O barulho ensurdecedor do alarme de incêndio fazia com que a visão da jovem morena que corria pelos corredores estivesse embaçada, tanto quanto jamais pudera esperar. Os gritos que ressoavam em sua garganta pareciam não ser altos o bastante e, ainda que portasse em mãos uma pistola prateada recém-carregada, sentia-se ainda menos segura do que jamais estivera.
– Adam? Lexie? Mary? Alguém aí? – berrou, sua voz saindo mais esganiçada que o normal. O barulho ambiente sobressaía a tudo e o piscar das luzes fazia com que se sentisse perdida. Abriu a boca novamente, até que sentiu algo tapá-la.
Estava morta. Sabia disso. Com força, tentou abrir os lábios e morder a mão que a mantinha calada, pressionando os dentes contra a pele não tão macia e extraindo um grunhido de seu captor, que agora trancara a si próprio e a ela em um pequeno lugar de portas de aço, um teclado ao lado. Empurrou-a e soltou um exaspero.
– Você é idiota ou o quê? – o rapaz dos olhos azuis encarou-a, sacudindo a parte de seu corpo que agora latejava – Uma hora ou outra alguém iria vir atrás de você! – acusou-a, seus olhos fitando-a como um louco. A morena virou-se, um tanto mais ofegante que o normal. De dentro do local ainda ouvia o barulho das sirenes que faziam o seu corpo pulsar. Era medo o que a dominava naquele instante, nada mais.
– Lexie e os outros.... eu preciso sair daqui... – ela sussurrava, voltando-se novamente à porta e tentando empurrá-la ao mesmo tempo que sua mão canhota buscava qualquer combinação no teclado sem obter sucesso – ABRA ESSA MALDITA PORTA! – gritou.
– Cala a porra da boca! – o homem respondeu-a, puxando os seus braços com força e afastando-a do local, de forma a pressioná-la contra si mesmo naquele pequeno espaço – Eles estão bem. Alexis não é idiota e deve estar em um canto escondida e sem berrar, ao contrário de você – murmurou ao ouvido dela. Podia ouvir o ranger de dentes da garota, deixando de lado a menção ao pulsar alto de seu sangue.
– Porque você não acaba com isso de uma vez e deixa todo mundo em paz? – a garota debateu-se, ainda em fúria, embora choramingasse.
Um riso seco foi tudo que ele deixara escapar. Seus dedos quase que automaticamente soltaram a pressão que exerciam sobre os braços dela.
– Que seja, Evangelinne – a voz saiu mais rouca que o normal e fez com que ela se virasse para ele, os olhos castanhos arregalados pela surpresa de ouvir o nome completo sair da boca dele. Por segundos, era como se a sirene tivesse parado de tocar – Apenas fique quieta, assim – inspirou fundo, levando uma das mãos à lateral direita do rosto dela, tocando-a com delicadeza como se apenas o toque pudesse matá-la. Algo como dor espalhava-se por dentro de si, conforme afastava-se lentamente do corpo dela – Eu não quero machucar você. Prometa que vai ficar quieta até que eu volte.
– Volte de onde? – uma sobrancelha dela ergueu-se.
– Vou lá fora descobrir o que se passa e volto logo.
– Eu vou com você – ela disse, inspirando fundo e ajeitando os cabelos longos e escuros em um coque mal feito – Vamos, abra essa porta. Agora.
– Angie... – ele sorriu, os lábios repuxados para a destra. A garota corou levemente, abaixando o rosto com frustração por não poder ter se controlado – Você é bem mais valiosa que o resto do pessoal daqui. Pegue isso – ele disse, retirando uma pequena enferrujada de dentro do bolso interno de seu casaco. Deveria ter menos de 15 centímetros e seu metal estava completamente enferrujado, alguns matizes vermelhos espalhando-se pela superfície prateada e ferrugem profundamente cravada por rabiscos que assemelhavam-se à letras as quais ela não sabia decifrar, apenas vagamente inferir que tratavam-se de algo anterior ao hebraico ou a qualquer língua que um ser humano normal dos dias atuais soubesse – E use-a com cuidado. Não se corte, não deixe que ninguém a tire de si e, caso veja algo anormal, não hesite.
– Mas... eu... eu não sei usar isso – balbuciou, os olhos castanhos percorrendo a pequena extensão do objeto e depois encontrando os dele. Desejou intimamente que Lexie estivesse ali. A loira saberia o que fazer, sempre soubera. Naquele momento ela não poderia sentir-se mais inútil ou mais sozinha, sem saber onde a melhor amiga estava ou poderia estar.
– Nem precisa. Se precisar usar, confie que essa belezinha fará o trabalho – e apertou a mão sobre as da garota, fazendo-a segurar com força o objeto afiado – Cuide-se.
– Não! – a mão dela o segurou pelo braço, fazendo com que a sua garganta desse um pequeno nó. Rapidamente ele retirou os dedos firmes da garota, apertando seu pulso com mais força do que gostaria.
– Angie, me largue. Eu venho já.
– Não, espere... – ela pediu, sentindo seu corpo mole de forma estranha e vagamente conhecida. Iria abrir a boca para protestar contra ele, mas a perda de energia parecia ainda maior, como se seu corpo por inteiro estivesse trabalhando em câmera lenta. No instante seguinte, tombara no chão, de modo que pode apenas assistir silenciosamente à saída do rapaz que lhe sussurrara:
– Cuide-se. Se tudo ficar bem, vão tirar você daqui. Senão, a programação faz com que a porta abra-se daqui a 12 horas.
Bastou que Eva piscasse para que ouvisse o barulho metálico da porta e sentisse seu corpo voltar ao normal, acelerando-se como se uma bomba muito forte de ar tivesse enchido seus pulmões. Ergueu-se do chão de forma desajeitada, esgueirando-se nas paredes e deixando-se quase pender sobre a porta, batendo no metal com força. Olhou para o teclado e começou a tentar combinar todos os números que lhe viessem na cabeça, que girava e latejava de acordo com a sirene que insistia em tocar. De súbito, a cabeça girou mais rapidamente, em um espiral escuro de cores e formas indistintas. Viu um vulto alto no corredor e ouviu um nome – Evan – apenas para perceber os olhos gélidos, a face pálida e os cabelos loiros de um agressor que aproximava-se de si e fazia com que seu ar se esvaísse.
Instantes depois, seu corpo tombou ao chão, como que morto e preso em um quarto de pânico.
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Herdeiros
ParanormalA noção de morrer ou viver é tão culturalmente ligada à diversidade humana que parece não haver um consenso sequer em relação a isto. Alguns acreditam em reencarnação, outros mantém-se céticos e há ainda os que acreditam em céu e inferno. Estes, com...