O Abraço

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Era um dia chuvoso. Aos olhos de qualquer pessoa um péssimo dia, daqueles em que a umidade e o vento frio castigam a face de quem ousa andar pelas ruas.

Menos para uma pessoa.

Ela acreditava que aquele dia era especial, pois era aniversário Dele. E finalmente após anos Ela vislumbrava uma possibilidade de conseguir dar a Ele ao menos um abraço de parabéns como forma de tentar demonstrar tudo o que estava sendo enterrado em seu peito ao longo daquele tempo. Mesmo longe continuava torcendo para que tudo desse certo na vida do garoto e em segredo mentalizava estar protegendo-o a cada momento.

Suas pretensões estavam corretas, seus horários por coincidência (ou obra do destino?) estavam em sintonia naquela data e ao final do dia conseguiram se encontrar. Assim que o avistou, Ela não resistiu. Apesar de anos terem se passado, o fato era que o tempo não passou para os dois. Na verdade estava congelado, apenas esperando o momento certo para voltar a correr.

Saiu em disparada e largou-se nos braços Dele exatamente do mesmo modo que costumava fazer nos velhos tempos. Porém, dessa vez procurou com todo cuidado incluir naquele gesto tudo o que estava se passando em sua mente mas não tinha coragem de expor através de palavras. Inicialmente veio o sincero desejo de Feliz Aniversário e a euforia de apesar de todos os contratempos conseguirem estar juntos nessa data, ainda que o encontro durasse breves minutos.

Em seguida, Ela demonstrou toda a ternura, afeto e carinho que sentia por Ele, tornando aquele gesto tão íntimo, tão pertencente apenas aos dois. E uma corrente de calmaria invadiu os seus corações, pois afinal, estar diante um do outro era um momento único para aquelas duas almas que viviam separadas. Seus corações, ligados para sempre, puderam recarregar sua energia vital para continuar existindo. Suas peles em contato uma com a outra geraram espasmos, acelerando seus batimentos cardíacos. Estavam em êxtase somente por terem tido a chance de compartilharem aqueles segundos em que um pode enxergar a alma do outro. Inevitavelmente passariam o resto do dia relembrando os detalhes daquele toque mágico na esperança de mantê-lo vivo em suas memórias. Foi então que os olhos Dela começaram a adquirir um brilho cristalino e uma lágrima solitária se formou no canto do olho esquerdo, ao sustentar aquele olhar, instantaneamente, Ele se emocionou e seus olhos adquiriram exatamente o mesmo brilho daqueles que contemplavam.

Qualquer pessoa que presenciasse aquele momento poderia constatar que o mundo deixou de existir para aquelas duas pessoas, estavam alheias a qualquer acontecimento em sua volta. De repente, como uma flecha certeira vieram a saudade, o arrependimento e todos os sentimentos mais profundos e intensos que viviam incrustados naqueles corações e que se por um acaso eles não estivessem se abraçando, teriam desmoronado por conta dessa onda arrebatadora de sentimentos.

Flashes do passado percorrendo as suas memórias fundindo-se em um filme sem edição, todos os melhores e piores momentos estavam ali, na íntegra. E um buraco causado pela dor invadiu-lhes o peito. Tantos pedidos de desculpa no ar, imediatamente perdoados. Tanto por dizer abafado apenas pelo mantra "vai dar tudo certo" expresso apenas com o olhar. Tantas perguntas, perdendo-se na densa atmosfera que havia se formado em volta daquelas duas almas desconsoladas. Ao mesmo tempo em que todas as feridas adquiridas durante o tempo foram expostas, também iam se curando no meio daquele diálogo mudo e , em seu lugar restaram apenas dúvidas, que infelizmente não seriam sanadas naquele breve encontro.

Então, automaticamente compreenderam tal fato e foram tentando se acalmar, reassumindo o controle de seus sentimentos e levantando seus escudos para que pudessem voltar a enfrentar seus cotidianos evitando sempre que possível o sofrimento de estarem longe um do outro. A fatídica separação dessas almas dilacerou seus corações de maneira que nunca mais foi possível a elas recompô-los, mas acharam um modo de construir uma barreira em volta de si, anestesiando aquela dor dilacerante. A realidade é cruel, infelizmente o mundo estava ali e o tempo nunca havia parado.

E com um enorme pesar, chegou a hora de dizer adeus e interromper aquele encontro de almas. O simples gesto de desfazer aquele abraço já revelou o vazio no peito que assumiria os corações de cada um após aquele encontro. Recusavam-se a ir, mas o tempo do mundo não congela assim como o deles. Com a mesma rapidez que aquele abraço se iniciou, ele foi desfeito. Ambos resistindo ao máximo para não derramar ainda mais lágrimas na presença um do outro, tentando em vão demonstrar que tudo iria ficar bem.

Despediram-se com um adeus mudo, perceptível apenas pelo leve movimento da cabeça, e seguiram rumos opostos sem olhar para trás. A vida lá fora os esperava e cada um deveria assumir a sua devida posição. Após aquele dia chuvoso ficariam apenas aguardando o próximo momento reservado para estarem juntos novamente, como suas almas doentiamente ansiavam.

O AbraçoOnde histórias criam vida. Descubra agora