Eu nunca soube seu nome, ela não era de muitas palavras. Sempre que a olhava imaginava que deveria se chamar Michel ou Raquel, um nome que para ser pronunciado por seu sotaque afrancesado a faria enrolar a língua.
Nomeei-a de A Flautista, assim como nomeio todos os meus cliente frequentes. Alguns para lhes guardar a privacidade, outros porque não sei seus nomes, outros ainda, porque seus nomes não combinam com seus rostos e personalidades.
A mulher morena de cabelos chanel era A Flautista, o artigo vinha junto a seu nome. Ela era o tipo que demandava uma certa introdução anterior. Ela sempre demandava algo anterior à alguma coisa que antecedia algo mais.
Sua franja era cortada com perfeição assim como todo seu cabelo. Um fio não poderia estar maior do que o outro, nada podia estar fora do lugar. A gola de sua camisa sempre estava bem passada e os sapatos limpos, mesmo em dias de neve. Seus olhos castanhos estavam sempre sérios olhando atentamente para a caixa de seu instrumento como medo de que alguém tocasse seu precioso.
A Flautista sempre vinha as terças e quintas entre 7 e 8 da manhã, pedia dois ovos e uma torrada, café descafeinado com leite desnatado.
A partir de sua terceira aparição aqui no café, comecei a organizar seu prato de forma a fazê-lo o mais simétrico possivel para que ela não precisasse arrumá-lo antes de comer.
Pode-se perceber que a Flautista é uma pessoa com manias, algumas até excessivas. Por esse motivo, estranhei quando ela entrou numa tarde de segunda sem seu instrumento em mãos.
Ela não se sentou em sua mesa de costume, tomou um lugar na bancada que dava de frente para a rua. Pôs-se a observar o movimento.
Apoiei-me sobre o balcão depois de encher o copo de uma senhora sentada.
A Flautista batia os dedos sobre a mesa parecendo ansiosa, diria que estava esperando alguém. Não estava com uma de suas blusas sociais e as calças de tecido bem cortadas. Tinha um vestido azul no corpo. Ele era bem arrumado como alguém pronta para ir a um coquetel ou uma festa chique.
— Para de viver dentro dos outros, Aurora — disse Robert, o outro barista/garçom/gerente que trabalhava comigo.
(Meu nome não é de fato Aurora, mas a razão disso não é história para agora.)
Me levanto e tiro o bloco de anotações de dento do avental indo em direção a Flautista.
— O que posso te oferecer hoje? — pergunto com a caneta pronta para escrever, senti que teríamos algo diferente naquele dia.
A Flautista pegou um dos cardápios a sua frente e correu os olhos por ele.
— Um expresso médio — ela disse olhado para fora e voltando para mim — Por favor.
— Mais alguma coisa?— pergunto mesmo sabendo que não.
— Só isso, por enquanto — ela sorriu antes de se virar para o lado de fora mais uma vez.
Era a primeira vez que ela sorria para mim. Sorri de volta antes de me virar e ir até a máquina preparar o seu pedido.
Por um instante compartilhei a ansiedade dela. Atendia aos outros cliente sempre me deixando espiar o que ela fazia. Ela esperou por volta de 30 minutos antes que um homem entrasse pela porta. Ele deveria ter por volta dos quarenta anos. O terno que vestia dava para ele uma aparencia conservadora.
Ao vê-lo entrar, a Flautista pulou de sua cadeira e o cumprimentou com um aperto de mãos muito formal, lhe escapou mais um sorriso desajeitado.
Fui até eles perguntar se queriam alguma coisa, mas fui dispensada sem nenhuma justificativa para voltar lá. Quis poder escutar o que eles diziam, mas um grupo de cinco garotas havia acabado de chegar e pedido de cafés altamente elaborados me prenderam ao balcão.
Quando o senhor finalmente saiu, A Flautista ficou para trás com uma carta em suas mãos. Ela olhava para as palavras deslumbrada, com uma alegria que não imaginava haver dentro dela.
Não atrapalhei sua alegria indo até lá perguntar se poderia oferecê-la mais algumas coisa. A vi escorregar o dinheiro pela mesa e prendê-lo em baixo do copo como sempre fazia.
Naquele dia, ela deixou uma gorjeta de 40%. Foi a última vez que vi A Flautista o que me fez criar várias possibilidades em minha mente: Talvez naquele dia tivesse recebido seu primeiro grande pagamento e havia mudado de volta para Paris, ou talvez aquela fosse uma carta de sua antiga faculdade a oferecendo um emprego em Lyon, gostava também de imaginar que era uma carta de seu amor do colégio pedindo que ela fosse morar com ele no Caribe.
— Eu escutei o homem dizer algo sobre a sinfônica — Rob disse passado ao meu lado sabendo em que eu estava pensando.
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Blue Cup Cafe
Short StoryAs estórias de pessoas que passam todo dia pelo pequeno "Blue Cup Cafe" na perspectiva daqueles que servem e observam. Capítulos independentes. Sintam-se a vontade para pular, ler em ordem aleatória, ou como acharem melhor. #1 em Contos (13/MAR/19)