ZERO
Cem mil vozes entoando de forma ritmada:
— Mana é assassinato... Não matem o planeta... Voz Verde é a voz do povo! — muitos traziam dispositivos holográficos presos em um dos ombros, projetando no ar mensagens que apregoavam a preservação da natureza.
Nos arranha-céus, incontáveis pessoas gritavam incentivos e repúdios ou apenas observavam a marcha seguindo para a sede do governo: a Torre Branca. O edifício em forma de farol subia mais alto que muitos dos prédios ao redor, a fachada pintada de cima abaixo na cor que lhe dava nome, até as janelas.
Dois mil membros da Guarda Nacional protegiam o perímetro da Torre vestindo trajes táticos pretos equipados com capacetes de viseiras escuras, cassetetes e escopetas de plasma. Formavam a última linha de defesa, mas não a principal.
— Mana é assassinato... Não matem o planeta... Voz Verde é a voz do povo!
Cinco mil arcanistas bloqueavam os acessos ao edifício branco. Trajavam capotes militares azul escuro e portavam todo tipo de arma de combate corpo-a-corpo: espadas, maças, bastões, arcos compostos e diversas outras. Todas feitas de material preto. A desvantagem numérica não poderia ser mais gritante. Nada menos que vinte manifestantes para cada arcanista, ainda assim mantinham-se em posição, sem recuar um passo sequer.
— Mana é assassinato... Não matem o planeta... Voz Verde é a voz do povo!
À frente do mar de gente vinha uma mulher robusta, de rosto e braços redondos. Seu nome era Florisbele Aures. Quando a marcha chegou a quinhentos metros de distância, um arcanista ligou um dispositivo alto-falante em sua gola e pediu aos manifestantes para não se aproximarem mais. Cem metros depois, ele alertou a multidão sobre a possibilidade de usarem força. Outros cem metros e foram ameaçados. Nada os deteve, o confronto era iminente.
Os arcanistas desembainharam suas armas. Todos, sem exceção, ergueram um dos punhos ou mostraram uma das mãos espalmadas. Cada punho e cada mão emitiu uma aura luminosa.
O professor pausou o vídeo.
A imagem dos arcanistas de punhos brilhantes ficou congelada em uma projeção holográfica tridimensional no centro da sala de paredes escuras. A cor era intencional para realçar projeções desse tipo. Os estudantes do 1º. Colegial D somavam quase uma centena e ainda havia espaço para mais. Ocupavam três fileiras numa disposição em meia lua, semelhante à um anfiteatro. Cada aluno e aluna tinha seu próprio terminal individual, composto por um monitor transparente e um teclado virtual, desenhado em linhas de neon no tampo da própria mesa. Vestiam camiseta azul clara com as palavras "Instituto Beta" no peito esquerdo.
— O confronto terminou com centenas de mortos, milhares de feridos e dezenas de milhares de presos — explicou o professor de história, um sujeito magro com um bigode bem aparado. Também era arcanista e vestia um capote azul escuro idêntico ao visto no vídeo holográfico. — O Incidente Aures é uma página difícil na história recente de Vera Cruz, mas não precisava ter acontecido. Notaram como os manifestantes tiveram a oportunidade de se renderem? O que acontece é que Florisbele Aures não passava de uma anarquista. O resultado é que ela própria foi uma das vítimas fatais.
— Professor, o vídeo falou em cem mil pessoas — disse uma aluna. — Os que não foram presos ainda estão no Voz Verde?
— Ninguém sabe até que ponto a geração atual do Voz Verde é ligada a original. Seja como for, não se enganem com esse número. A maioria dos manifestantes era de entusiastas não-afiliados. Gente que se empolgou demais com as mentiras do grupo.
— Nunca entendi direito por que o Voz Verde fala que explorar o mana é perigoso — disse outro aluno.
— Estudaremos o Voz Verde de forma mais aprofundada nas próximas aulas. Por agora, vamos voltar ao assunto. Quem aqui está inscrito no exame arcanista? — dos cem alunos, catorze moças e dez rapazes levantaram a mão. Entre eles, Marcel Seeder, a quem o professor dirigiu uma pergunta: — O que pensaria se tivesse de passar por uma situação dessas?
Marcel parou um instante sem saber o que responder. Por fim, abriu a boca timidamente e disse o primeiro pensamento que lhe ocorreu:
— Bom... depende se vou ficar do lado que bate ou do lado que apanha — a resposta arrancou risadas de seus colegas.
— Isso é sério — o professor demonstrou uma leve impaciência. — É importante que vocês, principalmente os que vão fazer o exame arcanista, compreendam a razão do Incidente Aures terminar como terminou. Quero ouvir todos: qual é o lema da Arcanum?
— Paz e ordem — os alunos deram a resposta decorada.
— O Voz Verde criou uma situação que ameaçava a paz e a ordem. O que aconteceu naquele dia teve como objetivo manter a paz e a ordem. Nunca esqueçam que preservar esses dois aspectos, custe o que custar, é o propósito da Arcanum.
Marcel sentiu um calafrio. Já havia visto vídeos sobre o Incidente Aures na hipernet. Mesmo em menor número, os arcanistas reprimiram a manifestação violentamente e algumas imagens chocavam. Precisava acreditar que havia sido um mal necessário. Era o que seu pai, um ex-arcanista que fez parte da tropa de choque, sempre dizia. Dizia também que receberam ordens de dispersar a multidão e uma vez que um arcanista recebe ordens, não deve questiona-las, apenas cumpri-las.
É o que vão esperar de mim se eu passar no exame arcanista, pensou.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Arcanista (prévia)
Teen FictionPrévia com o primeiro capítulo da minha nova distopia young adult, Arcanista.