2 - Steff

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"Qual é?" eu reclamei quando Fred tirou o cigarro de minha mão. "Você é um pé no saco, sabia?" arrumei meu gorro e me encolhi um pouco mais onde estava no intuito de me esquentar. Estava fazendo um frio desgraçado, o casaco que estava usando não era nem um pouco quente, mas era bonito.

"É" disse soltando a fumaça do cigarro que tinha acabado de tragar, em meu rosto. "Mas eu sei que você se amarra"

Revirei os olhos e me levantei indo até a mureta de proteção que não passava da minha cintura e me inclinei um pouco para frente para olhar lá para baixo. A rua ainda estava vazia.

Havia passado a noite ali, no terraço daquele prédio abandonado com Fred. Gostava da companhia dele, mas não queria que ninguém me visse saindo de lá com ele.

"Não sei por que se preocupa tanto, ninguém tem nada a ver com a nossa vida" ele deu uma tragada forte e esticou a mão me entregando o cigarro.

"Não, ninguém tem nada a ver com a minha vida, mas aqui todo mundo gosta de cuidar dela" peguei o cigarro e voltei a olhar para baixo, tudo o que eu via era um cachorro latindo no portão da casa em frente ao prédio, provavelmente querendo entrar depois de ter passado a noite fora, e um mendigo dormindo no beco onde a escada que dava acesso ao terraço ficava.

O sol já estava começando a ficar alto. Logo algumas pessoas estariam andando por ali, aquela era uma rua movimentada durante o dia. Queria estar longe quando as pessoas começassem a passar por ali para irem trabalhar.

"Eu já vou indo." disse. "Daqui a pouco minha mãe já vai estar de pé, e se eu não estiver em casa ela vai surtar."

Ele assentiu de leve sem se levantar.
Esperei que ele dissesse algo, mas ele apenas continuou sentado onde estava,
olhando para o nada.

Olhei em volta, aquele terraço era o meu lugar favorito no mundo. Gostava da vista, da brisa, da solidão. O prédio tinha apenas cinco andares, mas era perfeito, mesmo estando acabado. Foi interditado há muitos anos por falta de segurança. As portas da frente não existiam mais, no lugar havia uma grande parede de concreto, as janelas também foram lacradas, algumas com madeiras, outras com concreto assim como na entrada para impedir de ser invadido. A porta do terraço que dava acesso ao prédio era a única que não era bloqueada. Era uma porta de aço que tinha sido arrombada. Consigo imaginar a decepção do arrombador quando conseguiu entrar e ver que aquela porta só levava até um corredor sem saída, com uma porta corta fogo chumbada no fim dele. Aquele corredor era perfeito em dias de chuva.
"Até mais tarde" eu me despedi descendo as escadas sem esperar por uma resposta.

Caminhei as quatro quadras de cabeça baixa para não ser reconhecida por ninguém no caminho até minha casa.
Minha rua estava vazia e silenciosa. Olhei para dentro da casa de Fred e pulei o muro quando tive certeza que ninguém estava acordado. Fred sempre deixava uma escada de madeira que dava acesso a sua laje para que eu pudesse entrar ou sair livremente de minha casa. Passei para o meu telhado sem dificuldade e entrei pela janela sem fazer barulho.
Parei perto da porta por um segundo para ouvir. O chuveiro estava ligado, o que significava que tinha chegado na hora certa.

Coloquei o MP4 em cima da mesa do computador e tirei a roupa que cheirava a cigarro. Me olhei rapidamente no espelho, estava um caco. Minha maquiagem estava borrada, meus lábios estavam vermelhos por causa do frio e meu rosto estava pálido. Vesti minha calça de moletom marrom e uma blusa quente para me aquecer.

Tirei o gorro da cabeça para pentear o cabelo, ele estava todo bagunçado, não que isso fizesse diferença para mim, mas o aspecto dele não era de quem estava dormindo e sim de alguém que passou a noite fora vadiando. A raiz já estava começando a crescer, logo teria que pintar de novo. Essa era a droga de ter um cabelo platinado. Era mais fácil usar um gorro do que pintar quase toda semana.
Dei um suspiro e fui lavar o rosto para tirar o lápis borrado antes de me enfiar em baixo das cobertas. Fechei os olhos me sentindo totalmente confortável. Amava essa parte do meu dia, a parte que me aconchegava em minha cama e me sentia acolhida no meio do edredom.
Me afundei ainda mais no meio das cobertas e esperei. Minha mãe entraria no quarto a qualquer momento.
Estava quase dormindo quando ela finalmente bateu na porta.

"Filha?" Ela chamou abrindo a porta.

"Hum?" resmunguei sem abrir os olhos.

"Eu já estou saindo. Não esquece de dar o café da manhã para a sua irmã".

"Tá bom" disse um pouco sonolenta. "Bom serviço mãe. Até mais tarde."

"Obrigada" disse depois de fechar a porta. "Mamãe ama você"

"Também te amo" respondi.
A porta do quarto se abriu novamente, abri apenas um olho e encarei Manuele parada com seu urso de pelúcia nos braços.
"Teté?" Ela chamou baixinho.
"Vem logo aqui pirralha" disse esticando os braços para acolhê-la.
Ela correu até mim pulando na cama e se enfiando em baixo das cobertas comigo.
"Deixa a Teté dormir um pouquinho tá?" pedi. "Se você ficar quietinha eu te levo no balanço mais tarde e te compro um chocolate".

Ela assentiu sorrindo largo.

"Boa menina" eu a puxei para mais perto de mim e beijei o alto de sua cabeça.
Não demorou muito para eu dormir feito uma pedra.

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