Capítulo único

1.4K 108 151
                                    

Se um menino pudesse ser descrito como atraente, seria ele. É um momento precioso, quando ele levanta a cabeça do livro que carrega protetoramente ao seu redor, raramente tendo uma pausa para rabiscar sobre as páginas. Há ocasiões estranhas quando passo por ele no corredor com uma mochila amarrada às costas e livros debaixo do braço. Eu suspiro de descontentamento dele não me notar. Porém temo que a maioria das pessoas apenas passe sem ser percebida pela sua visão periférica. Ele mantém alguns amigos, apenas um casal que é abençoado por sua companhia.

Não ouso falar com ele por medo de ser rejeitada.

Acho que ele gosta de desenhar, o que eu não sei, mas o papel do seu interesse captura toda a atenção. A curva de seus lábios vermelhos está continuamente presa entre os dentes na concentração furiosa. Seus lábios contêm um alinhamento perfeito, outras bocas não possuem nada igual, é como um arco de cupido. Imagino que muitas pessoas só precisariam de um beijo, um beijo para se apaixonar perdidamente por esse garoto. Seu cabelo cai perfeitamente no contorno do seu belo rosto.

Há tempos, tempos infelizes quando o deslizamento do lápis não lhe agrada. É nesses momentos em que os dedos vão destrinchar ajeitando sua franja em um topete, franzindo a testa ele tenta corrigir os erros cometidos no papel, fico observando sua feição irritada ao vê-lo desaprovar o próprio trabalho.

Eu nunca tinha visto aquele tom de castanho antes, não até o primeiro dia da nossa aula de História. Passos desajeitados o levaram ao longo do caminho atrás da minha cadeira. Fui logo recebida por um lampejo de olhos cor de mel que me fizeram desviar o olhar para o chão. Não conseguia encara-lo, era como se ele soubesse que eu o observava de alguma forma.

[...]

Estamos na grama do parque que funciona ao lado do prédio da faculdade. A maioria dos estudantes prefere ficar em um lugar aberto para o almoço, mesmo que seja frio, a brisa é acolhedora depois de um turbilhão de aulas que pareciam não ter fim.

Eu coloco outro doritos na minha boca enquanto Ana finalmente decide entregar a bolsa de Carmem. A conversa nos últimos 10 minutos foi preenchida com ponderações sobre o que dar de natal para a família. A organização é um dos atributos mais fortes em Ana, esta seja talvez uma explicação para que essa discussão esteja ocorrendo enquanto as folhas das árvores ainda estão apenas começando a mudar de cor. É a minha época favorita do ano, o caminho que leva até a entrada da faculdade está alinhado com troncos que parecem estar em chamas com vermelhos impetuosos, marrons e laranjas.

Eu posso vê-lo.

Ele está com seus amigos e aparentemente ouviu minhas orações silenciosas para se aproximar, dessa forma posso admirá-lo sem a obstrução de outros alunos. Seu topete escuro não parece fora do lugar. Para desafiar o vento ele usa uma camisa calorosa em tons de cinza procurando combinar com a cor de seus olhos que vagamente lembravam as folhas desta estação.

—Quem você está olhando tão intensamente? - Carmem rir.

Eu estava olhando? Humildemente esperava que a minha observação fosse a mais discreta possível, porém era visível que eu estava errada. Infelizmente falhei na minha tentativa de digitalização casual.

—Você já falou com ele?- Eu falo sem saber onde quero chegar com essa pergunta.

A minha questão persiste por um momento incerto. Talvez elas não saibam quem é o indivíduo que estou curiosa, porém não quero fazer minhas ponderações conhecidas, apontando-o.

—Ah um estranho?

Eu posso dizer pelo nariz amassado de Ana que ela está julgando-o instantaneamente. Admito que a imagem dele esteja longe de ser convencional, mas eu não teria o categorizado de forma rápida. É provavelmente o metal em seus ouvidos e os anéis que emolduram a carne de pequenos orifícios em seus lóbulos da orelha. E eu poderia jurar que vislumbrei algumas tatuagens semanas atrás.

Folhas de outonoOnde histórias criam vida. Descubra agora