Prólogo

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Sua primeira sensação foi o frio, que o fez estremecer e se encolher ao que ele sentiu que também estava nu. Ele então abriu os olhos, olhou para si mesmo e percebeu que era um homem branco, levemente musculoso. Olhou para as próprias mãos e mexeu os dedos, era estranho não reconhecer o próprio corpo.

Ele olhou ao redor se dando conta que não sabia que lugar era aquele, estava sentado no asfalto de uma rua deserta, era noite. Ao seu redor alguns prédios deteriorados e carros enferrujados, ele olhou para o alto e viu algumas poucas estrelas entre as pesadas nuvens negras. Ele não lembrava como foi parar ali, não lembrava nada antes daquele momento, não lembrava o próprio nome.

O homem se levantou aflito, era angustiante reconhecer os objetos ao seu redor mas não reconhecer a si mesmo. Ele forçou a memória em busca de alguma coisa, uma imagem, um som, um nome, mas não havia nada, somente o vazio, como se ele tivesse acabado de nascer, acabado de brotar do asfalto. Ele caminhou pela rua vazia, o vento frio castigava seu corpo, mas ele precisava encontrar alguém ou alguma fonte de informação, precisava saber que lugar era aquele, que dia de que ano, precisava saber quem ele era.

A cidade estava completamente abandonada, árvores secas e monumentos destruídos tornavam o cenário pós apocalíptico, ele chegou a uma loja e viu o próprio reflexo na vitrine.

O homem tinha um metro e sessenta aproximadamente, cabelos loiros e curtos, olhos bastante azuis e fisionomia abatida. Avaliou que devia ter cincoenta a sessenta anos, os pés descalços, pernas fortes e um membro modesto que pendia entre elas.

Ele não entendia como sabia avaliar tanto de si olhando o próprio reflexo se não sabia nem mesmo o próprio nome, mas uma lufada de vento o lembrou da necessidade de se cobrir. Era possível ver através da vitrine alguns manequins, era uma loja de roupas.

Ele tomou certa distância e atirou uma grande pedra que encontrou na rua, o vidro se fez em pedaços, nenhum alarme soou, ele entrou com cautela tomando cuidado para não pisar nos cacos de vidro, olhou ao redor, estava na sessão infantil.

A loja era grande, muitos manequins empoeirados estavam espalhados pelo salão junto com espelhos e cabides de roupa, ele encontrou a sessão masculina e experimentou várias coisas, achou cuecas, meias, calças e camisas, quando finalmente se sentiu confortavel e aquecido estava com um tênis branco, calças jeans e um capote azul de tecido grosso, olhou novamente para seu reflexo, nada mal, pensou.

Quando saía da loja notou um letreiro que dizia:

VERÃO FASHION 2050

PREÇOS PROMOCIONAIS

Estava em português, e ele era capaz de compreender, isso queria dizer que ele era português? Sentiu que não, haviam outros países que falavam português no mundo. Mas se ele sabia essas informações certamente não acabara de nascer, ou surgir do nada, assim ele descartou essa hipótese que apesar de ridícula ainda o perturbava.

Além do idioma, outra informação que ele percebeu foi o ano, então era 2050? Novamente ele achou que não, aquela loja, assim como toda a cidade, pareciam abandonada há muito tempo, era certo dizer apenas que era algum ano posterior ao de 2050.

Depois de sair da loja ele estava mais confortável, mas não sabia o que fazer, em todas as direções a cidade parecia deserta, não sabia que direção tomar, para onde ir. Foi quando notou algo inusitado, o alto de um dos prédios emitia um brilho azul claro, aquilo definitivamente era estranho, não combinava em nada com a paisagem ao redor, ele decidiu ir até lá, talvez encontrasse outra pessoa que pudesse dar mais informações.

Quando entrou no saguão do prédio, não havia ninguém ali, ele ainda apertou os botões do elevador, mas como esperava nada aconteceu, parecia que não tinha enegia. Ele então subiu pelas escadas no escuro, com os ouvidos atentos a qualquer barulho, depois de muitos degraus ele não estava exausto, apenas levemente ofegante.

O terraço do prédio era uma área aberta e ampla, o céu continuava encoberto com nuvens negras que se negavam a cair como chuva, na cidade abaixo era possível ver prédios, praças e casas abandonados até onde a vista alcançava.

Finalmente ele encontrou a fonte do brilho azul, uma lança prateada de dois metros, a ponta parecia estar fincada no concreto, a haste continha inúmeros símbolos estranhos. O homem sentiu que aquilo era o motivo dele estar ali, continuava sem memória, mas a despeito de sua própria apreensão caminhou lentamente até o objeto, seu coração batia forte, ele estendeu a mão e tomou a lança.

A ponta se soltou do chão de concreto como se fosse manteiga, era mais pesada do que ele imaginou, examinou aqueles símbolos, mas não faziam sentido para ele. O brilho azulado tinha desaparecido, ele ergueu a lança apontando-a para o céu, somente pelo prazer de manuseá-la.

Então aconteceu, um raio atingiu a ponta da lança e o homem sentiu a eletricidade alcançar seu braço, para sua surpresa não era dolorosa, ele segurou firme a lança e viu que os símbolos agora passavam pelo seus braços e se espalhavam por seu corpo, enquanto a energia elétrica o envolvia ele pôde ver.

Ele viu homens e mulheres escravos em um planeta distante, ele viu imortais e Titãs se preparando para uma batalha universal, ele viu morte, dor e guerra. Não sabia explicar, mas ele viu o ciclo da existência, como uma pedra que lançada para o alto irremediavelmente vai cair, ele viu o universo como um pêndulo, todas as raças, planetas, vida e morte, tudo que teve início e inevitavelmente teria fim.

Quando o relâmpago se foi, o homem largou a lança e ela caiu no chão com um estrondo que ecoou no vazio. Ele caiu de joelhos e cobriu o rosto com as mãos, todo o passado que faltava em sua memória foi preenchido por um futuro doloroso, ele precisava fazer alguma coisa, se levantou e tomou o artefato novamente, apesar de não saber o próprio nome, a lança lhe contou o dela, se chamava Okumene, a lança da eternidade.

A lança da EternidadeOnde histórias criam vida. Descubra agora