Capítulo 1 sem título

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Posso ver a névoa laranja ao fundo. Ela se aproxima lentamente, dando a impressão de que o horizonte se dissolve em fumaça aos poucos, um quadro de Monet tornando-se um borrão.

Ela me abraça com força e a sensação do seu corpo quente contra o meu é algo bom, algo que poderia ser considerado esperançoso se estivéssemos em outra ocasião. Beijo-a e a penetro lentamente. Ouço seu gemido quase sussurrado e sinto suas lágrimas quentes caírem sobre meu peito.

"Eu não acho que esteja preparada", ela diz.

"Nenhum de nós está", respondo.

Ela começa a se movimentar sobre meu quadril. Podemos ouvir o som de gritos, lâmpadas estourando, prédios desmoronando, carros batendo...

"Minha família resolveu se matar. Eu deveria ter ido com eles", falou.

Era a primeira vez que descobria algo sobre ela. A tinha conhecido no dia anterior, antes que as luzes se apagassem e todas as formas de comunicação cessassem em nossa cidade.

O começo, dois meses atrás, fora violento. As pessoas, em processo de negação, reagiram com agressividade e resolveram atacar umas às outras, mas, pouco a pouco, foram se acostumando e perceberam que o melhor era esperar.

Não havia como fugir.

O pedaço de meteoro atingiu o meio do Oceano Pacífico. O problema foi que ele teve alguma espécie de reação química com a água e formou uma névoa laranja que matava e corroía tudo que tocava. Seu movimento rápido impedia que os cientistas fizessem experiências mais profundas e logo a névoa se alastrou por quase todo o mundo.

Houve a violência e logo a calmaria. Aceitamos a morte como raça e resolvemos viver os últimos dias em absoluta paz.

Ontem foi anunciado, através da internet, que a névoa se aproximava. Fui dar uma caminhada e encontrei esta garota sentada na calçada, usando um vestido florido, chorando sozinha.

"Vamos todos morrer?", me perguntou

Confirmei com a cabeça e continuei meu caminho. Ela me chamou com um assobio e quando me virei ela abriu suas pernas em minha direção e percebi que estava sem roupa de baixo.

"Por favor, não me deixe sozinha", ela disse.

Viemos para casa e ficamos aqui, sem trocar uma palavra, apenas tentando esquecer nossos últimos momentos de existência.

"Eu te amo", ela diz, e vejo que a janela da casa começa a derreter lentamente. É uma questão de segundos agora.

Nossos movimentos começam a ficar mais frenéticos e posso sentir o suor e o calor de sua pele. Mas logo começo a sentir dor, uma dor lacerante que parece penetrar a carne. Ela começa a gritar.

"Não pare. Eu te amo", grito,

Ela se cala e começa a se mover mais rapidamente. Sinto minha pele começar a derreter e fecho os olhos. A dor é excruciante, mas ela continua se movendo e, logo, uma sensação reconfortante assume o meu corpo.

Começo a chegar ao clímax. Sinto-me ficar mais rígido e ela começa a se movimentar mais rápido, mais rápido, mais rápido...

Tento voltar a abrir os olhos mas percebo que não consigo. Talvez não tenha olhos ou tudo ao meu redor tenha evaporado. Virei escuridão, só há negrume e frio ao meu redor. Porém, posso sentir o corpo dela ainda sobre o meu em movimentos ritmados e frenéticos.

Sinto que não existo mais, minha matéria desapareceu e se transformou em vapor e que sou essência, espírito, vibração. Mas ela continua e sinto-me vivo, prestes a explodir.

Não sinto mais nada além do corpo dela me guiando, minha alma se tornando algo que não posso descrever em meras palavras. Percebo minhas células pulsando, sou tudo, sou o mundo.

Então, de repente, a luz.

A NévoaOnde histórias criam vida. Descubra agora