Lightning Crashes

18 3 0
                                    

A dor é palpável na ala esquerda de um hospital, mas é justa. Há horas uma mãe tenta colocar sua filha no mundo. Na ala direita outra mãe é quase paz. Há tempos de seu jardim brotou uma flor sangrenta, linda e complexa. O sofrimento foi parecido, a alegria durará ao menos uma vida. Mas o que é vida? Não quero me ater ao eterno debate dos fisicalistas com os vitalistas, prefiro a imagem de um relâmpago.

Tudo importa para a jardineira da ala esquerda, sua flor sangrenta está prestes a brotar. Todo amor que sentiu até hoje será sublimado, pois a ligação de uma mãe com seu filho é a coisa mais forte do universo. A jardineira da ala direita olha para seu último por do sol. Se lembra de um antigo entardecer quando ela e sua flor, olhando da varanda de casa, viam a mesma bola de fogo se escondendo atrás das montanhas. Ela se recorda que sentiu esperança.

De tudo que há na Terra quantas vidas o sol testemunhou, quantas mortes? Flores, cidades e impérios brotaram e feneceram sob sua luz. Isso acontecerá novamente, hoje, nesse hospital.

Com um trovão em forma de choro a jardineira da ala esquerda segura sua flor ensanguentada; tudo valeu a pena. Com um trovão em forma de suspiro a jardineira da ala direita já não segura mais nada; tudo valeu a pena.

Invertendo efeitos naturais da Física – pois ela não está em jogo aqui – dois relâmpagos invisíveis cruzam o hospital após seus respectivos trovões, se chocam. A luz e o estrondo resultantes dessa colisão são impossíveis e, mesmo assim prováveis. O conhecimento de uma vida se choca com a esperança de outra. Com seu último raio do dia naquela parte do mundo o sol testemunha.

Lightning CrashesOnde histórias criam vida. Descubra agora