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Uma jovem de aparência simples encontrava-se estática. Seus olhos se perdiam no espaço, mirando o solo com a terra tocada pela neve, o frio pouco acolhedor, a tristeza em seu olhar. Uma criança perdida, uma pequena garota que tentava não demonstrar seus sentimentos em sua momentânea luta contra as lágrimas, que forçavam a saída sem transparecer hesitação. Não era forte o suficiente. Se a princípio as lágrimas não caíram, sua perna cedeu antes que pudesse pensar em tentar controlá-la, ficando com um joelho apoiado no chão frio; a mão encostada sobre a lápide da mãe que morrera há pouco. Seus olhos lacrimejaram e então assumiu uma expressão de tristeza, que vez ou outra assemelhava a uma careta de amargura. E sem a concentração que precisava, ela chorou.
Acontece que a criança viu seus únicos parentes partirem. O pai, um simples pescador da cidade de Noda, ao Oeste do continente de Akhnir; desaparecera em uma viagem que deveria levar pouco menos de uma semana. Ela ainda era uma menina doce e ingênua, não havia aprendido as dores da vida e não era justo que, naquela idade, ela precisasse saber de tais detalhes. Nunca houvera notícias do que poderia ter acontecido a ele. Talvez tivesse morrido em alto mar; poderia ter trocado ela e a mãe por uma vida melhor; poderia ter sido assassinado voltando para casa. Eram infinitas possibilidades e ela não estava muito certa sobre o que pensar. A tristeza de sua mãe apenas perturbava seu coração, agora se sentindo mais solitário do que alguma vez tenha sido. Pobre mente inocente, certa de que as coisas não poderiam piorar. Quando essa história se deu - e repare que tratamos sim de uma história, não uma ficção - estava no auge de seus 6 anos de idade.
Aos 16, exatos dez anos após os acontecimentos trágicos envolvendo o pai; foi quando o destino resolveu lhe puxar pelos braços com uma força que a machucaria ainda mais. Sem condições de abandonar o passado, permaneceu com a mãe na cidade portuária, convivendo com a rotina pesada da população local. Costumava ser um lugar seguro, pessoas pacíficas - apesar das confusões que havia em determinadas ocasiões - e onde todos se conheciam. Ficava próxima ao mar e abrigava um porto, de onde partiam navios de tamanhos gigantescos para os mais variados cantos do mundo. Alguns levavam consigo especiarias, alimentos ou então armamentos pesados para os exércitos espalhados pelos continentes que ela nunca poderia visitar.
Noda era talvez a cidade mais pobre do continente de Akhnir. Apesar da constante movimentação, já que o porto mantivera-se ali por séculos com função de erguer a situação econômica do local, nada disso foi concretizado. Apenas pessoas pobres eram mandadas para trabalhar nas docas ou tavernas nas proximidades. Prostitutas caminhavam pelos becos sujos. Mendigos e toda a ralé do continente também se encontravam por lá, alguns apenas vagabundeando, outros roubando e matando. Para as famílias de coração nobre, mas de crítica situação financeira, a melhor opção era ter de conviver com a escória da sociedade.
Lia nasceu e cresceu cercada pelos mais estranhos tipos de pessoas. Desde moleques que sempre tentavam roubar-lhe beijos, até velhos inescrupulosos que passavam o dia contando aventuras de um passado muito duvidoso. As residências eram todas extremamente parecidas, sendo construídas com não mais do que três cômodos, erguidas por enormes blocos de pedra, pisos e teto da mais precária madeira que tiveram a sorte de encontrar. Algumas poucas se diferenciavam no tamanho, sendo essas de famílias mais abastadas. Ela estava inclusa nesse grupo.
Se Noda era uma cidade pequena e de aparência extremamente chula, fosse pelo tipo de gente que lá vivia, fosse pelo cheiro de peixe podre e o constante som das ondas; sempre fora o local perfeito para a difícil história de vida de algum desafortunado ter início. E Lia nunca poderia se esquecer do início de tudo, num momento em que ela pensava que o pior já houvesse acontecido.
Era um dia tão corrido quanto aos outros, principalmente devido a uma entrega especial que deveria ser feita ao continente de Symfonya. Lia ainda se recordava de uma enorme caixa de madeira colocada sobre uma gigantesca tábua feita do mesmo material, onde rodas haviam sido acopladas. Eram aproximadamente dez homens que empurravam a caixa, ainda com muita dificuldade. Ao cruzar as ruas de Noda, não é necessário dizer que aquilo causou um alarde. Muitas pessoas saíam de casa para observar o que estava acontecendo e, se aquele era um acontecimento já incomum, ainda haveria mais para vir.