Capítulo 2 - Obrigada!

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Aquela noite foi diferente para as duas garotas. Taz chegou em casa e o pai e a madrasta a esperavam na mesa do jantar.

— Senta com a gente, filha? — o pai forçou sorriso.

— Sem fome, — respondeu tentando parecer menos amarga.

— Mas filha... — o homem insistiu.

—Deixa, querido, — a mulher pomposa com olhar esnobe sentada na outra ponta da mesa falou. — Essa aí é um caso perdido.

— Ana, não fale assim! —o homem ralhou. Taíssa a olhou de soslaio, se fosse possível matar com um olhar, a madrasta estaria morta sobre o pedaço de torta de banana. Subiu as escadas em direção ao seu quarto mordendo o canto da boca. Se fosse em uma ocasião comum teria travado uma briga com a madrasta interesseira, mas estava calma, estranhamente calma. Fechou os olhos por alguns segundos e viu o motivo. O sorriso de "Só Isa" lhe veio a memória e ela quase sorriu.

Entrou no quarto e acendeu a luz. Jogou o capacete na cama e foi direto ao grande aquário que tinha próximo a janela. Tocou os dedos no vidro e viu dois olhinhos abrirem-se la dentro. Pouco a pouco a cabeça foi se revelando, com uma preguiça contagiante a tartaruga Thales nadou o topo do aquário e subiu uma pequena ilha para receber o carinho da dona. Taz acariciou a cabeça do bichinho com o dedo e ele a encarou pro debaixo das sobrancelhas grossas e caídas. Era uma tartaruga diferente. Única fonte de carinho da jogadora desde que viera morar com pai. Ficou ali com ele até que o sono chegasse, contando tudo sobre o seu dia, sobre a derrota, e principalmente sobre o acidente.

Do outro lado da cidade Isa e Ericsson travavam mais uma briga. Dividiam um apartamento, uma vida descompensada e praticamente nenhum sonho. Questionava-se quase o tempo todo o motivo de usar ainda aquela aliança. Quando a briga acabou ele voltou com a toalha enrolada na cintura e a abraço. Eva olhou do canto do seu pedestal a cena e quebrou a semente de girassol no bico com algo que lembrava ódio. Em segundos Isa estava presa aos lábios do noivo. Em poucos outros segundos estava deitada ao lado dele na cama, olhando para o céu pela janela aberta. Ouviu o ronco do noite e arfou desgostosa. Julgou-se no tempo suficiente em que lembrou-se do acidente, da forma como Taz segurou-lhe a mão, da profundidade do seu olhar. Sentiu um arrepio no corpo seminu, mas abortou o pensamento inoportuno, virando-se de lado e se esforçando para dormir. Não soube quanto tempo demorou para pegar no sono, mas sonhou com ela, tinha certeza disso.

Acordou com Eva cantarolando Ilariê sob a mesa de cabeceira. Esfregou os olhos e passou a mão sobre o outro lado da cama, mas o encontrou vazio, Ericsson já havia se levantado. Eva saltou da mesinha e pousou sobre o seu colo. Isa pegou os óculos sob a mesinha e viu que faltava dez minutos para o despertador tocar. Ficou enrolando esse tempo na cama brincando com o bichinho até ter que se levantar e seguir para a loja.

— Ainda aqui? — disse ao chegar na cozinha e encontrar o noivo bebendo leite direto da caixa.

— Já estou atrasado, — falou engolindo o gole, — alguém tem que trabalhar nessa casa, né?

— Eu trabalho, — objetou Isa abrindoa geladeira e pegando uma maçã.

— Você brinca naquela loja. Que inclusive já deveríamos ter vendido.

— De jeito nenhum!

— Ok, sem tempo para brigar agora. — Falou pegando as chaves dentro da pia. — e essa coisa cagou de novo nas minhas coisas, — apontou para a calopsita —da próxima vez vou assa com batatas. — a ave virou de costas e se escondeu nos cabelos vermelhos da dona. Ericsson saiu e ela voou feliz pela casa.

Isa pegou o mesmo ônibus, ouviu a mesma play list, deu bom dia pras mesmas velhinhas na porta, e deu um pão para o mesmo mendigo. Abriu a loja e sentiu aquele maravilhoso cheiro que ela sabia que as flores cuidavam para quando ela chegasse. Encheu o regador, aumentou o volume dos fones e enquanto dançava molhava as companheiras diárias. Preza no seu ritual matutino não percebeu quando a soneta da porta tocou e alguém entrou. Eva teve que voar até o seu ombro e bicar-lhe a orelha para que ela virasse e olhasse que Taissa estava na porta, segurando um semisorriso nos lábios. Sobressaltada derrubou o regador que derramou o restante da água pelo chão.

— Dança bem, — considerou a jogadora se aproximando.

—E-eu? — Gaguejou a garota sem saber se pegava o regador no chão ou se recepcionava a visitante. — Seja bem vinda.

— Obrigada. — Taz correu os olhos pelo local, — uma floricultura, que peculiar. Bem a sua cara.

— Serio? — Isa corou. — digo, mais ou menos.

—Total.

— Veio comprar flores? — perguntou percebendo a idiotice da pergunta. Eva no balcão cobriu o rosto com a asa.

— Na verdade não. Vim te devolver isso. — apresentou-lhe o celular e isa pareceu surpresa.

— Meu Deus, nem percebi que o havia perdido, — recebeu o aparelho das mãos da jogadora.

— Que tipo de pessoa fica sem o celular durante uma noite e não percebe?

—As pessoas não me ligam muito, — confessou tímida.

— que idiotas, — as palavras de Taz escaparam por seus lábios sem permissão, constrangida percebeu que estava focada nos lábios da florista. — digo, está entregue.

— Obrigada, — falou Isa virando o rosto levemente. Virou-se de lado e retirou um lírio de vaso e entregou a jogadora, — sinal de agradecimento.

— Eu te atropelo e você me agradece?

— Coisas da vida.

— Aqui, — Taz tirou algo do bolso e a entregou, — é um ingresso para o meu jogo de amanhã. Não estou em minha melhor temporada, mas ficaria feliz se você fosse.

— Que legal! — Isa pegou o convite com as duas mãos e o leu, — Futebol Americano? — lançou um olhar curioso. Taz fez que sim com a cabeça. — Legal! — falou empolgada. — Aceita um chá?

— Chá? — Taz questionou curiosa, mas fez que sim coma cabeça.

—Você me parece uma pessoa tão zen, tão pró vida, não se sente mal em arrancar as flores sabendo que elas morrerão? — perguntou Taz levando a xicara até a boca.

— Então, — disse Isa sentando-se na pequena mesinha de ferro que tinha na floricultura. — existem criaturas, que só vem ao mundo com o intuito de levar o amor, a alegria, o perdão. As flores, morrerão de qualquer forma, colhidas ou não. Então é melhor colhê-las e fazer com que elas cumpram o eu objetivo no mundo, do que deixar que murchem sozinhas.

— Uau! — exclamou Taz.

— O que foi? — perguntou preocupada, — Disse alguma idiotice?

— Não, nunca tinha pensado por esse lado.

— Mas me diz, e esse lance de futebol americano?

E conversaram, em sintonia, compartilhando pretensões, visões, quase confissões. O tempo voou, Isa não vendeu nenhum flor naquela manhã, sequer se importou com isso. Eva roubava as migalhas das bolachas que caiam no chão e escutava a conversa.

— Então, te vejo amanha? — Taz se levantou e estendeu a mão.

— Sim, — confirmou Isa transformando o aperto de mão em um abraço carinhos. Taz ficou parada por alguns instantes e não sabia como retribuir. Não recebia muitos abraços. Então retribuiu, e saiu em direção a porta desejando que aquele dia corresse na velocidade da luz, e que ao atravessar a porta já fosse o dia seguinte.

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