Eu estava exausta.
Todos dizem que a cerimônia do casamento é algo inesquecível, para se guardar sempre na mente. E eles estão certos, eu nunca vou esquecer a dor que os saltos altos causaram nos meus pés.
Mas essa dor nos pés é algo insignificante, se comparada à felicidade que sinto só de olhar para Kishan, tocar sua mão, abraçá-lo...
Por Durga, como eu o amo!!
É estranho pensar que só me casei depois de ter Anik, mas isso não diminui em nada o amor que sinto, tanto por ele, quanto por Kishan.
O casamento foi comemorado no Japão, onde as Empresas Rajaram eram mais vindouras.
Nilima arrumou meu vestido, nada mais nada menos que o Sharara que Ren me deu logo no início de nossa jornada, o começo de tudo.
Confesso que tive medo da reação de Kishan quando ele visse o que estou vestindo, mas eu não pude resistir. Precisava de uma ajuda a mais, as palavras de Nilima não eram o suficiente para me encorajar. Então recorri à Ren. Mesmo com tudo que tinha acontecido nesses dois anos, é inegável que Ren fez e sempre fará parte de minha vida, ele sempre será meu tigre branco, meu amigo de todas as horas. E também, eu sei que Kishan sempre apoiará toda e qualquer decisão minha, por mais que isso o deixe triste. Quando subi ao altar, não pude deixar de notar a pontada de tristeza transpassando seus olhos, e isso me partiu o coração. Mas logo veio a total compreensão, colando os cacos não com cola, mas com amor. Ele, realmente, é o homem perfeito.
Só que nada disso pôde apagar as ausências daquele dia.
Murphy. Sr. Kadam. Ren.
Obviamente, eu chorei.
Não só pela emoção de estar me casando, mas também pelas perdas que sofremos na jornada para chegar até aqui.
O sr. Kadam poderia ter me levado até o altar.
Ren poderia ter sido nosso padrinho.
Mas não.
Eles não podem.
Não estão mais conosco.
Enquanto todos olham para mim e para Kishan, pensam que minhas lágrimas são de alegria, e não pela dor da ausência.
Hoje é meu casamento.
Eu deveria estar feliz.
Mas não consigo.
Tudo que passamos ronda minha mente, como uma nuvem cinzenta que recai sobre mim, trazendo a chuva que molha sem piedade, destruindo o jardim de bons sentimentos que cultivei com tanto afinco.
Mas isso não é chuva.
São lágrimas, tão salgadas e tão sofridas, tentando se libertar da prisão melancólica que sou, ansiando o momento em que veriam o mundo lá fora.
Se eu choro, as lágrimas se vão. E com elas, tudo o que passei.
A chuva encharca.
Os raios gritam.
A tempestade desaba.
E nada disso é real.
Tudo se passa na minha cabeça, uma confusão de lembranças correndo de um lado à outro, simples crianças travessas querendo chamar atenção.
E elas conseguiram.
Será que fiz a escolha certa?
Talvez, se eu tivesse ficado com Ren, o final de nossa história fosse diferente.
O sr. Kadam poderia estar aqui, acenando para mim com um sorriso encorajador.
Me desculpe... Eu devia ter feito tudo diferente. Me perdoe, pai.
Mas nem todas as desculpas poderiam consertar o erro que fiz, e não foi pequeno. Um Grand Canyon na história do mundo, um vórtice sem volta, um túmulo lacrado com flores de plásticos insignificantes.
E ainda, eu não conseguiria. Não tenho coragem para fazer isso. Sou covarde.
Simplesmente não consigo imaginar uma realidade sem Kishan, sem o meu tigre negro que sempre esteve ao meu lado, nos bons e nos maus momentos. Mas se, ao acaso, isso viesse a acontecer, eu não poderia encarar a realidade. Ficaria louca.
Prefiro me isolar em um mundo só meu, revivendo lembranças distintas de uma aventura extraordinária, a viver em um mundo sem tudo que sou. Sem meu lar. Sem Kishan.
No fim, todos são a mesma coisa. Kishan, minha vida, minha paz, não há diferença. Todos são pontos na tapeçaria confusa da minha vida, cada um se unindo ao próximo para criar isso: eu. Sem o passado, eu não seria quem sou. E sem o futuro, não poderei ser alguém melhor.
Então vejo Sarah. Mike. Jennifer. Wes. Todos estão aqui, comigo. Para mim.
Ainda que alguns não estejam presentes, os que estão merecem meu carinho. Se eu apenas chorar pelas perdas, me esquecerei de sorrir pelas vitórias.
Agora, já não choro. Apenas sorrio sobre as lágrimas, por tudo e todos que ganhei, por todos os momentos felizes que compartilhei com as pessoas que amo.
O mundo pode virar minha vida de cabeça para baixo, mas vou erguer a cabeça e mudar o mundo.
O sr. Kadam pode ter morrido.
Ren pode ter ficado no passado.
Mas a lembrança deles sempre vai permanecer aqui, comigo. No meu coração, onde guardo as lembranças do que foi bom e do que será.
Olho para Kishan, e ele também me olha.
A expectativa do futuro brilha em seus olhos, tão dourados e tão belos.
Porém, algo profana toda a beleza neles.
Lágrimas. Talvez ele também esteja pensando tudo o que eu estou pensando. Ou talvez só tenha caído na real, e se arrependido por escolher alguém como eu. Normal.
A palavra queima em minha mente, latejando nas têmporas e indo repousar na língua. Normal. Testo a palavra em minha boca. Arde. Uma palavra ruim. Odeio como soa. Normal. Não quero ser normal. Quero ser extraordinária, incandescente. Como o homem à minha frente, quero explodir em uma fusão de cores, quero irradiar alegria para o mundo. Só não quero - não posso - ser normal.
Mas pessoas normais não vivem aventuras como vivi.
Pessoas normais não sobrevivem à perigos como sobrevivi.
E certamente, pessoas normais não casam com príncipes indianos meio-tigres de mais de trezentos anos, como estou fazendo agora.
Olho de novo para Kishan, e pego sua mão na minha, acolhendo-a. Está fria. Trêmula. Será nervosismo?
Me inclino para frente e sussurro alto o suficiente para que apenas nós dois pudéssemos ouvir.
— Você está bem?
Ele ri pelo nariz, balançando a cabeça.
— Não sou eu quem tem que perguntar isso?
— Talvez.
— Talvez eu esteja sendo um péssimo marido logo de início.
— Talvez o padre queira enfiar uma rolha na sua boca para ele poder continuar a cerimônia.
— Eu sei um ótimo jeito de ocupar a minha boca.
Coro violentamente.
— Desde quando você é tão safado, hein?
— Saudades do tigrão?
Não posso evitar rir, e dou um tapa leve no seu braço.
Só então olho ao redor.
Todos estão parados, provavelmente observando a nossa conversa aos sussurros.
Dou um sorriso amarelo para eles.
— Desculpe. Pode continuar a cerimônia.
Ele assente e continua falar coisas que não entendo, coisas que não me importo.
Para que ouvir se posso gastar meu tempo olhando para o homem maravilhoso à minha frente?!
Quando dou por mim, já estamos na festa de casamento.
Como vim parar aqui?
Não faço ideia. Só sei que tem um monte de garotas — lê-se bonecas infláveis — ao redor de Kishan, todas se esfregando nele o máximo possível.
Por que isso acontece sempre? Ah, é. Deve ser porque meu marido — que emoção usar essa palavra — é o ser mais delicioso do mundo.
Só que ele tem dona, uma por sinal, muito ciumenta e que odeia quando qualquer outra pessoa toque na sua propriedade.
Eis uma pequena equação:
Kishan + vadias = um rabanete homicida.
Então vi uma coisa que me fez parar totalmente. Não tinham só vadias ao redor do Kishan. Tinha a vadia. A abelha rainha. A dona do galinheiro.
Randi.
O que ela pensa que está fazendo aqui?!
Rapidamente ando — marcho — até lá, chegando a tempo de ver aquele projeto de prostituta tentar roubar um beijo do meu marido.
Sem pensar em mais nada, puxo aquele aplique loiro oxigenado que ela chama de cabelo, arrastando ela para longe do que me pertence.
— Com licença, é proibido a entrada de animais na festa.
Ela rapidamente se levanta, tentando manter o equilíbrio sobre os saltos monumentais enquanto se segura no garçom mais próximo.
— Quem é você mesmo, lindinha?
— A mulher do cara que você estava tentando beijar, e em breve uma serial killer se você não sair da minha festa em cinco segundos.
— E quem vai me tirar daqui? Você? Me poupe querida, tenho dinheiro para comprar cinquenta desse vestidinho ridículo que você está usando.
Rapidamente meu peito infla de ódio. Esse sharara foi tudo que sobrou de Ren, de nossa história, e eu não vou permitir que uma vadia qualquer ouse desrespeitá-lo.
Randi não vale nem as unhas postiças que usa.
— E eu tenho uma mão que ficaria maravilhosa na sua cara, gostaria de experimentar?
Sem esperar aprovação, pulo sobre ela totalmente irada, arranhando sua cara e acabando com minhas unhas que Nilima demorou tanto para fazer.
Pois é, parece que a convivência com os tigrões não fez de mim só uma gatinha.
— Sai, sua maluca! Alguém tira essa louca de cima de mim?! Seguranças!! — Randi grita embaixo de mim se debatendo, tentando fugir mas eu não deixo, continuo batendo e arranhando ela, até que sinto braços fortes me puxarem.
Como foi Kishan quem contratou e instruiu os seguranças, — por motivos óbvios da minha inexperiência em falar hindi — eles não me reconhecem, de modo que acreditam em Randi.
Claro. Quem não acreditaria na senhorita perfeita? Loira, rica, peitões... tudo está ao seu favor.
Um dos seguranças me põe sobre o ombro e me carrega para fora, ignorando todas as minhas tentativas inúteis de fugir.
Brigar com Randi é uma coisa. Agora, brigar com um segurança profissional? Outros quinhentos.
— Me põe no chão!! Agora, me larga cara, sou eu que to pagando o seu salário!!
Óbvio que ele me ignorou por completo. Provavelmente deve estar pensando que não passo de uma louca que bebeu mais do que devia.
Logo, o segurança me larga em um beco qualquer e sai, me deixando lá sozinha.
— EU VOU DESCONTAR ISSO DO SEU SALÁRIO!! - grito para o nada e bufo, irritada.
Que ótimo. Expulsa da minha própria festa de casamento. Maravilha. Era tudo que eu queria.
Realmente, não tinha como piorar.
Então começa a chover.
Eu e minha maldita boca.
Tento sair dali com o pouco de dignidade que ainda me restava, segurando a bainha do sharara para que não arrastasse na lama.
Esse é o pior dia da minha vida, quando deveria ser o melhor.
Maldita Randi.
Malditos seguranças.
Maldito hotel que não sei onde fica.
Maravilha, agora além de voltar à pé e encharcada eu vou ter que lutar pra saber onde estou hospedada.
Perfeito.
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Memories...
Fanfiction→ Extras da fanfic Sohan Kishan Rajaram ← Será possível ter memórias de algo que ainda nem aconteceu? Lembranças do futuro poderiam realmente existir, atormentar pessoas com suas visões? Talvez apenas uma brecha no espaço-tempo venha a mudar toda um...