UM

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O som dos pés caminhando na areia ajudava Otávio a manter um ritmo, um foco. Caminhar, caminhar e continuar caminhando. Há dias que estava naquele lugar feito de sol implacável e de calor que gretava sua pele mais acostumada às temperaturas frias de sua terra natal. Tentava encontrar uma saída, mas só havia o mar de areia se estendendo a sua frente.

O odre já estava seco e não havia sinal de água por perto. Seu cavalo havia morrido há dias e ele mantinha-se caminhando pelo puro instinto de sobrevivência. A sede era excruciante, sua vista estava turva, seu pensamento embotado, não tinha mais noção do tempo, mas sabia que não podia parar. Ou estaria morto.

Caminhava olhando para o chão na vã tentativa de não perceber o quanto ainda teria para caminhar e sentia saudade de casa, só que não havia volta. Estava fadado a encontrar a saída daquele lugar e nunca mais voltar ou morrer tentando.

Casa...

A dor que sentia no peito quando se lembrava de casa parecia maior do que a que lacerava seus pés feridos pelo desgaste e pelo calor. Mesmo assim não conseguia evitar pensar no tempo em que tudo era alegria. O treino com os amigos no uso das armas, as cavalgadas e caçadas, os dias de sol em que podia nadar no mar gelado das terras da Companhia dos Magos e Morgan. Sua querida Morgan. A menina dos olhos de avelã, cabelos castanhos e ondulados ao vento.

Haviam crescido muito próximos, as terras de suas famílias eram fronteiriças e seus pais, amigos. Sempre brincavam juntos quando pequenos e depois, já crescidos, vieram os flertes e as promessas. Animados com as vantagens que adviriam da união de seus filhos, o casamento foi arranjado e seria realizado depois que os jovens completassem sua educação. Assim, quando ele fez quatorze anos, ele foi para os Magos refinar técnicas de luta. Já havia aprendido o básico com o mestre de armas de seu pai e lá aprenderia a lutar com todos os tipos de armas, além de aprender alguma outra arte: construção, comércio ou táticas de guerra.

Um ano depois ela foi enviada à Irmandade para aprender a curar pessoas. Um no Oeste, outro no Leste, mas ele sempre dava um jeito de ir vê-la, seja acompanhando uma missão como pajem ou mesmo escapulindo quando possível, pois a viagem era longa. E quando se reencontravam, reformulavam suas promessas jurando amor eterno, ansiosos para que a data do casamento logo chegasse. A vida era feliz naquela época.

Agora ele estava ali, lutando para sobreviver ao sol ardente e às noites gélidas. Das armas que trouxera, guardava apenas a espada e a adaga que seu pai lhe dera quando fora admitido na Companhia. Pareciam bem mais leves então. Sua malha estava largada em algum lugar para trás há muito distante quando percebera que não teria forças para continuar carregando aquele peso. O elmo era inútil e perigoso sob aquele sol, teve o mesmo destino. Ainda tinha algumas moedas consigo, mas não serviam para nada ali.

Tomou coragem e olhou adiante, a imensidão de areia dourada brilhava diante de si. Se estivesse numa condição mais favorável teria visto a beleza daquele lugar, que mesmo árido tinha certa poesia, mas no momento só o que via era desespero.

Subitamente teve a impressão de ver algo no horizonte, algo que tremulava alto e verde. Seriam árvores? Se fossem teria água! Reuniu forças para intensificar a marcha e se aproximar. A cada passo, a imagem parecia aumentar e se definir. Eram palmeiras! Se tivesse sorte teriam frutos e poderia mitigar a fome que o devorava. Sentia um alívio tão grande que choraria se tivesse lágrimas. Poderia ficar ali para se recuperar um pouco e depois, mais forte, prosseguir.

Fixou o olhar naquela direção e prosseguiu em sua marcha alucinada pela sobrevivência. Um passo após o outro, a respiração ofegante, o ar seco e quente ardendo ao passar por sua garganta, mas a água que encontraria traria o tão esperado alívio!

No entanto, por mais que se esforçasse, tal lugar não chegava. Pedia desesperadamente a todos os deuses que conhecia que o ajudassem a chegar logo. Suas pernas já não tinham mais forças para prosseguir, seus pés sangravam ainda mais pelo esforço na caminhada, a cabeça latejava de dor. Ainda assim, procurou manter o foco, um passo de cada vez. E as palmeiras não se aproximavam. Pareciam ainda mais desfocadas, talvez por causa da sede? "Caminhe, caminhe!" Ele pensava e quando olhou novamente, não mais as viu. Nada havia a sua frente se não a imensidão de areia.

"Não pode ser!" pela primeira vez desde que iniciara o dia, ele parou. Estava atônito! Como não havia nada adiante? Estavam lá há alguns segundos! Em desespero, ele se ajoelhou tremulo, levou as mãos à cabeça coberta por um pedaço de seu manto de lã e começou a balançar para frente e para trás. Apesar de ter vontade de gritar, um som rouco saiu de sua garganta, mas não tinha mais forças, não tinha mais esperanças.

E naquele momento o Sol se apagou.

***

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Obrigada e até o próximo episódio! :]




O Peregrino de NärvikOnde histórias criam vida. Descubra agora