Capítulo 1 - O encontro

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Quando o jogo acabou Taz entrou no vestiário e jogou o capacete contra o armário. Péssimo jogo, e como capitão ela carregava o peso da derrota mais que as companheiras de equipe. Tinha sido dias difíceis, e ela tinha medo de que seus problemas pessoais estivessem a atrapalhando em campo. Sentou-se em um banco no canto do vestiário e depositou o rosto entre as mãos. Ouviu os passos das companheiras de time se aproximar. Também estavam tristes, mas não tão quanto ela.

— Taz, fica tranqüila, — disse uma delas, — não era um jogo tão importante, temos chances de recuperar os pontos. — Taz levantou os olhos e a garota percebeu que era hora de parar de falar indo para o chuveiro com as amigas.

Quando por fim ficou sozinha no vestiário guardando suas coisas ouviu os característicos passos do treinador. Encheu o peito de ar e se virou antes que ele pudesse dizer qualquer coisa. O homem de barba e cabelos grisalhos levantou as mãos no intuito de se mostrar desarmado.

— Não precisa dizer nada... — ela falou antes dele.

— Só quero dizer que você jogou bem — o homem parecia compreendê-la, mas Taz estava sempre na defensiva.

— Adianta jogar bem e não ganhar? — colocou a mochila nas costas e começou a andar em direção a porta.

— Ter vejo no jantar? — perguntou o homem conhecendo bem aquele temperamento.

— Não sei, pai, — falou dando de ombros.

Saiu do estádio em direção ao estacionamento e percebeu que havia anoitecido à pouco tempo, as estrelas ainda pareciam sonolentas e a noite tinha um cheiro ameno, e as luzes dos postes começavam a se acender. Viu o time vencedor sair do estádio aos gritos com bandeiras flambulantes e gritos de exaltação. Colocou o capacete e montou na moto ignorando os gritos de provocação das adversárias. Arrancou e cruzou as ruas da cidade perdida em pensamentos e julgamentos que cada vez mais pareciam afastá-la daquela realidade que tanto detestava. Faltava algo, taíssa sabia, algo que fizesse sentido, que a completasse. Entrou nas ruas marginais do centro, que aquela hora já eram menos movimentadas. Fazia aquele caminho com freqüência. E quase que no piloto automático só voltou a realidade quando viu uma moça a sua frente com os olhos assustados. Taz não sabia se frear era suficiente colocou os dois pe's no chão. O sinal havia fechado e a moça ainda atravessava a faixa de pedestres. Estava caída no chão. Taz desceu da moto e a colocou no descanso, e abaixou-se para ajudar a garota a se levantar.

— Você está bem? — perguntou ajudando-a a se levantar.

— Acho que sim, — disse com uma voz doce que tocou profundamente a jogadora de futebol americano. A garota se levantou e tirou os cabelos vermelhos da face, concertando os óculos de armação vermelha que lhe davam um adorável ar de inocência e carisma. Os olhares então se cruzaram, e pousaram-se como se fossem necessários um para o outro. Um sorriso sorrateiro surgiu no rosto da garota de cabelos vermelhos e vestido florido. TAíssa não tinha o costume de sorrir, mas sentiu imediatamente uma leveza tomar conta da sua alma.

...

Aquela tarde fora mais uma de pouco movimento na ISA Floricultura. Uma modesta lojinha de flores, arranjos e regalos que sobrevivia no vai e vem do umbro centro da cidade. "As pessoas não compravam mais flores, agora presentes eram celulares, jóias, bens materiais que não demonstram nada além do que a própria sociedade se importava", refletia a proprietária que, mesmo em meio à crise abria a loja com um sorriso de esperança nos lábios, e que juntamente com a sua calopsita falastrona de estimação molhava, regava e acariciava todas as flores que ali viviam, pois sabia que um dia elas sairiam dali para selar uma promessa, arrancar um sorriso, fomentar um pedido de desculpas... a sociedade poderia mudar.

Com o cotovelo escorado no balcão e o queixo sobre a palma da mão Isa olhava pra porta. Eva, a calopsita ficava andando de um lado para o outro buscando as migalhas de um sanduíche que Isa comera mais cedo. Um arfar de solidão. O sol lá fora se punha e Isa via as pessoas irem para a casa, o barulho dos carros, o ascender dos postes. O celular tocou ao seu lado, olhou com preguiça para ele e viu o rosto do noivo na tela. Era a quarta vez que ele ligava. Sentiu-se obrigada a atendê-lo:

—Oi, lindo, — disse coma voz remansosa. Eva piou a contra gosto e subiu-lhe no ombro.

— Oi, minha gata, — disse Ericson do outro lado da linha, — preciso de um favor seu, vá até aquela loja de mecânica para mim e comprar uma peça para minha minha moto.

— O centro já está todo fechado — Isa respondeu.

— Não, faltam cinco minutos para as seis, se você correr talvez consiga fazer algo de útil e me comprar a peça.

— ok... — disse sem força nem vontade para refutar. — Aí! — Eva beliscou-lhe a orelha. A calopsita parecia pressentir as atitudes da dona, e sempre a repreendia, da maneira que podia. Isa desligou o telefone e contornou o balcão jogando a bolsa do lado e consertando o óculos que caia sobre o nariz. — Menina má! — Apontou o dedo para Eva, — me espere aqui que já volto. — falou saindo em direção a porta e correndo pelas ruas em direção a loja de objetos de mecânica. E a desatenção e apressa fez com que ela atravessasse a rua quando o sinal dos pedestres havia passado do verde para o vermelho. Assustou quando viu um farol em sua frente, mas não teve como escapar.

...

Taz e Isa ainda se encaravam. Não sabiam quanto tempo haviam ficado presas aquele olhar. E só voltaram a si quando ouviram as buzinas dos motoristas revoltados por elas estarem embaçando o trânsito. Taíssa tocou-a no ombro e a guiou até o passeio, em seguida retirou a moto do meio da rua.

— Tem certeza que não se machucou? — perguntou um pouco constrangida, — eu estava distraída, me desculpe...

— Tudo bem, — disse a doce Isa, — eu também estava.

—A gente pode ir ao hospital, tem um logo ali.

— Não é necessário, — Falou escondendo a barra do vestido que e rasgara.

— Tudo bem então. E de qualquer foram, me desculpe.... — falou Taz estendendo-lhe a mão e entortando levemente o rosto, — seu nome? — perguntou para a garota que também parecia aérea.

— Isa, — respondeu sorrindo.

— Isa...bela?— questionou Taz.

— não, — Isa manteve o sorriso.

— Bel? — insistiu a jogadora, e a garota ruiva fez que não com a cabeça. — Isaura? — alteou uma sobrancelha.

— Não, só Isa. — respondeu por fim.

— Tudo bem, "só Isa", eu só a Taíssa, mas pode me chamar de Taz, — apertou a mão da garota e teve a vontade de nunca mais soltá-la. Isa retirou uma mecha dos cabelos que caiu sobre o rosto e depois de muito tempo de mãos dadas as duas sentiram a face formigar.

— Eu preciso ir, — disse por entre os dentes, sabendo que precisava mas imensamente não queria.

— Eu também, — mentiu Taz.

—Até, — falou, sorrindo outra vez e atravessando a rua pela faixa com o sinal verde

— Tenha cuidado, — disse Taz, sem que ela pudesse escutar. Voltou até a moto e chutou algo no chão, olhou para baixo e viu um celular caído, abaixou-se e instintivamente soube que era uma cartada do destino. Destravou a tela e deparou-se mais uma vez com aquele sorriso, aqueles lindos cabelos ruivos, e aqueles óculos que escondiam um olhar tão mágico quanto uma fada perdida na cidade grande. Olhou a procura dela, mas Isa já havia desaparecido.

De frente a loja de materiais mecânicos Isa tinha as duas mãos na cintura. Ericsson não ia gostar nada daquilo. Abaixou a cabeça e viu a barra do vestido rasgada. Apesar de estar com medo, riu. Um riso livre, leve. Ela mal se lembrava da ultima vez que havia sorrido daquela maneira.


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