara a polícia e relatará que Charlie a assediou sexualmente.Ele diz, — Espere.Enquanto estou esperando, eu raspo o esmalte das minhas unhas. Dra. EstúpidaParkerdiz que quando eu estou triste na verdade significa que estou zangada e quando estouzangada na verdade significa que eu estou com medo. Eu não consigo acreditar que ela épaga para sonhar com porcaria como essa. Eu sinto como se tivesse começado uma guerraou explodido um prédio ou quebrado todas as janelas desta casa. Eu me pergunto o que eladiria o que isso realmente significa.Elijah, finalmente pega o telefone: —Ei, você. O que está acontecendo?Lia: Eu tenho que falar com você.Elijah: Você é Emma ou Lia hoje? Lia: Você mente o tempo todo. Elijah: É um hábito ruim.Lia: Eu sinto muito. Peço desculpas.Elijah: Certo. Não se preocupe.Lia: Então, somos amigos de novo?Elijah: Acho que sim.Lia: Bom. Como está o seu carro?Elijah: Estará pronto no momento em que Charlie fechar para o Inverno.Lia: Aonde você vai?Elijah: Oxford, M ississipi, talvez. Ou eu poderia dirigir de volta para o M éxico. Eugostava de lá. (Ele cobre o bocal do telefone, e fala com Charlie).Eu tenho que ir. O chefe temessa idéia estranha de que eu realmente deveria trabalhar enquanto ele me paga.Lia: Não, espere, eu tenho uma pergunta.Elijah: Diga.Lia: Você disse que a primeira vez que viu Cassie foi quando encontrou o corpo dela.Elijah: Isso não é uma pergunta, mas sim.Elijah, o Silencioso:Lia: Você ainda está aí?Elijah: Podemos falar sobre isso depois?Lia: Não. Você tem que me dizer. Ela queria.Elijah, depois de uma profunda respiração: Ela se registrou na noite de Quinta. M as, eunão a encontrei até Sábado. Ela me convidou para sair, então eu fui para o quarto deladepois do trabalho. Ela bebeu - bastante. Eu comi alguns biscoitos e decidi que as coisas nãoestavam legais. Me retirei.Lia: Como você sabe que ela me ligou?Elijah: Eu joguei cartas com C harlie até a meia-noite e decidi ir para o centro. C assie meviu andando e abriu a porta, chorando e tagarelando sobre Lia estar brava com ela, Lia nãorespondia. Eu disse para ela ir dormir. Ela não me deixou em paz até que eu anotei onúmero do seu telefone e prometi passar sua mensagem. Saí de lá o mais rápido que pude.Lia: O que ela disse?: Eu disse isso tudo para os policiais, você sabe. Eles assistiram às fitas de segurança; aparanóia de C harlie é uma coisa boa. Eu nunca a toquei. Eu nem mesmo peguei a bolsadela, mesmo que eu pudesse. Ela apareceu na fita, algumas horas depois que eu saí,cambaleando pelo estacionamento e cantando para a lua. Em seguida, voltou para dentro.Lia: Qual era a mensagem?Elijah: Nada, de verdade. Lembre-se ela estava arrasada.Lia: Diga-me.Elijah: Ela disse, —Diga a Lia que ela venceu. Eu perdi e ela ganhou. — Essa é a citação.I sso parecia realmente importante na época, mas agora soa meio bobo, eu acho. V ocêstinham feito uma aposta? O que você ganhou?Desligo o telefone sem dizer adeus.Eu ganhei a viagem da garota de vidro sobre a fronteira na terra do perigo.[048.00]Eu volto à música para ESTI L H AÇAR e caminho para o banheiro para escovar otelefonema e o pó e o sanduíche da minha boca.1.2.3.4.5.6.7.8.9.10.11.12.13.14.15.16.17.18.19.20.21.22.23.24.25.26.27.28.29.30.31.32.33.Eu não venci. Eu não acredito que ela disse isso. A típica porcaria de C assie,melodramática e acima do topo. N ão é minha culpa ela ter surtado tão rápido ou que seuspais nunca a deram atenção. N ão é minha culpa que ela vomitava, ou que vomitar fosse aúnica coisa que a fazia se sentir melhor.ela me ligou.Eu escovo até minhas gengivas sangrarem, e então esfrego com mais força. Suco vermelhode Lia goteja pelo meu queixo, transformando-me em uma vampira faminta pronta parasugar a vida de quem me irritar. Talvez esse seja meu problema. Talvez eu seja uma dosmortos-vivos. Vampiros são pálidos, frios, e magros como eu. Eles secretamente odeiam ogosto de sangue, odeiam fazer as pessoas chorarem, odeiam cemitérios e caixões, e a bestaque os impulsiona. Eles mentirão sobre odiar isso até que alguém crave uma estaca nos seuscorações.... corpo só...Eu ponho minha boca sob a torneira, enxáguo e cuspo.A balança se mostra no chão, a boa, a que não mente. Eu me dispo, subo nela, para pesarminhas culpas e medir meus pecados.40.370.Eu poderia dizer que estou animada, mas isso seria uma mentira. O número não importa.Se eu chegasse a 31.700, eu quereria 24.200. Se eu pesasse 4.500, eu não estaria feliz atéchegar aos 2. O único número que seria o bastante é 0. Zero quilos, vida zero, tamanho zero,duplo- zero, ponto zero. Zero em tênis é amor. Eu finalmente conseguiria.Eu abro a janela e jogo a balança no jardim da frente. Ligo o chuveiro; apenas águaquente, olho para o espelho. Os buracos em meu rosto estão cheios de areia e pus. Osbrancos de meus olhos são poças de limonada espalhadas sobre com sombras roxas deitadasembaixo delas. M eu nariz está peludo e melequento, meus ouvidos são cera de vela, minhaboca é um esgoto. Eu estou trancada no espelho e não há nenhuma porta.::Estúpida/feia/estúpida/vadia/estúpida/gorda/Estúpida/bebê/estúpida/perdedora/estúpida/perdida::A faca de cabo de porcelana de N anna M arrigan desliza de debaixo de meu colchão,desliza para dentro do banheiro, e descansa a esquerda da pia, a lâmina de frente para aparede de vidro.Os comprimidos que eu tomei uma hora atrás batem contra minhas veias como latas delixo de metal voando pela rua. As cobras em minha cabeça acordam, deslizam para meutronco cerebral, e desabam nos abutres que cochilam. Os pássaros batem suas asas noturnasuma vez, duas vezes, três vezes, e circulam alto no ar. Suas sombras apagam o sol.Eu uso minha camiseta para limpar o vapor do espelho. H á enfeites nos meus braços,também, pérolas em minha penugem lanugem, os pequenos pelos brancos que eu comeceia deixar crescer para me manter aquecida.C orpo estúpido. Qual é o ponto em deixar crescer pelos e deixar o cabelo de minhacabeça cair?— Você não gostaria de saber? — o estúpido corpo responde.— Você ganhou, — acrescenta Cassie.Eu ganhei por que sou mais magra. Eu sou duplo- zero. Eu permaneci forte e não tenteiter bolo e comê-lo, também. Eu não dei nem mesmo uma mordida. Eu pressiono meusdedos em minhas maçãs do rosto. Se eu golpear minha cabeça em uma parede de pedra, euaposto que poderia quebrar todos os ossos de meu rosto. Os dedos vagueiam sobre meuqueixo, descem por minha garganta, passando pelas asas de borboleta em minha tireóide,descendo para onde minhas clavículas se ligam em meu esterno como a fúrcula de umpássaro.Os gatos de Emma estão na sala, arranhando o fundo da porta para entrarem.M inhas mãos lêem um mapa em braile cortado a partir de ossos, começando por meusseios ocos alinhados com rios de veias azuis espessos como gelo. Eu conto minhas costelascomo contas de um rosário, murmurando encantamentos, os dedos ondulando sob a gaiolaóssea. Eles quase podem tocar o que está escondido dentro.M inha pele se inclina para baixo sobre a barriga vazia, e então, em torno de dentro daacentuada curva dos ossos do meu quadril, tigelas esculpidas em pedra e pintadas comrosas cicatrizes de navalha desaparecendo. Eu viro no vidro. M inhas vértebras estãoempilhadas em bolinhas molhadas, uma em cima da outra. M inhas omoplatas aladasparecem prontas para penas desabrocharem.Eu pego a faca.Os tendões sobre a palma de minha mão tencionam, cordas mantendo uma tendaenquanto o vento sopra. Finas cicatrizes se entalham no interior de meu pulso, se alargandopara a dobra de meu cotovelo, onde eu cortei profundamente na nona série.Eu venci, eu ganhei.Eu estou perdida.A música do meu quarto grita tão alto contra o espelho, que isso faz meus ouvidosressoarem. Eu fico olhando para a garota fantasma do outro lado, seu espartilho de ossosesperando para ser laçado mais apertado, assim ela poderá dobrar nela mesma de novo e denovo até que ela desapareça além de zero.Eu corto.A primeira incisão é feita a partir de meu pescoço até logo abaixo de meu coração, fundoo bastante para que eu finalmente possa sentir alguma coisa, não o suficiente para meesfolar. A dor flui como lava e tira meu fôlego.A faca esculpe um caminho na carne entre duas costelas, em seguida, entre as duascostelas abaixo daquelas. Gordurosas gotas de sangue respigam no balcão, sementesvermelhas maduras. Eu sou muito, muito forte, tão feita de ossos de ferro e mágica que afaca desenha uma terceira linha entre duas costelas, em linha reta e verdadeira. Poças desangue de sangue nas tigelas de meus quadris e escorrem para o piso.Buracos negros abertos na frente de meus olhos, e o pássaro selvagem preso em meucoração bate suas asas freneticamente. Eu estou suando, finalmente aquecida.A música pa –[049.00]A porta do banheiro balança aberta.Emma vê a pintura de sangue em minha pele e os rios vermelhos esculpidos em meucorpo. Emma vê a faca molhada, prata e porcelana.Os gritos de minha irmãzinha quebram os espelhos.[050.00]A sala de emergência está cheia com nevoeiro. Irritadas sombras voam para cima e parabaixo das paredes e através do teto.Cassie segura minha mão e sussurra os números. —Seu coração tinha trinta e três batidaspor minuto na ambulância. Terrível bradicardia. O EC G foi estranho, provavelmente porcausa da desidratação e perda de sangue. V ocê está respirando okay, mas você tem apressão arterial e temperatura de sujeira.Eu fecho meus olhos.Quando eles abrem, ela tem os resultados laboratoriais.— Anemia, — ela diz. — Além disso, açúcar no sangue baixo, fosfato baixo, cálcio baixo,T3 baixo - não sei o que isso significa - glóbulos brancos em alta, plaquetas baixas. Tecosturaram com fio preto, trinta e três pontos, não é esquisito? Ah, e você tem cetonas naurina. Continue assim e nós passaremos o Ano Novo juntas. Permaneça forte, querida.—Onde Emma está? — eu pergunto.Uma enfermeira me envolve em colares de tubos plásticos e fios verdes, e decora oquarto com sacos plásticos cheios de água e sangue. Ela me pica com uma agulha. Eu medeito em um caixão de vidro e sonho onde roseiras escalam as paredes para me tecer umafortaleza espinhosa.[051.00]Dois dias depois, dois dias antes do N atal, eu sou considerada gorda e sã o bastante paraser expulsa do hospital. O plano para me enviar de volta a N ew Seasons não funcionou.N ão há um quarto na pousada para uma Lia com pele de couro rechonchuda cheia decoisas confusas. Ainda não. O diretor prometeu a minhamãe Dra. M arrigan que ele teráuma cama para mim na próxima semana.Estou estável o suficiente para voltar para casa até então. Todos eles dizem que eu estouestável.Eu falhei em comer, falhei em beber, falhei em não me cortar em pedaços. Falhei naamizade. Falhei na irmandade e na filhandade. Falhei em espelhos e em balanças e emtelefonemas. Ainda bem que eu estou estável.Papai me pega no hospital. Ele me visitou todos os dias sem J ennifer (certifiquei-me deque ele nunca correu para mamãe) e ele chorou com a cabeça em meu colchão, mas ele nãodisse muito, nem mesmo quando ele me ajudou a entrar no carro.N evou enquanto eu estava ligada aos tubos. Os campos brancos refletem o sol e otornam quase brilhante demais para se olhar. Eu viro o visor para baixo e alguma meninaolha de volta para mim de dentro do espelho. Parte de meu cérebro - a hidratada, a partealimentada com glicogênio - sabe que eu estou olhando para mim. M as a maior parteduvida. Eu não sei mais o que eu deveria parecer. M esmo o nome na pulseira no hospitalparecia estranho, como se as letras estivessem em ordem errada, ou como se parte do nomeestivesse faltando.Eu viro o visor de volta e espero que meu pai não tenha visto eu me retrair.Os médicos me amarraram junto com barbante. Eu mantenho-me esquecendo dospontos até que eu me movo muito rápido e a dor irrompe. Eles me bombearam inteira comágua com açúcar, também, e refeições servidas em bandejas de plástico, divididas em cincoretângulos. Este cérebro estava com um medicamento e este corpo estava com outro; estamão empurrou comida em minha boca, muito rápido para contar as mordidas. Eles meamarraram novamente, mas não usaram nós duplos. M inhas entranhas estão drenandopara fora as linhas de culpa em minha pele, eu posso sentir, mas toda vez que verifico asbandagens, elas estão secas.Eu me puxo de volta para o corpo no banco do passageiro no carro de meu pai.—Onde está Emma? — eu pergunto. —As férias de inverno, não começam hoje?Papai soca um botão no painel. O som muito alto de um trompete de jazz nos bate. Eualcanço o botão do volume, o contraio, e o giro para baixo.Quando ele sai da estrada, não vira à direita. Ele vira à esquerda, norte, em direção alinha sombria de nuvens de tempestade que trazem mais neve do topo do mundo.— Aonde vamos?— Estou te levando para casa.— Esse não é o caminho.Os dedos dele apertam o volante. —Você vai ficar com sua mãe até que seja internada.— Não, papai, por favor! E quanto a Emma? Ela precisa de mim para fazer mais biscoitosde gengibre com ela e ela precisa de ajuda para embalar seus presentes e nós vamos cantarcanções de Natal na igreja. E eu prometi andar de trenó com ela e fazer anjos de neve.Ele vai para a pista de passagem sem verificar os retrovisores.— V ocê não verá Emma até que você esteja melhor. Talvez isso lhe dê algum incentivo. Sevocê não quer tentar por você, tente por ela.Sua voz quebra. Ele funga, engole duramente, e empurra o acelerador até que a agulhado velocímetro sobe até a zona vermelha. Eu não conheço esse homem. Aperto a maçanetada porta, sem ter certeza se vamos fazer isso.Ele ainda tem uma chave da casa dela no chaveiro com o restante: do escritório, daacademia, da casa de J ennifer, e de três carros. Ele abre a porta, entra, e espera que eu osiga.Mamãe Dra. M arrigan está na biblioteca ditando lembretes para seu computador.Quando entramos, ela ergue um dedo para que assim possa terminar de recitar detalhessobre seu mais recente desvio quádruplo em um cara que passou os últimos quarenta anoscomendo cheeseburgers.Papai carrega minhas malas até oquarto de hóspedes meu quarto. Quando ele desce,demora mais ou menos um minuto até que mamãe Dra. M arrigan o trata como ummanobrista ou um mensageiro.—Você providenciou a ida dela a Dra. Parker amanhã? — pergunta ela.— J ennifer virá buscá-la uma hora, e a trará de volta após a sessão. — Papai fecha suajaqueta e puxa suas luvas. —Você já cuidou da manhã?—Por que J ennifer tem que dirigir por mim? — eu pergunto. —Eu posso dirigir, se meemprestarem um carro.Eles nem sequer olham para mim. Eu não estou no cômodo, aparentemente.Mamãe Dra. M arrigan acena com a cabeça para opapai Professor Overbrook."Uma deminhas enfermeiras, M elissa, estará aqui desde o momento que eu sair e até que J enniferchegue. Ela pode ajudar depois do N atal, também, sempre que não estiver em serviço.Quinze dólares por hora, dinheiro.—Bom, — ele diz.— Você chamou uma babá pra mim? — eu pergunto.Eles não reagem. Eu ainda não estou aqui.— Que horas ela volta? — mamãe pergunta.— É uma sessão de duas horas, portanto, com a condução, talvez quatro horas, quatrohoras e meia, — papai diz. — Você já estará em casa, certo?Mamãe Dra. M arrigan endireita a pilha de revistas médicas sobre a mesa do café. —Estarei fora até as sete. Amanhã é véspera de N atal; M elissa irá visitar seu irmão quandoLia sair as uma. Não vou pedir a ela para voltar.Ele franze a testa. —Acho que Jennifer poderia ficar.— Se as coisas estiverem tranqüilas, sairei mais cedo, — eladiz.—Isso seria o melhor.O beijo dele de adeus em minha bochecha é tão leve, que eu não consigo senti-lo.Ele sai pela porta da frente e leva um tempo para fechá-la atrás dele.—O cobertor no sofá está ligado e aquecido, —mamãe Dra. M arrigan diz. — H á umatigela de sopa lá, também, carne de boi cevada. Enquanto você os faz desaparecer, euexplicarei como as coisas serão.—Você está falando comigo agora, certo? — eu pergunto.— Estarei lá em um minuto, assim que eu terminar isso.Depois de mais dez minutos ditando, ela vem e senta na ponta do outro sofá, sentadaem linha reta como se estivesse equilibrando uma coroa na cabeça. Ela espera que eu faça oprimeiro movimento.—Quero voltar para meu pai e Jennifer.Ela se afasta para a esquerda para acender uma luz. O sol se põe precocemente no finaldo ano.— Todos nós concordamos que você deveria ficar aqui, — ela diz. — N ew Seasons ligoupara confirmar sua data de admissão na semana que vem. — Ela limpa poeira do abajur. —Eles têm seus prontuários hospitalares e terão uma áudioconferência com a Dra. Parkerapós você vê-la amanhã.— Eu tenho dezoito anos. O que eu digo para ela é privado.— Não, se um tribunal decide que você é um perigo para si mesma e outros.— Quando isso aconteceu?— Eu operei metade dos juízes neste conselho, Lia. Se isso precisar acontecer, irá.Eu não tenho dezoito anos, eu tenho doze, presa em sapatos, dançando opas de mamãenovamente, com ela em pé nas asas, me dizendo o que estou fazendo de errado.Vapor se enrosca na superfície da sopa. — Esse lugar não meajudou antes. É inútil me mandar de volta.—Isso foi o que seu pai disse.— Ele disse?—Ele mudou de idéia sobre algumas coisas, depois do que você fez. Ele finalmente estáadmitindo o quão desesperadas as coisas estão, mas ele não acha que o tratamento vaifuncionar.Eu não consigo me controlar. — Por que não?—V ocê não quer ficar melhor. Ele diz que nada vai funcionar até que você queira sersaudável e ter uma vida de verdade. Eu quase concordo com ele.— Então, por que me fazer ir? — eu pergunto. —Por que desperdiçar dinheiro?—Por que se você não for, você vai morrer.—V ocê está exagerando. — Eu ponho minhas mãos ao redor da tigela de sopa e meinclino para o vapor, com fome agora para os puxões queimando dos pontos. Eu pego acolher e mexo. O movimento traz para cima legumes e cevada do fundo. N annacostumava fazer isso, mas eu não posso me deixar provar. O primeiro gole derreteriaatravés do lençol de gelo que está me mantendo suspensa sobre um buraco aberto.Eu deixo a colher cair e escondo minhas mãos sob o cobertor. —Por que você mantémaqui tão frio?. — As palavras saem muito altas, como se meu botão de volume estivessequebrado.— V ocê não tem gordura corporal suficiente para manter sua temperatura. A solução écomer algo nutritivo de 3 em 3 horas. Muito simples.— Eu não preciso comer de três em três horas. Eu tenho um metabolismo lento.— Seu metabolismo diminuiu por que seu corpo pensa que você está presa em umainanição. Ele está segurando cada grama que pode para mantê-la viva.M eus punhos apertam onde ela não pode vê-los. —V ocê está tornando meus problemasfora de proporção, para que você não possa olhar para quão miserável você é.—Pare de mudar de assunto.—Pare de me ameaçar. É a minha vida. Eu posso fazer o que eu quiser.Minha mãe estapeia a mão sobre a mesa de café. —Não se você está se matando!"O vento grita através das portas francesas e sopra entre nós, fazendo-me tremer. Ela selevanta e anda. Eu fixo meus olhos em um ponto de tinta desbotada na parede.—Qual o ponto desse comportamento irracional? — ela pergunta, de costas para mim.— O que você está tentando provar?— V ocê acha que eu gosto de assustar Emma e deixar vocês tão loucos que nem sequerolham para mim?Ela se vira. — Eu não sei. Eu não entendo nada do que você faz. Beba a sopa.Eu puxo o cobertor até o queixo. —Você não pode me forçar.Ela fecha as cortinas pesadas. I sso reduz as correntes de ar e põe-me nas sombras. Elaacende mais duas luzes antes de tomar uma profunda respiração e sentar-se novamente.— Seu corpo quer viver, Lia, mesmo que sua cabeça não, — ela diz. —Seus númerosrecuperaram-se rapidamente no hospital; asfunções do fígado melhoraram, o intervalo QT melhorou, os níveis de fosfato e cálcio estãomelhores. V ocê é resistente e eu quero dizer isso da melhor maneira possível, medicamentefalando.Couro resistente, mancha teimosa, aço que enferruja e desintegra o edifício.— Se você não comer, eu não vou empurrar comida pela sua garganta, mesmo sendotentador. M as, você deve manter-se hidratada. Se você restringir líquidos, você serácolocada em uma ala psiquiátrica. I nstantaneamente. Eu já trabalhei com a Dra. Parker econsultei o procurador do distrito sobre a papelada.— Eu te odiarei para sempre se você me jogar em um manicômio.—V ocê tem que tomar seus remédios, também, todos eles. — Ela pega fiapos do afegão.— M elissa ou eu observaremos você durante uma hora depois que você tomá-los para secertificar de que eles entrem no seu sistema. Também mediremos quantas gramas vocêbebe e quantas você excreta.— Você vai medir o meu xixi?— É o melhor modo de garantir que você esteja hidratada. H á um recipiente de plásticono banheiro do andar de baixo para coleta de urina."—Isso é ridículo. Eu não estou tão doente.— A incapacidade de avaliar racionalmente a sua situação é um resultado de mánutrição e química do cérebro perturbada.— Eu odeio quando você fala como um livro didático.Ela se inclina para frente. —Eu odeio quando você passa fome. Eu odeio quando vocêcorta sua pele, e eu odeio quando você nos afasta.O vento empurra as portas de vidro tão duramente que as cortinas balançam.— Eu odeio isso, também, — eu sussurro. —Mas, eu não consigo parar.— Você não quer parar.O veneno na voz dela choca nós duas.Ela fica em pé novamente e rapidamente recolhe o afegão, fungando muito e engolindoas lágrimas. N o começo eu pensei que ela ia sair, talvez colocar o afegão no armário ou namáquina de lavar. M as não. Ela o espalhou em cima do cobertor elétrico onde estou meescondendo debaixo, dobrando-o em torno de meus ombros e quadris.— Sinto muito, — ela diz. —Isso foi cruel.—Isso foi honesto, — eu digo. O peso do cobertor é doce. — A Dra. Parker aprovaria.Por um momento, o vento para. A casa está em silêncio, esperando que eu fale para ela.Eu poderia tentar. Talvez não tudo. Talvez apenas os nomes, os nomes ruins::estúpida/feia/estúpida/vadia/estúpida/gorda/::::estúpida/bebê/estúpida/estúpida/estúpida/estúpida::que me apunhalam quando eu penso em comer um pão de canela ou uma tigela deBluberridazzlepops. E depois, há o fato de ficar presa entre os mundos, sem bússola, semmapa.Ela alisa minha bochecha com as costas da mão e se inclina para frente, mas não mebeija. Ela cheira minha cabeça, uma, duas, três vezes.—O quê você está fazendo? — eu pergunto.Ela se senta ao meu lado. — N a escola de medicina, nós lemos sobre um estudo, no qualas mães poderiam identificar seus bebês pelo cheiro, um dia depois que eles nascem. Eupensei que era bobagem.— É verdade?— Eu conheci você por seu cheiro dentro de horas. Ele me confortava, como uma droga,quase. Eu adorava o cheiro de minha filha. Eu costumava cheirar sua cabeça o tempo todoquando você era bebê .— Mãe, isso é estranho. E se eu acho que é estranho, você realmente está em apuros.— Eu dormi com seu travesseiro durante meses quando você se mudou, fingindo que euainda podia sentir seu cheiro. Estúpido, hein?Eu engulo em seco. — Na verdade, não.—Isso quase me matou quando você se foi.— Eu tinha que ir.— Eu sei. — Ela olha para suas mãos mágicas. —M inha única filha estava morrendo defome e eu não podia ajudá-la. Que tipo de mãe isso me tornou? Eu estava uma bagunça. —Ela toma uma respiração profunda. — Eu queria você aqui, mas você não queria estar aqui.Eu queria você longe de C assie, por que ela era guiada para o problema. V ocê estavadeterminada a ficar com ela. C indy me disse quando C assie rompeu a amizade de vocês.Eu estava tão feliz que quase dancei na rua - "— Eu cheiro como biscoitos? — eu interrompo.O quê?Eu limpo a aspereza de minha garganta. — Eu cheiro como biscoitos? M inha cabeça, euquero dizer. Como gengibre e cravo e açúcar?Seu sorriso é caloroso e verdadeiro. — N ão, não de todo. Eu sempre pensei que vocêtinha cheiro de morangos frescos. Isso é estranho, também?Nenhuma de nós se atreve a respirar, por que ambas estamos aqui no mesmo espaço e aomesmo tempo, mamãe e Lia, sem telefones, sem bisturis, ou palavras ardentes. N enhumade nós duas quer quebrar o feitiço.Se eu contar a ela sobre toda a minha feiúra agora, esta frágil ponte irá desmoronar sob opeso disto.— Não, — eu digo. —Não é estranho, é doce.Para o jantar eu bebo fluído eletrólito-substituto, que tem gosto, como o cheiro debanheiro de hospital. (= ? M amãe leva a etiqueta e faz os cabos de força do computadordesaparecerem, por isso não posso checar os números). Eu como uma banana pequena (90),também. Tem gosto de banana.M amãe come uma salada de frango C aesar com pingos de molho e dois pedaços de pãode centeio integral. Ela assiste a um documentário sobre a C oreia do N orte, enquanto eufinjo ler. Quando acaba, ela verifica meus pontos, pulso, pressão arterial, e me dá meusremédios, mesmo o meu comprimido para dormir.Aposto que ela toma um, também. De que outra forma ela consegue adormecer sem vertodos os corpos cortados abertos e os corações contraídos?Eu caio no sono antes de estar pronta e acordo no meio da noite, confusa novamentesobre onde estou e por que e quem. M il dedos estão me alcançando através do meucolchão, cutucando através de minha pele para arranhar meus ossos. Eu pulo para fora dacama e ando para sacudir o sentimento. Do outro lado da rua, na casa de C assie, umamatilha de lobos está cavando nas roseiras, a procura de corpos para comer e ossos paratriturar. Eu não consigo mais dizer quando estou dormindo ou quando estou acordada, ouqual é pior.[052.00]Os altos e baixos mudaram durante a noite. Ao invés de soprar para o mar, a tempestadede inverno está presa sobre o coração da N ova I nglaterra. N ós deveríamos ter, pelo menos,menos de um metro de neve, hoje. Eu gostaria de saber se poderia chamar alguém paralevar Emma para andar de trenó. M ira, talvez. Ou Sasha. Será que elas responderiam otelefone, se elas soubessem que sou eu ligando?Pensar em Emma me faz querer puxar meus pontos com um par de alicates. Elesdeveriam me queimar na estaca pelo que eu fiz a ela. Por me a deriva de um bloco de gelo.Eu queria que houvesse uma maneira de fazê-la esquecer o que viu, para esfregar/limparaquela memória. Não há sabão suficiente e água sanitária no mundo.Eu não teria que usar um alicate. Eu poderia cortar os pontos com um cortador de unhase puxar até que este corpo se desfizesse.Minha mãe me chama. Eu desço as escadas.O cão de guarda A enfermeira M elissa chega quando estamos comendo café da manhã(meia toranja = 37, torradas = 77), uma caneca gigante de bebida eletrolítica ( = ?) ecomprimidos ( = lençóis de veludo branco enrolados em volta de meu cérebro). Ela éapenas alguns anos mais velha que eu, mas já tem as linhas da testa —nemmesmotenteisso" que as boas enfermeiras conseguem por constantemente franzir atesta.Uma hora depois, eu faço quinhentos mililitros de xixi de água amarela. M elissa fica nobanheiro e me observa.—Você não está sendo paga o suficiente para isso, — eu digo.Ela está no telefonema-relatório-de-fluídos no escritório de mamãe Dra. Marrigan.Eu estou morrendo para saber quanto estou pesando. N ão há balanças aqui e não mediriam no hospital. Eles pregaram tanta substância pegajosa em mim, que eu aposto queganhei quatro quilos e meio. M inha pele coça por causa da nova gordura. Ela vai se dividire descolar. M elissa me dá creme de pele e observa enquanto eu o esfrego em meus braços epernas.Eu durmo sob uma montanha de cobertores pelo resto da manhã.J ennifer me leva ao consultório da Dra. Parker sem dizer uma palavra. Eu não a culpo.Eu não falaria comigo, também, se eu fosse ela. Eu aposto que ela está com medo de que seela abrir a boca, ela não parará de gritar comigo por dias e isso faria uma confusão no N atal,acima de todo o resto.Ficamos atrás de um arado o caminho todo, os para brisas ligados em ALTO, as mãos delaseguram tão fortemente no volante que as juntas ficaram brancas. A neve faz com que sejadifícil de dizer se tem algo de baixo ou ver qualquer coisa até que estamos perto o suficientepara uma colisão.Ela finalmente dirige para o parque de escritórios e puxa para cima, próximo ao meio-fio.—Então, — eu tento. —Quatro horas, certo?Ela acena com a cabeça uma vez, os olhos olhando para a tempestade.— E, er, eu virei na manhã de Natal? Então, poderemos abrir presentes?— Sua mãe tem que me ligar. — Ela liga o ventilador para soprar o calor.— Certo. — Eu abro a porta.— Espere. — J ennifer agarra meu braço. Pela primeira vez desde que me amarraram namaca, ela me olha no olho. — David não quer que eu diga isso pra você, mas é muito ruim.Eu amo você, Lia. Quando me casei com seu pai, eu jurei amar você como se você fosseminha. Mas, você feriu a minha menininha.Ela está tremendo de raiva.—V ocê a machucou por morrer de fome, você a machucou com as suas mentiras, e porbrigar com todo mundo que tentava te ajudar. Emma só pode dormir algumas horas pornoite, agora. Ela é assombrada por pesadelos com monstros que comem a nossa famíliainteira. Eles nos comem lentamente, ela diz, para que possamos sentir seus dentes afiados.M eu coração muda de marcha lenta para quarta marcha, acelerando como um carro decorrida derrapando ao redor da pista.— Eu estou - "Ela solta meu braço e cobre minha boca com sua mão. — Shhh. V ocê vai lá e dirá averdade a essa mulher. Diga a ela o que está em sua cabeça e por que você faz essas coisas.Diga a ela que há uma boa chance de que você não pode viver mais na casa de seu pai,então é melhor você descobrir como se dar bem com sua mãe.— Eu não posso deixar você destruir Emma, também. Eu nãovou.Ela volta para seu assento, com a máscara madrasta- suburbana aparafusadafirmemente no lugar. —Quatro horas. Talvez um pouco mais tarde, dependendo dasestradas.[053.00]A recepcionista, Sheila, não está em sua mesa. Provavelmente, saiu mais cedo paracozinhar para o N atal. Eu ponho minha orelha na porta fechada do gabinete interior daDra. Parker; alguém está chorando do outro lado. A voz de Parker murmura, em seguidasoa o chato dim-dom do relógio da sessão.Eu mantenho meus olhos no chão enquanto o paciente chorando atravessa a sala deespera e abre a porta para a tempestade lá fora, ainda fungando e soluçando.A Dra. Parker sempre vai ao banheiro entre as sessões e às vezes faz uma pausa parameditar. Serão pelo menos cinco minutos até que ela me chame para entrar. Eu vimpreparada, armada com meu tricô. Eu preciso terminar esta coisa cachecol/xale/cobertorpara que possa começar algo para Emma - um chapéu, talvez, ou um suéter para seuelefante de pelúcia.Eu olho pela janela. Um carro está emperrado no estacionamento. O motor aceleraenquanto a motorista gira seus pneus, empurrando o acelerador, mas indo para lugarnenhum. Arado de madeira, correntes tilintando, lâminas enviando faíscas enquantoraspam o gelo da estrada. Tudo está enterrado na neve. Parece um mundo diferente.— É uma merda, não é? — Cassie diz.Meu coração bate contra minhas costelas.Ela está sentada do outro lado da sala, os pés apoiados na mesa de café, a revista em seucolo, dobrada aberta em palavras cruzadas. Ela está vestida para o tempo: o vestido azul docaixão, jaqueta de esqui cinza, gorro com luvas combinando, na cadeira ao lado dela, botasúmidas forradas de pele.Ela está sentada do outro lado da sala, os pés apoiados naEles nunca lhe dão uma pausa. É sempre ' fale com o psiquiatra, fale com sua mãe, faça oque você disse, por que você não cresce? '. — Ela preenche alguns espaços na cruzadinha,depois, os apaga. —Treze para baixo. V ocê sabe uma palavra de quatro letras para'contrato' ?—Por que você não me deixa em paz?— Eu sinto sua falta.O fundo da minha garganta soa como se eu pudesse sair. Eu me encosto contra a mesade Sheila e aperto um dos cortes entre minhas costelas. A dor me ilumina como uma armade eletrochoque. —Você sabe o que Emma viu, não é?Cassie escreve uma palavra na cruzadinha. —Laço cabe. Talvez.— Eu não acredito que fiz aquilo para ela.—V ocê não merece viver. — Ela diz isso como se estivesse me dizendo qual par decalças jeans fica melhor. —Use uma faca maior da próxima vez. C orte mais fundo. Acabecom isso.— Eu acho que não quero morrer.Ela bufa. — Sim, certo. V ocê nem mesmo pode comer uma tigela de cereal sem ter umcolapso. H onestamente, você acha que fará algo mais difícil, como, por exemplo, ir para afaculdade? Ousobre as compras em supermercados? Ooooh - assustador!"conseguir um emprego, talvez viver por si mesma? E o que dizerA privada dá descarga no escritório da Dra. Parker.Eu avanço devagar em direção a porta. — Por que você está sendo tão cruel?—Amigas dizem as amigas a verdade.— Sim, mas não para machucar. Para ajudar.Em um instante ela está na cadeira junto à janela. N o próximo, ela está em pé na minhafrente, bem na minha cara, fazendo a temperatura cair abaixo de zero. Sua pele é ásperacomo uma estátua de cemitério. Seu cheiro é sufocante.—Você quer que eu te ajude, Lia - Lia?Pode-se matar uma fantasma enfiando uma agulha de tricô através de seu coração? Oupelo menos colocá-la de volta no chão onde ela pertence?—Te ajudar como você me ajudou?. — Ela estende a última palavra até que ela se agitaem sua garganta. — Como é isso, então? Você não é magra. Você é uma baleia cheia de pus.Sua mãe queria ter te dado para a adoção. Seu pai secretamente acha que não é realmentefilha dele. As pessoas riem de você quando suas banhas sacolejam. V ocê é feia. V ocê éestúpida. V ocê é chata. A única coisa em que você é boa é em passar fome, mas você nemmesmo consegue fazer direito. Você é um desperdício."Ela pisca. — E é por isso que eu te amo. Apresse-se, ok?A Dra. Parker abre a porta. —Pronta?[054.00]Ela liga o aquecedor e me dá um cobertor de emergência para colocar em cima do feioafegão de cabelo. —Desculpe, está tão frio. Realmente é necessário substituir essas janelas.Eu me enrolo em uma bola no sofá, segurando meu tricô contra meu estômago.Ela assume sua posição atrás da mesa. —V ocê teve um tempo ruim. Estou muito felizpor você estar aqui. Acho que esses pontos estão machucando.Aqui é onde eu mantenho minha boca fechada por quinze minutos, arranco a penugembranca em meus braços. M as, meu coração está cheio de veneno e está inchando, jogandosecontra a gaiola de osso tão fortemente que meus dentes estão chacoalhando e meuspontos querem estourar.— Parece que bombearam um oceano inteiro dentro de mim, — meus lábios dizem.— Por causa dos fluídos IV? — ela pergunta.— Eu pingo toda vez que me movo.— Você estava muito desidratada. Você parou de beber, também, mesmo água?Eu tiro o tricô para fora da bolsa. Tricoto, tricoto, laço. — Eu não me lembro. Talvez.— Como estão os cortes?—Os pontos doem mais que os cortes. O médico colocou muitos. Eu mal posso me mexersem abri-los.Ela permite que um quieto minuto flua, e então pergunta, — Posso ver os pontos?— Não. —Eu digo. —Ainda não.Ela acena. — O que mais está incomodando?— Aquele cheiro está me enlouquecendo. — Merda. Eu não ia dizer isso.— Que cheiro?Eu ponho as agulhas em meu colo e observo como os fios se enrolam ao redor de minhasmãos. — Você não o sente, não é?Ela balança sua cabeça vagarosamente, com medo de assustar esta estranha garotafalante que está coberta de pele. — Você consegue descrevê-lo?— N o começo, eu pensei que era biscoitos, biscoitos de N atal, e que eu estava sentindo-oporquê meu estúpido cérebro estava tentando me enganar a fazer-me comer. M as, não éisso. E Cassie.Quando eu sinto o cheiro, ela está por perto.— Cassie, sua amiga que morreu no mês passado.— Gengibre, cravo, e açúcar, como biscoitos queimados. N a primeira vez foi bom. Fezmelembrar dela. Agora, isso me assusta.— Eu não consigo entender completamente.Oh, Deus. Oh, Deus.Eu estou no topo da montanha mais alta. O solo gelado estátremendo, um terremoto, o mundo se abrindo debaixo de mim com fogo, braços de açoprontos para me puxar para baixo.Eu tenho que me mexer. Eu não posso mais ficar aqui.Eu me jogo para baixo da montanha e abro minha boca.Eu falo sobre o funeral de N anna M arrigan e as sombras que pairavam sobre asextremidades de coisas desde sempre. Eu digo a ela sobre ver fantasmas em vitrines e emespelhos antigos e como a maioria deles são agradáveis, mas não todos.Quando meus lábios se mexem, o cômodo se alonga e se estreita, como as paredes deborracha vermelha estão sendo puxadas por mãos gigantes. A voz da Dra. Parker diminuienquanto sua mesa fica cada vez mais longe e longe de mim.— Os fantasmas te assustam?— Cassie, sim.O fio aperta ao redor de minhas mãos até que meus dedos estão roxos.—Você pode me falar sobre isso?Eu digo a ela. Eu conto a ela todaahistóriaassustadorasobreC assie, como ela sentou-se nocaixão, como ela me observou durante a noite, como ela entrou em minha mente,assombrando cada passo, fazendo nevar na farmácia. C omo eu parei de tomar meuscomprimidos, tomei comprimidos extras, trabalhei por horas a noite, parei de comer, pareide beber, cortei e cortei para fazê-la ir embora, para fazer tudo ir embora. C omo nadafunciona. Chuva, chuva, chuva escorre pelo meu rosto, quase me afogando.A Dra. Parker mantém seus pequenos olhos de aranha presos nos meus, persuadindo aspalavras sentadas imóveis no centro de sua teia, mal respirando. Eu falo até que minhagarganta está vazia e eu não tenho nenhuma sensibilidade em minhas mãos.Ela vem de trás de sua mesa e delicadamente desenrola o fio. O sangue queima de voltapara meus dedos. Ela enxuga minhas lágrimas com um lenço macio e se senta ao meu lado.— Quem mais sabe sobre isso?— Ninguém. Não, espere, isso não é verdade. Cassie sabe.— V ocê nunca disse a seus pais sobre ver fantasmas? N em mesmo quando era maisnova?—De jeito nenhum. M inha mãe teria me dito para diminuir o drama. Papai teriasugerido que eu pensasse em me formar em poesia, talvez planejar um PhD em estilogótico. Eles nunca me ouviram; eles mal podem me ver. Eu sou uma boneca que eleslargaram.A Dra. Parker puxa uma pastilha de cereja para tosse do bolso de seu casaco,desembrulha-a e a põe na boca. Ela a bate contra os dentes por um minuto. Lá fora, a nevese empilha mais e mais alta.Finalmente, ela fala. —Por que você está me dizendo issohoje?Eu engulo, rígida. Eu já estou sobre minha cabeça. Posso muito bem lhe dizer tudo.— C assie está tentando me matar. Ela diz que eu estou presa entre os vivos e os mortos,e que ela me quer em seu time. Ela está na sua sala de espera, agora, trabalhando empalavras cruzadas.—Você a viu lá?. — A Dra. Parker esfrega as costas de minha mão com as pontas de seusdedos.— Eu a disse para me deixar em paz. Ela não quer.Dim-dom! O relógio cale-a-boca-agora me interrompe.Ela aperta os lábios e se levanta, lentamente, alongando os músculos das pernas e costas.— Você consegue ver Cassie agora?— N ão, ela não está aqui, ela está do outro lado da porta. Ou estava. V á verificar o jogode palavras cruzadas. Ela fez treze para baixo errado. Ela escreveu 'laço'. Deveria ter sido'jura'.Enquanto explico, a Dra. Parker coloca água em um copo de isopor e o finca no microondas.— Você pode verificar a revista. — Eu enfio meu fio na bolsa.—Eu não estou inventando isso; não estou alucinando. E tão real quanto o sangue emminhas ataduras, ou a pastilha para tosse em sua boca.— Não há como provar quem fez a cruzadinha, — ela diz.—Mas, eu disse a você sobre o erro que ela cometeu.Ela pega o copo do micro-ondas e enfia um saquinho de chá dentro, adiciona umpacotinho de açúcar, e mexe com um graveto de plástico. — V ocê poderia ter visto issoquando você passava as páginas ou você mesma cometeu o erro.— Eu suponho.H á vozes na sala de espera, o próximo paciente está desesperado o bastante para vir nodia da Véspera de Natal em uma tempestade de neve.A Dra. Parker me entrega o copo. —Chá, — diz ela. —SempreEu tomo um gole. Tem gosto de aparas de lápis açucarados.Ela se senta novamente em sua mesa e pega a caneta. —Eu realmente estou orgulhosade você, Lia. V ocê fez mais hoje que nos últimos dois anos. — Ela faz uma nota em bloco depapel amarelo. —Eu tenho sua permissão para discutir essa sessão?Eu limpo meu nariz. —Claro, por que não?—Obrigada. Eu quero falar sobre isso com o diretor de N ew Seasons. Poderemos quererdesenvolver um plano de tratamento diferente. Sua instalação pode não ser o melhor lugarpara você.Eu limpo meu nariz. —Eu posso ficar em casa e ser tratada como paciente nãointernada?Ela escreve uma outra nota antes de falar. —Não. Isso não foi o que eu disse.Algo em sua voz me congela, minha mão no ar, pegando outro lenço. —Eu não entendo.— Eu acho que devemos considerar as facilidades de uma clínica psiquiátrica.H á um estrondoso ruído crescendo lá fora, um trovão no meio da neve. As janelastremem. Ela continua falando como se fosse uma coisa cotidiana, como se ela estivesseacostumada a jogar assustadas garotinhas em manicômios.— V ocê merece o melhor, — continua ela. — Pessoas qualificadas que sabem comotrazer de volta sua mente ao equilíbrio. Quando as alucinações e os delírios estão sobcontrole, será mais fácil para você trabalhar nas questões de sua auto-imagem e osrelacionamentos que lhe causam tanta dor.—Você acha que eu inventei, — eu digo. —Você não acredita que eu vejo fantasmas.— Eu acredito que você tenha criado um universo metafórico, no qual você podeexpressar seus medos mais obscuros. Em um aspecto, sim, eu acredito em fantasmas, masnós os criamos. N ós nos assombramos, e às vezes fazemos um trabalho tão bom, queperdemos o controle da realidade. — Ela se levanta. — Eu odeio parar agora, mas eu tenhooutro paciente esperando. V ocê realmente deveria estar orgulhosa de si mesma, Lia. V ocêfez uma descoberta hoje. Como você vai para casa?— Jennifer.Ela puxa a cortina para um lado e olha para o estacionamento. — SUV preta, certo? Eunão vejo uma lá fora.— Ela odeia dirigir em tempo ruim.—Tenho certeza de que ela estará aqui em breve.Perdão, mas você disse dois minutos atrás que estaria recomendando que eu vá para ummanicômio lotado, de pessoas loucas, só por que eu finalmente disse a verdade?—Antestarde do que nunca.Eu a sigo para a sala de espera, onde uma mãe muito zangada está gritando em sussurrospara a filha, cujos olhos parecem como assassinos. A Dra. Parker as acena para sua sala.—Tenha cuidado, Lia, — ela me diz. —Eu te ligo amanhã.[055.00]Cassie desapareceu.Eu abro a revista de palavras cruzadas. Treze para baixo -laço. Quinze de um lado aoutro - Cassandra. Sete para baixo - Lia. Nossos nomes não são as respostas para as dicas, maseles se encaixam nos quadrados.A Dra. Parker gostaria disto. Ela me quer em um quadrado do tamanho de umdiagnóstico. Ela me colocará lá, assim pessoas poderão olhar para mim e enfiar seus dedospor entre as barras.Eu conheci três meninas em N ew Seasons que haviam sido trancadas em uma alapsiquiátrica: K erry, Alvina, e N icole. Elas contaram história de terror enquanto nosapertávamos nos banheiros, e fazíamos flexões e polichinelos às três horas da manhã a luzda lua. As paredes acolchoadas eram reais, elas disseram. E as camisas de força acolchoadaspara amarrar as pessoas que sempre estavam no limite. N evoeiros de remédios tão espessosque esqueciam seus nomes, gritavam no corredor, luzes que nunca eram desligadas. N uncaera manhã nem noite, Kerry disse. Nunca.I sso seria pior que as mulheres adultas que viviam em nossa sala, mas que não falavammuito conosco? Garotas de vidro que tinham vinte e cinco, trinta, cinqüenta e sete anos,andando ao redor em suas gaiolas ósseas de onze anos de idade, cavernas vazias com olhossangrando se arrastando de um tratamento para outro, sempre sendo pesadas, nuncatendo o suficiente. Um dia o vento irá levá-las. Ninguém vai perceber.Um carro rola no estacionamento. N ão é J ennifer. Seria mais rápido ir andando, só queeu já estou meio congelada e cansada.Eu estudo os diplomas na parede. Eu assustei a Dra. Parker. Ela não consegue admitirque meus fantasmas existem. Se ela admitisse, isso seria destruir sua idéia de realidade. Seeu estou certa, então as idéias dela sobre trauma e modificação comportamental e autoconversae encerramento emocional são fingidas. Ficção. H istórias para dormir contadaspara pacientes exigentes que precisam de uma soneca.Nós duas estamos certas.Os mortos andam e assombram e rastejam para sua cama durante a noite. Fantasmas seesgueiram para sua cabeça quando você não está olhando. Estrelas se alinham e pedaços devidro que podem prever o futuro nascem de vulcões. Bagas de veneno tornam as meninasmais fortes, mas às vezes as matam. Se você uivar para a lua e jurar por seu sangue,qualquer coisa que você desejar será sua. C uidado com o que você deseja. Sempre há umporém.A Dra. Parker e todos os meus pais vivem em um mundo de papel mâché. Elesremendam os problemas com tiras de jornal e um pouco de cola.Eu vivo na fronteira. A palavrafantasma soa como uma memória. A palavraterapiasignifica exorcismo. Minhas visões ecoam ese multiplicammultiplicam. Eu não sei como descobrir o que elas significam. Eu não possodizer onde começam ou se vão acabar.M as, eu sei disso. Se encolherem minha cabeça um pouco mais, ou fizerem-me flutuarem um oceano de comprimidos, eu nunca vou voltar.[056.00]Eu disco o telefone na mesa da recepcionista. O celular de J ennifer vai direto para ocorreio de voz. O mesmo acontece com o de papai. Dra. M arrigan ainda está no hospital,não vale nem a pena tentar.A neve está caindo tão rapidamente que é difícil ver as luzes da rua. Sombras decorcovas de carros rastejam junto, pequenas montanhas em seus telhados. J ennifer entraem pânico na neve, sempre acha que as rodas estão escorregando e que a parte final éderrapar. M as, ela prometeu. Ela vai aparecer, me levará para a casa de minha mãe, aúnica sem uma árvore de N atal por que é um incômodo. Eu ingerirei líquidos e osexcretarei em um recipiente de plástico. M amãe fará e receberá telefonemas, e fará o queela tem que fazer para me manter presa no calabouço de ferro.A neve está caindo rápido o suficiente para nos sufocar.Eu chamo um táxi. Eu ofereço pagar o dobro do preço por causa do tempo.O cara aparece em dois minutos. Ainda sem J ennifer. Eu entro, digo a ele o que euquero. Ele pede desculpas por seu aquecedor não está funcionando. Eu digo que nãoimporta.O carro para no banco. Eles me deixam entrar, mesmo que só falte um minuto parafechar.O carro para em uma pizzaria. Elas nunca fecham.Ele não quer dirigir até o Gateway. Diz que não há como ter passagem de volta para acidade e o que acontece se ele ficar preso?Eu aceno três notas de vinte dólares na cara dele e peço para ele se apressar.H á um carro do tamanho de uma corcova no estacionamento do motel, um El C amino.O motorista do táxi se recusa a ir para dentro, por que lá não foi arado. Eu entrego seudinheiro, pego minha bolsa, pego minha bolsa de tricô, e a pizza, e caminho comdificuldade para a neve.Elijah abre a porta do quarto 115, ainda com a corrente. O vento sopra meu capuz. —Porfavor.[057.00]Eu arrasto a tempestade em minhas botas, falando desesperadamente rápido. — Ok,escute. Meu pai me expulsou e as regras da minha mãe são insanas.Ele apenas olha. Empurro a caixa de pizza para ele.—Dê-me um 'por exemplo', — ele diz.— Ela me faz fazer xixi em um copo de plástico toda vez que eu vou ao banheiro, paraque ela possa medi-lo.Ele coloca a caixa sobre a cama. —Por quê?— Ela está obcecada com meu corpo. Sempre foi. Fazia-me comer tofu quando eu erapequena ao invés de comida normal de bebê. Ela me aprisionou em aulas de balé quandoeu tinha três anos. Quem faz isso?— Então, você veio aqui para passar uma noite? Tipo férias sem pais?Eu tiro minhas luvas. —Não é bem isso. Quando você vai embora?Ele pega minhas luvas e as leva para o banheiro. —Amanhã, se limparem as estradas.Dê-me seu casaco. Vou pendurá-lo sobre a banheira.Eu desabotôo o casaco e o tiro. — Tão rápido?— N inguém reservou um quarto para o N atal. — Ele carrega o casaco para o banheiro,pegando um gancho quando passa pelo armário. —C harlie foi para a irmã dele em RhodeI sland antes da tempestade chegar. Eu só tenho que fechar as coisas, cavar como umcondenado, e me dirigir para o sul.Eu levo um minuto para respirar e olhar em torno do cômodo. As páginas e os pedaçosde fita foram cuidadosamente descolados das paredes. As roupas dos armários e gavetasforam esvaziadas, em sacos de lixo preto perto da porta. A pilha de cadernos está noespancado engradado de leite.—Deixe-me ir com você. —Eu tremo. —Eu já esvaziei minha conta bancária. Eu tenhodinheiro de uma vida toda como babá comigo, em espécie. Eu posso pagar pela gasolina eposso ajudar a dirigir.— Eu não sei, — ele diz. —Estou acostumado a viajar sozinho.Ele diz mais, mas meus ouvidos não estão funcionando. Pontos negros estão ameaçandome mandar para o chão. Eu não posso desmaiar. Esta é minha única opção.— Eu acho que você não me ouviu, — eu digo. —Tenho quase mil dólares e um cartãode crédito, que podemos usar até meu pai cancelá-lo. Você quer - ":: tontura/gravidade/chão/escuridão ::[058.00]Eu acordei em sua cama. C om todas as minhas roupas. Debaixo dos cobertores, meus pésestão apoiados tão alto nos travesseiros, que eu não posso ver além deles.Elijah se inclina sobre mim: —Você está bem? Que diabos aconteceu?Eu toco em um caroço na minha testa. — Devo ter desmaiado. V ocê não chamou umaambulância, não é?— Eu devo?— Não. — Eu esforço-me para sentar.— Você está doente?—Um pouco. — Os pontos pretos dançam na frente dos meus olhos novamente. Deitome.—Eu estive no hospital durante alguns dias, por que eu estava desidratada. Eu aindaestou um pouco fraca, mas não é grande coisa.Seus olhos se perturbam. —V ocê está brincando comigo? E grande coisa, sim. V ocê nãopode vir comigo - V ocê nem mesmo pode estar aqui. Se eu me enrolar com outra garotamorta, a polícia não se importará se eu tiver um vídeo de álibi. Você tem que ir.— Eu não posso ir para casa.— Eu não me importo aonde você vai. Você simplesmente não pode ficar comigo.Eu aponto para fora da janela. —V ocê vê aquela tempestade? A polícia não tem pessoassuficientes para lidar com todos os acidentes; metade das estradas estão fechadas por causados engavetamentos. Eu tenho dezoito anos, eu estou sóbria, eu não tenho nenhummandado. Eles não virão procurar, eu prometo.—Talvez não, mas seus pais vão.— Eles não tem idéia de que eu já estive aqui. Eu não lhes disse aonde você trabalhavaou como conheci você.Ele pega o baralho de cartas em cima da televisão e os deixa cair, um por um, de voltapara a pilha. Alguns deslizam para fora e pousam no chão, ao acaso. — Eu não tenho umbom pressentimento sobre isso.Ele vai me expulsar e eu vou ter que chamá-los e eles fingirão que estavam preocupadospor tempo suficiente para conseguir um carro, e eles me levarão para um hospitalpsiquiátrico, onde as janelas são pintadas e eu nunca vou saber se é dia ou noite,e eles memanterão lá até que eu esqueça o meu nome porque depois disso, nada importará.Chuva cai no meu rosto novamente. —Por favor.— N ão, não. N ão chore. Pare. Eu odeio quando meninas choram. — Ele entra nobanheiro e sai com um rolo de papel higiênico. — Aqui.Eu puxo um pedaço, enxugo os olhos e assoo o nariz, mas as lágrimas continuamvazando.—O quê aconteceu?. — Ele se ajoelha ao lado da cama, assim estamos no mesmo nível.— Que diabos está acontecendo?— Eu fiz uma besteira, — eu sussurro. —Grande. Realmente grande.—Você está grávida? Usando craque? Roubou um banco? Atirou em alguém?— Eu vou te mostrar.N ovamente, sento-me, devagar, e retiro meu suéter de gola alta, e a grande blusa debaixo. Quando eu chego na última camada, ele levanta as mãos.— N ão. Espere. N ós não vamos fazer isso. I sso já não está funcionando. Ao todo. Espere,isso é sangue?Eu retiro minha blusa, estremecendo. — Ajude-me.Ele deixa-me eu me apoiar em seu braço. Eu me levanto, contando até dez para mecertificar de que não vou desmaiar novamente, então, eu retiro as ataduras, e deixo a gazecair no chão.Seus olhos vagueiam sobre os cortes e pontos, linhas pretas cutucando-se como fioquebrado. As contusões vêm à tona, as cores do pôr do sol espichadas sobre ossos apertados.Ele não vê meus seios ou minha cintura ou meus quadris. Ele só vê o pesadelo.—O quê aconteceu? — ele sussurra.— Eu caí para fora da borda do mapa. — Eu pego a blusa e a puxo novamente. Ela émais suave que as bandagens. —M inha irmã me viu fazer isso. O nome dela é Emma. Ela éaquela que joga futebol, mesmo que odeie. Ela tem nove anos e me ama muito e" -eu espero até que minha voz volte e eu a baguncei pelo resto desua vida. Eu não posso ficar aqui. Machuquei muitas pessoas .A neve flutua para baixo, cada floco sem peso descansando em cima de outro, até queeles estão pesados o suficiente para esmagar um telhado.— Posso tocar no seu braço? — ele finalmente pergunta.— Claro.Ele pega minha mão direita na sua e empurra seu dedo pelo antebraço até a entrada daulna e do rádio. Ele enrola seus dedos sobre o botão de meu cotovelo e faz um círculo com opolegar e o primeiro dedo que deslizam facilmente sobre meu bíceps.—Quanto você pesa? — pergunta ele.— N ão o suficiente. — Eu fungo. —Bastante. — Um soluço escapa. —Eu não possodizer..— Se vista. — Ele entrega minha blusa. — Você pode vir comigo com duas condições..—Quais?. — Eu cutuco minha cabeça e braços completamente, puxo a blusa para baixo,e pego a gola alta.— Você tem que comer o suficiente para não desmaiar ou morrer.— Bem justo.— Segundo. Você vai ter que ligar para seus pais e dizer que está bem.— Não. Eu não posso falar com eles.— Se você não ligar para eles, você não pode vir.— Quantas vezes você liga para sua família?Seu rosto se retorce. —Eu não tenho uma família.— Você disse que seu pai era um idiota, mas que amava sua mãe.— Eu menti. Eu estava chocado. Levantou-me.O vento sopra a tempestade contra o motel.—Você disse que não ia mentir novamente, — eu digo.Ele olha através de mim para as paredes vazias. —Você quer a verdade?— Sim.Elijah pega meu suéter, seu polegar esfregando contra o interior macio do tecido. —M inha mãe está morta. Ela morreu quando eu tinha quinze anos. M eu pai me bateu pelaúltima vez, uma semana depois. Ele me expulsou por que eu briguei de volta. A melhorcoisa que ele fez por mim.Ele me entrega o suéter.—Oh, — é a única coisa que consigo dizer.— Eu não estou blefando, — ele diz, os olhos em pedra. —Se você não ligar para elesagora mesmo, eu estarei no telefone com os tiras e relatando-a com uma intrusa.Eu deixo uma mensagem na secretária eletrônica na casa da minha mãe, por isso vaidemorar um pouco até que ela ouça. Eu digo-lhe que estou bem, que estou com um amigo,e que ligarei depois.Elijah encontra um filme de N atal na televisão. N ós assistimos em silêncio. Ele comealgumas fatias de pizza e aponta para mim. Eu como algumas crostas.Duas horas e duas pílulas para dormir depois, eu adormeço. Sem C assie na minhacabeça. Sem fedor de C assie no meu nariz. Sem facas, sem cadeados, nem mesmo umaúnica sombra no canto.Eu tenho crostas de pizza em minha barriga e eu nem quero apunhalá-la.Eu acordei duas vezes.N a primeira vez o relógio dizia 1:22 A.M . Eu estou sonhando sobre cavar cinzas. O caboda pá está tão quente que eu o solto. Abro os olhos. As pílulas deixaram minha cabeça muitopesada para sair do travesseiro.Elijah está sentado na pequena mesa ao lado da janela, cigarro na boca, as sombrastremeluzentes da televisão iluminando seu rosto. Ele embaralha cartas uma, duas, trêsvezes. Envolve na mão. C oloca de volta na mesa e embaralha de novo - uma, duas, trêsvezes. Suas mangas estão enroladas até seus bíceps. A tatuagem homem/monstro em seuantebraço brilha mais brilhante que a ponta do cigarro. Fumaça sobe de sua pele e sependura acima de sua cabeça como se estivesse em chamas. Elijah se torna o mostro napele ou o monstro se torna Elijah, eles mudam para frente e para trás tão rápido quanto àscartas sendo dadas na mesa: flash, flash, flash.Meus olhos escurecem.Na segunda vez que acordo, o sol está queimando através dos buracos nas cortinas.Ele se foi.[059.00]Eu abro as cortinas. O espaço onde o El C amino estava estacionado está parcialmenteamontoado com neve. Parece que ele emperrou duas vezes para sair do estacionamento.Eu deveria ter ouvido os pneus girando, o lamento do motor. Eu teria, se não tivessetomado aquela segunda pílula.Ele realmente não se foi. Ele provavelmente foi comprar gasolina e pegar algum café damanhã. N ós deveríamos ter conversado sobre isto ontem à noite. Eu aposto que eu poderiacomer metade de um bagel, talvez um pouco de iogurte.Eu rastejo de volta para debaixo dos cobertores que cheiram a fumaça e caio no sono.Uma hora da tarde. E Natal, eu acho.Os arados se foram. Será que ele sofreu um acidente? Será que ele se perdeu?Eu bebo copos de água quente da torneira até que minha cabeça finalmente limpa. Duaspílulas para dormir é definitivamente um erro por que me fez levar tanto tempo paraperceber que o engradado de leite com os cadernos dele está faltando. Assim como suasbolsas de páginas e roupas.Mas, ele vai voltar. Ele tem que voltar.Por volta das duas, eu ligo a televisão e tricoto, para frente e para trás, para frente e paratrás, fazendo com que os meios nós e as torções que deixam tudo junto nas grandes agulhas.Eu tricoto tarde afora. Eu tricoto razões para Elijah voltar. Eu tricoto desculpas para Emma.Eu tricoto nós de raiva e deslizo pontos para cada erro que eu cometi, eu tricoto pontosmolhados, inchados que parecem horríveis. Eu tricoto o sol se pondo.Eu durmo.Acordo no escuro, alcanço a luz, levanto para fazer xixi.Quando volto, eu vejo o pedaço de papel sob minha bolsa. Eu o desdobro. H á umachave dentro e um bilhete.L -Eu sei que você está assombrada, está em seus olhos. Você tem que prestar atenção as suas visões.Lidar com elas. Você pode me odiar por roubar o seu dinheiro, mas não por deixar você para trás.Sua família quer ajudar. Eles te amam.Não é certo fugir disso.Paz,E.P.S. - A chave abre o escritório. A máquina de vendas está destrancada. Não coma os biscoitosde queijo. Eles são mais velhos que você.Ele me deixou uma nota de vinte dólares. Para pagar um táxi, eu acho.Está nevando outra vez. Eu como dois comprimidos e esclareço.[060.00]Eles dizem —C oma isso, Lia. C oma isso, por favor. C oma, por favor, só isso, por favor, sóuma mordida.— Por favor.Os corvos me vigiam, as asas dobradas cuidadosamente atrás deles, famintos olhosamarelos pesando meus pontos fracos. Eles circulam ao meu redor uma, duas, três vezes, asgarras fazendo cicatrizes no chão de pedra da igreja.Eu me enrolo no altar congelado. Eles tremulam perto, penas pretas enchendo minhaboca e olhos e ouvidos.meu corpomeu quarto de motelsóEles se alimentam. Eles arrancam mordidas com seus bicos - uma da minha panturrilha,uma de dentro de meu cotovelo - puxa a carne do osso e voa com o seu tesouro.[061.00]Leva horas para eu me arrastar para fora do sonho e voltar para a cama no quarto 115.N ão, dias. H oras ou dias ou semanas. Eu não posso dizer. Eu não sei quantas pílulas eutomei.Tudo dói. Vermes estão roendo meus cortes, através de minhas articulações, dentro demeus feios ossos. M eu coração corre na velocidade de um coelho, e em seguida, deita nalama para hibernar. Se eu tivesse uma faca, eu cortaria profundo o bastante para acabarcom este jogo. Eu nem mesmo tenho um garfo de plástico.Eu pego minhas agulhas de tricô.Eu poderia.Se eu realmente quero morrer, agora, nesse exato minuto, neste lugar vazio, eu poderiame apunhalar em uma veia; elas são muito fáceis de ver. Eu poderia entrar na nevasca edeitar na neve e sangrar. H ipotermia e perda de sangue é como ir dormir, como alfinetar odedo em um espinho ou em um fuso.Eu poderia.Uma aranha oscila do abajur. Ela balança em minha direção, roçando em meu rosto, epousando na cabeceira da cama. Ela dança o fio no lugar e oscila de volta.Denovodenovodenovo. Brincando com o fio de suas pequenas mãos, as pernas cortandoatravés da luz como facas pretas. Sua teia cresce, fio por fio. C ada um estabelece umcaminho para o próximo passo. Primeiro os fios para cima e para baixo, depois osconectando com fios lado a lado. M ais seda, mais tensão, mais lugares para andar, tecendoum mundo feito do interior dela.Se eu tivesse pernas de senhora aranha, eu iria tecer um céu onde as estrelas sealinhassem. C olchões seriam amarrados apertados a seus caminhões, corpos nuncacolidiriam com o para brisas. A lua subiria acima do mar vinho escuro e daria bebês apenaspara moças e músicos que tivessem orado muito e bem. Garotas perdidas não precisariamde bússolas ou mapas. Elas encontrariam caminhos de pão de gengibre para levá-las parafora da floresta e para casa novamente.Elas nunca iriam dormir em caixas de prata com lençóis de veludo branco, não até quefossem avós de papel enrugadas e estivessem prontas para a viagem.A aranha suspira e canta baixinho para si mesma.M eu nome é Lia. M inha mãe é C hloe, meu pai é David. E minha irmã, Emma. E,Jennifer.M inha mãe pode colocar as mãos dentro de peitos abertos de estranhos e consertar seuscorações partidos, mas ela não sabe de que tipo de música eu gosto. M eu pai acha que eutenho onze anos. Sua esposa mantém suas promessas. Ela me trouxe uma irmã que estáesperando que eu volte para casa e brinque. Meu nome é Lia.M eus ossos se arrastam para fora da cama, atravesso o chão até a janela. Eu puxo o caboque abre as cortinas. O sol está preso perto do chão. Eu não sei para que caminho é o leste.Eu não consigo dizer se é o crepúsculo ou o amanhecer.Eu me sento. O espelho reflete a luz fraca na janela atrás de mim, e a neve. Eu não possome ver no vidro. Eu não estou lá. Ou aqui. Eu fecho meus olhos, abro-os. N ão faz nenhumadiferença.Eu viro minha cabeça para o som - ar borbulhando através da água. M eus pulmões. Euainda estou respirando. Isso é um bom sinal.Há uma chance de que eu possa querer viver, depois que eu dormir um pouco.[062.00]Eu acordo no escuro.O tempo está preso em melaço, melaço derramado em uma tigela. O espelho mostra oexterior escuro. Noite. O sol estava se pondo, e não chegando.Eu estou no Gateway. 115. O garoto-monstro se foi. Eu pego o telefone: sem tom dediscagem. O motel está dormindo, fechado para a temporada.M eus braços lutam contra os cobertores e meus pés encontram o chão. Eles não estãoesperando que eu tome uma decisão. Eles estão indo. Nós estamos indo. O frio se enrosca aoredor de meus tornozelos, faminto para me puxar para o chão. Eu levo um mês paraencontrar minha jaqueta. Um ano para laçar as botas.Pego o tricô. Pego a bolsa. Pego a chave.Meu coração estremece, molho de cranberry jogado numa lata de lixo.Dou um passo para fora.A neve parou. A lua crescente se mantém alta, as estrelas esfregam suas mãos juntas, osdentes batendo. Um vento glacial passa entre os espaços entre minhas costelas e atravésdas pequenas rachaduras em meus ossos. Eu não tenho muito tempo.Eu me arrasto em direção ao escritório. A porta do 113 está aberta. As luzes estão acesas.não.Não pode ser. Tudo está fechado. Tudo está congelado.não.sim.Eu espreito para dentro. C assie está sentada de pernas cruzadas sobre a cama, um jogode paciência espalhado sobre o cobertor. Quando eu ultrapasso o limiar,ela joga suas cartasno ar.—Finalmente!, — ela grita. —Por que você sempre está atrasada? V ocê se perdeu denovo, certo?Seu quarto está quente. Um desenho barato passa na TV. H á um prato de biscoitos degengibre meio comidos na mesa junto com uma garrafa de vodca. Pipoca está estalando nomicroondas.Ela me puxa para eu me sentar ao lado dela. — Ok, escute. Os próximos poucos minutosrealmente são uma merda. N ão há nenhuma maneira de contornar isso, desculpe. Eutentei fazer o mais fácil que posso.— Do que você está falando?Ela ri. —Pare de brincar. Este é um momento sério. Você está atravessando.— Eu tenho que ligar para meus pais.— Você não pode.— O quê? O que está acontecendo?Ela acaricia meus ombros com dedos de pedra. —Lia, querida? V ocê está morrendo. Umpouco de tontura, certo? Sente-se terrivelmente esquisita? Seu coração está prestes a parar.Eu empurro a mão dela. — Eu não quero jogar.—Você não tem escolha. Este é o seu destino. Está na hora.Ela me alcança novamente. Finas trilhas de fluxo de névoa vêm de seus dedos e seenvolvem ao redor de meus braços. — Relaxe. Não vai doer tanto assim.— Eu quero ir para casa.— Olhe para os dois lados antes de atravessar.— Eu tenho que ensinar a Emma como fazer tricô. Euprometi.Conseguirão um DVD para ela.—Mas, eu não quero.Ela fala devagar. —Seus rins falharam algumas horas atrás. A fome mais a desidrataçãomais a exaustão chegaram a uma quase superdose? Bom trabalho, Lia - Lia. Bom trabalho,de fato. Seus pulmões estão enchendo. Apenas mais alguns minutos. Relaxe."Ela se inclina para frente e exala uma coroa de neblina que cai sobre como fumaça deuma fogueira. M eu coração fracassa uma vez. Eu tento respirar. M eus pulmões não seexpandem.Por um momento,um momento de caixão de vidro,eu quero desistir. C ongelar. Sangrar.Render-me tornaria mais fácil de engolir. Eu poderia dormir para sempre.M eu estúpido coração fracassa novamente na lama, não está pronto para hibernarainda. M ais uma vez, e em seguida, uma terceira batida, mais rápida. I sso acende umpequeno fogo em meu sangue.Eu balanço meus braços para romper a névoa. —Abra suaboca.—Hã?— Se estou morrendo, você tem que ser boa para mim. Vamos lá, C ass, um pequenofavor.Ela encolhe os ombros e suspira e então abre a boca. N a sua língua encontra-se o discoverde, a ver-vidro nascida dentro de um vulcão e enterrada com ela no solo. Eu a pego.— Não!, — ela grita.Tento me levantar, mas minhas pernas não estão ouvindo.— É minha!. — Ela dá uma tapa em meu braço.O vidro voa pelo ar e cai sobre o tapete. N ós lutamos uma por cima da outra, corpo esombra, ossos e tremeluzes. Ela cai mais perto, mas não a vê. Eu chego sob a mesa ao lado,fingindo que está lá. Ela pega a parte de trás de minha jaqueta e me desloca para o lado.—Ha!, — ela murmura, tateando debaixo da mesa.Eu passo as pontas de meus dedos pelo tapete até encontrá- la. M etade de sua cabeçaestá debaixo da mesa. Eu mantenho o vidro no meu olho.Está suja.Eu a lambo, chiado de pirulito verde em minha língua. O barulho faz Cassie congelar. Ela sevira enquanto eu a seguro novamente e olho através do cristal cor de folha pela janela,para as estrelas que se alinham acima de nós.O grito dela está envolto em veludo branco, elegante e abafado.A luz além de meus olhos cintilacintilacintila com uma centena de futuros para mim.Doutora. C omandante de navio. Guarda-florestal. Bibliotecária. Amada por aquele homemou aquela mulher ou aquelas crianças ou aquelas pessoas que votaram em mim ou quepintaram minha imagem. Poeta. Acrobata. Engenheira. Amiga. Guardiã. Redemoinhovingativo. Um milhão de futuros - nem todos bons, nem todos longos, mas todos meus.—Você mentiu!. — Eu digo. —Eu tenho uma escolha.C assie cai de volta na cama, fazendo beicinho, os braços cruzados sobre o peito. —É issomesmo. Deixe-me em paz. Vá ter uma vida de verdade. Sinto muito por estragar.Eu estendo o vidro. —Olhe através dela. Talvez você possavoltar.— N ão é assim que funciona. Existem algumas leis da física que são reais, você sabe. N ãoposso mudá-las. Eu estou presa aqui para sempre.— Presa no meio? Entre os mundos?— Sim, essa é a clássica definição de um fantasma, não é? —V ocê quer estar todo ocaminho morta? — eu pergunto.— Sim. — Ela balança a cabeça, ignorando as lágrimas em seus olhos. —N ão. Talvez. Euvejo uns vislumbres às vezes, como um campo que você pode ver a partir de um avião.Algo sobre isso me lembra de ser criança, quando o mundo era o nosso reino, mas eu não seipor quê."Meu coração está balançando uma bandeira vermelha. Eu tenho pressa.—Rápido, — eu digo. —Diga-me do você mais sente falta.— O quê?— Do que você sente falta de quando era viva?Seus olhos se borram com nuvens de verão. — O som da minha mãe cantando; umpouco fora do tom. A forma com que meu pai ia a todos meus mergulhos e eu podia ouvir oapito quando minha cabeça estava debaixo da água, mesmo que ele gritasse depois comigopara não tentar demais.Enquanto ela fala, eu me movo lentamente para a porta. Ela não percebe.— Eu sinto falta de ir à biblioteca. Sinto falta do cheiro de roupa recém seca. Tenhosaudades de mergulhar do trampolim mais alto e aterrissar cravando. Eu sinto falta dewaffles. Oh. — A cabeça dela se inclina para trás, como se ela estivesse alta em ummovimento. Suas extremidades estão desaparecendo. —Oh, isso é maravilhoso, Lia. N uncapensei em tentar isso, levar as melhores partes comigo.Eu abro a porta. — Você se sente melhor?Ela está transparente. —Melhor.—V á para o escritório, — ela diz, seu corpo desaparecendo como uma névoa no sol. — Otelefone público na parede ainda funciona. Há moedas na gaveta de cima. Depressa.— Sinto muito, — eu digo. —Desculpe por não atender.Os olhos dela brilham como estrelas. — Sinto muito por não ter ligado mais cedo.[063.00]Levo quase o resto de minha vida para chegar ao escritório, mas por que a lua estáprestando atenção as minhas visões e as estrelas estão alinhadas, as moedas estão na gavetae o telefone público funciona.Eu ligo para minha mãe e lhe dou as instruções para que possa encontrar-me. Eu digo aela que finalmente estou viva, mas que ela deve se apressar.Os paramédicos investem em meu coração com suas varinhas de condão enquantovamos para o hospital. Uma, duas, três vezes.[064.00]Dizem-mequeeufiqueidezdiasnohospital. Eu dormi. Sem sonhos.[065.00]M inha terceira visita a N ew Seasons já é a mais longa, uma maratona, não uma corridapara a saída. Eu ando, principalmente. Paro e sento quando estou cansada. Faço um montede perguntas. Cada vez em um tempo eu passo um dia ou três com nuvens de tempestadeem minha cabeça. Eu me sento mais um pouco, calmamente, até que passem.Sem jogos desta vez. N ão há festas de exercícios na meia noite no banho para mim. Eunão despejo minha comida nas plantas ou as grudo na minha roupa de baixo ou subornoum atendente para mentir sobre meu consumo. Eu evito o drama das meninas que aindaestão até o pescoço na neve, fugindo da dor o mais rápido que conseguem. Eu espero queelas descubram.A idéia de comer é assustadora. As vozes desagradáveis sempre estão de plantão,ansiosas para me puxar de volta para baixo:: Estúpida/feia/estúpida/vadia/estúpida/gorda/estúpida/bebê/estúpida/perdedora/estúpida/perdida ::mas, eu não vou deixá-las. Eu coloco todas as colheradas na minha boca e tento não contar.E difícil. Eu pego metade de um pãozinho de canela e os números saltam para mim,boo!M etade de um bagel (165). O bagel inteiro (330). Duas colheres de sopa cheias de creme dequeijo gorduroso (80).Eu inspiro lentamente. Comida é vida. Eu exalo, tomo outra respiração.Comida é vida. E esseé o problema. Quando você está viva, as pessoas podem te machucar. É mais fácil rastejarpara uma gaiola de osso ou para um confuso monte de neve. É mais fácilmanter todo mundo fora.Mas, isto é uma mentira.Comida é vida. C hego na segunda metade do pão e espalho o creme de queijo em ambos.Eu não tenho idéia de quanto estou pesando. I sso me assusta quase até a morte, mas euestou trabalhando nisso. Eu estou começando a me medir em força, não em quilos. Àsvezes, em sorrisos.Eu leio muito. Emerson, Thoreau, WaĴs. Sonya Sanchez, ele estava certo, ela é incrível.A Bíblia, algumas páginas. O Bagavadguitá, Dr. Seuss, Santayana. Eu escrevoestranhamente, poesias aleatórias. N osso chão vai a uma viagem de campo para umrestaurante. Eu como waffle com cauda e peço por mais.Estão me ensinando a jogar bridge. Eu não estou interessada em pôquer. Todas asapostas estão acabadas.M amãe e papai e J ennifer visitam. N ós conversamos e conversamos até que a barragemexplode e as lágrimas escorrem com um pouco de sangue, por que todos estamos com raiva.Mas, ninguém troveja fora de nossas sessões. Ninguém usa palavras desagradáveis. Nós nosrevezamos cavando através de anos de esterco. Às vezes eu acho que minha pele vaiexplodir em chamas. Estou com raiva deles. Estou com raiva de nós. Estou com raiva porter matado meu cérebro de fome e de ter sentado tremendo em minha cama à noite, emvez de ir dançar, ou ler poesia, ou comer sorvete, ou beijar um menino ou talvez umagarota com suaves lábios e mãos fortes.Eu estou aprendendo a ficar com raiva e triste e solitária e alegre e animada e com medo efeliz. Eu estou aprendendo como experimentar tudo.Desta vez, eu não minto para as enfermeiras. Eu não discuto com elas ou jogo algumacoisa ou grito. Eu discuto com os médicos por que eu não acredito na marca de magia deles,não cem por cento, e é algo que eu preciso falar. Eles escutam. Tomam notas. Sugerem queeu escreva o que isso parece para mim. Pelo menos eles não pensam que eu sou louca porque vejo fantasmas.M eu cérebro se mexe e boceja quando eles tiram os loucos doces. Ele cresce quando eu oalimento.Outra página é virada no calendário, é abril agora, não março. A Dra. Parker visita. Ela ea equipe de internação estão montando juntos, um plano de transição para mim para queeu possa mudar da Lia de hospital para a Lia de verdade.—Quem se importa se chamamos isso de depressão ou assombração? — pergunta ela. —V ocê não se cortou desde que chegou aqui. V ocê está falando. V ocê está comendo. V ocêestá florescendo. Isso é tudo que importa.Os pais de Cassie aparecem no dia que os crocos [tipo de planta] abrem. Nós choramos.Eu sinto tanta falta de C assi que só consigo pensar nela com suspiros curtos e tristes. Elaaparece de vez em quando, mas raramente diz algo. Principalmente, ela me observatricotar. Eu estou fazendo um suéter para minha mãe.Eu escrevo uma carta todo dia para Emma. Quando finalmente a deixam vir, ela metraz um cartão de boas vindas assinado por toda sua turma. Ela está sem gesso, mas ela nãoquer jogar softball. Lacrosse é um esporte legal nesse ano.O abraço dela me deixa forte o suficiente para carregar o mundo em meus ombros. Elaquer que eu volte logo. Eu estou quase pronta.Eu estou girando os fios de seda da minha história, tecendo o tecido do meu mundo. Apequena elfa dançarina se tornou uma boneca de madeira cujas cordas eram puxadas porpessoas que não prestavam atenção. Eu saí de controle. C omer era difícil. Respirar eradifícil. Viver era mais difícil ainda.Eu queria engolir as amargas sementes do esquecimento.Cassie, também. Nos inclinamos uma sobre a outra, perdidas no escuro e vagando emcírculos intermináveis. Ela ficou muito cansada e foi dormir. De alguma forma, eu mearrastei para fora do escuro e pedi ajuda.Eu fio e teço e tricoto minhas palavras e visões até que uma vida começa a tomar forma.Não há nenhuma cura mágica, não há como fazer tudo ir embora para sempre. H áapenas pequenos passos para cima; um dia mais fácil, um riso inesperado, um espelho quenão importa mais.

 Eu estou descongelando. 

Garotas de Vidro - A verdade nem Sempre é o que EnxergamosOnde histórias criam vida. Descubra agora