Terça-feira. Fim de tarde.
Rafael ficaria na faculdade o dia inteiro, e Ramiro foi trabalhar. Ele conseguiu um emprego como motorista em uma empresa de táxi.
Eu e Lucia fomos até o colégio no meio da tarde. Foi tão estranho e ao mesmo tempo tão bom entrar pelas portas daquele prédio e saber que estava de volta!
Não encontrei nenhum dos meus colegas e nem sei se isso aconteceria. Diferente de mim, todos eles devem estar se preparando para o vestibular.
Uma leve tristeza assumiu o controle dos meus pensamentos por não estar nesta etapa como os outros. Por ter perdido um ano da minha história e da minha vida.
Sempre pensei em seguir os passos da minha mãe. De ser uma médica como ela, mas isso foi antes de tudo que aconteceu comigo.
Agora, não sei ao certo o que estudar.
Rosane, a diretora do colégio, quando me viu, deu um grande sorriso e me tratou normalmente como sempre fez. O que me deixou mais tranquila. Eu sei que ela deve estar em dúvida quanto ao que se passou comigo, todos estavam, já que nada até agora foi comprovado.
Eu conheço a verdade e a Lucia também, porém nem todos acreditavam em mim ainda. Pelo menos por enquanto.
No próximo ano, começarei a fazer meu último ano do colégio. Não precisei fazer nada, apenas pagar a minha matrícula, já que Marcos havia me afastado do colégio, dito à Rosane que fui fazer o tal intercâmbio e que não sabia se eu voltaria.
Não entramos em detalhes de nada do que aconteceu. Conversamos o que deveria ser conversado, sem constrangimentos. Rosane é uma excelente diretora e mostrou que sabe se portar frente a uma situação delicada, como a minha é.
Chegamos ao apartamento, e Lucia foi para a cozinha. Ela disse que Ramiro pediu para que ela fizesse uma rosca que ele tanto gosta. Falei que a ajudaria, mas ela não me deixou. Empurrou-me para a sala e disse para que eu arrumasse os meus origamis.
Rafael havia instalado algumas estantes no meu quarto logo que cheguei ao apartamento; eu ainda não tinha arrumado nada nelas. As dobraduras antigas que Lucia havia guardado ainda estão em uma caixa, assim como as que fiz enquanto estava na clínica.
Vou para o meu quarto fazer o que deveria ter feito há tempos.
Assim que entro, tiro as sapatilhas, conecto os fones no celular e os coloco nos ouvidos. Seleciono a pasta de músicas que quero escutar e a primeira começa a tocar. Enfio o aparelho no bolso da calça, pego as caixas e as espalho no chão, onde me sento no meio delas.
Abro as mais antigas e começo a espalhar os origamis. O passado aparece e com ele todas as lembranças do meu antigo lar, dos meus pais, das nossas viagens, das nossas conversas e de tudo que fizemos juntos. Não há lembranças ruins, apenas boas.
****
O cheiro da rosca que a Lucia fez chegou até o meu quarto e se infiltrou nele todo.
Termino de colocar o último origami na prateleira com a intenção de correr até a cozinha para comer um pedaço do pão, quando me viro e vejo Rafael de braços cruzados encostado no portal.
Um sorriso lindo está nos seus lábios enquanto me observa, e eu correspondo da mesma maneira.
— Chegou agora? — Pergunto e vou até ele ao mesmo tempo em que retiro os fones dos ouvidos.
— Não. — Ele responde desencostando o corpo. Seus braços envolvem minha cintura e me puxam para ele. — Tem um bom tempo que estou aqui te observando. — Ele me dá um selinho.
— Como foi na prova? — Questiono.
— Acho que bem. — Ele dá de ombros e olha para trás de mim. — Gostei do que fez no seu quarto.
Sorrio e o puxo para entrar. Ele senta no chão e me faz abaixar até ele. Sento à sua frente e seus braços apertam meu corpo contra o dele.
— Adorei como você organizou os origamis. Por cores. — Ele elogia olhando para as prateleiras à frente e acima de nós. — Por que fez assim?
— Não sei. — Subo e desço os ombros. — Na verdade, pensei primeiro em ordenar os origamis por velhice, quer dizer, os mais antigos em cima e os recentes nas prateleiras de baixo. Mas, depois, resolvi arrumar pelas cores como na caixa de lápis de cor. Dos pretos passando para os claros, os vibrantes e voltando para os tons escuros até o marrom, mas resolvi mudar esta sequência.
— No que se baseou para fazer esta mudança? — Ele indaga próximo ao meu ouvido direito e beija minha bochecha.
— Resolvi colocar de baixo para cima, seguindo a ordem dos significados das cores e da importância delas para mim.
Ele afasta o rosto do meu pescoço e me olha. Viro meu rosto para também olhá-lo.
— Explica o significado das cores para mim. — Ele pede.
Volto a olhar para as prateleiras. Ele não, eu sinto seus olhos em mim.
— Por baixo de tudo, coloquei a cor do luto, o preto. Para mim, agora, este tom simboliza a dor e a tristeza. O branco em seguida vem para amenizar esta sensação de melancolia que o preto deixou. Ela vem para trazer paz e purificar.
Olho para o Rafael que continua a me observar.
— O rosa aparece para comprovar o afeto e o relaxamento depois de que tudo foi serenado. O marrom para transmitir energia positiva. — Volto a olhar para as prateleiras e as cores que seguem. — O roxo para diminuir a ansiedade e o medo. O azul para serenar, para induzir a paciência e acabar com as energias negativas que podem aparecer. O verde para confirmar a esperança que ele sempre significou para mim. O amarelo do Sol para brilhar e transmitir a alegria de um novo dia. O laranja para estimular a confiança e otimismo quando tudo estiver para baixo. — Retorno o olhar para o Rafael que me observa com seriedade agora. — E no topo, está o vermelho com o significado que certo alguém me ensinou a interpretá-lo.
Ele abre um sorriso e comprime os lábios.
— O vermelho vem para simbolizar o sangue que mantém a vida, a minha vida, além da paixão e o amor.
— Aluna aplicada! — Ele zomba e beija rapidamente meus lábios. — Eu te amo tanto! — Seus olhos transmitem o que seus lábios acabaram de falar.
— Eu também te amo muito. — Devolvo a frase.
Ele aperta meu corpo contra o dele e coloca o queixo sobre o meu ombro direito.
— Já pensou em ser arquiteta ou decoradora.
Balanço a cabeça.
— Nunca.
— Pensa nisso, Linda!
É, quem sabe!
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Quando Setembro Acabar
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