E lá estava ela a beira-mar. Como todos os dias, o olhar parado, fito no horizonte sem fim.
Pelas horas infindas, estática, dava a impressão de ter-se esquecido da vida, ou que a vida estivesse se esquecido dela.
Jovem, bonita, boas roupas, ninguém poderia dizer de onde viera.
Alguns curiosos já haviam seguido e a viram entrar numa pequena pousada. Mas como esses lugares primam pela discrição, nada conseguiram saber sobre ela.
Uma pessoa de poucas palavras, Leandra sofria a dor da perda de alguém muito amado. Seu noivo, Anselmo, morrera num estúpido acidente de carro. Perdeu a direção numa auto-estrada e precipitou-se pela ribanceira, morrendo em segundos.
Assim, como podemos imaginar, o sofrimento de Leandra é infindo.
O tempo é o senhor de todas as coisas, mas Leandra recusa-se a aceitar o acontecido. O acidente aconteceu há um ano atrás e a moça ainda nem voltou ao trabalho.
Como trabalha na empresa da família, todos vão fechando os olhos para as intermináveis licenças.
Assim, Leandra resolveu viajar para cidadezinha praieira, onde pudesse descansar e esquecer um pouco a tristeza.
Os dias passam celeradamente, e Leandra junto. Passa os dias na praia, sem pensar em nada.
Até que um dia, seu celular tocou já quase madrugada. Era sua mãe, aos prantos, dizendo que o seu pai não estava bem e que todos necessitavam urgente de sua presença.
A jovem empalideceu, quase desmaiou, mas manteve-se firme, agarrada ao telefone. E assim ouviu sua mãe chamá-la várias vezes.
A moça, finalmente, saindo do seu transe, respondeu, tentando dar firmeza à voz: Estou bem, mãe, e já vou pedir um carro para me levar para casa.
A mãe da moça suspirou ruidosamente e a mais tranquila, disse-lhe que fosse imediatamente para o hospital central, onde o pai estava internado.
Rapidamente, Leandra arruma as malas e pede na recepção que arrume um táxi para levá-la para casa.
Durante a viagem, a moça, calada, tenta não chorar, mas não consegue. E o pranto desaba.
O motorista, preocupado com a reação da moça, pergunta-lhe se deseja parar em algum lugar, mas ela sacode a cabeça dizendo-lhe que não. Então ele lhe oferece uma almofada para que ela se acomode melhor e ela a aceita.
Quase deitada no banco de trás, Leandra segue viagem rumo ao seu inesperado destino.
A música suave a embala e Leandra finalmente adormece.
De súbito, sente uma mão que lhe embala o ombro suavemente. O motorista chegando à cidade, precisa saber para onde dirigir-se.
Leandra acorda, ainda tonta, e lhe dá as indicações para chegar ao hospital.
Lá chegando, despede-se do gentil taxista, acertando o combinado pela viagem.
Agora começa o outro lado da vida de Leandra.Com o passar dos dias, Leandra começou a revezar com sua mãe os cuidados com o pai. Cada noite uma ficava e durante o dia havia uma enfermeira encarregada do enfermo.
Após o tempo certo de internação, seu Pedro foi liberado para ir para casa, desde que completasse o tratamento lá.
Então, ficou acertado o médico da família e duas enfermeiras, no revezamento, para não sobrecarregar d. Márcia, já com certa idade, pois Leandra ficaria encarregada da empresa da família.
Aos poucos, a situação foi acomodando-se e dr. Clóvis ficou fazendo as visitas rotineiras para o acompanhamento do seu paciente.
Leandra voltou ao trabalho, dedicando-se com afinco para colocar todas as pendências em dia, em decorrência da ausência do pai.
Apenas uma coisa estranha estava lhe ocorrendo. Há dias seguidos, vinha sonhando insistentemente com Anselmo.
A cena era sempre a mesma, Anselmo num amplo jardim, com uma vegetação luxuriante e colorida, como nunca visto em nenhum lugar. Uma cascata de água cristalina, cantando em profusão num canto mais afastado.
Quando ela se aproximava, era como se uma parede de vidro os separasse e impedia a comunicação.
Quando chegava bem próximo a ele, não conseguia ouvi-lo e acordava aos prantos e gritos.
Sua mãe, preocupada, insistiu com a filha para ir ao médico ou psicólogo, para tentar entender o que acontecia.
Mas a moça resistiu e assim seguiu por dias. Até que seu pai, já quase recuperado, começou a perceber o que havia. Sensível, notou que a filha não conseguia desprender-se do noivo falecido e isso a prejudicava, fazendo-a ter sonhos tão angustiantes.
Finalmente, conseguiu convencer Leandra a conversar com dr. Clóvis e ouvir dele uma orientação.
Marcada a consulta, Leandra dirigiu-se para a clínica.
Lá chegando, ainda no jardim, a moça encontrou-se com o médico. Jovem, bonito, sorridente, dr.Clóvis saudou a jovem com um firme aperto de mão.
Leandra, perturbada, corou fortemente e baixou os olhos.
O médico convidou-a a dar uma volta ali mesmo nos jardins da clínica, no lugar de fazer uma consulta formal.
E foram caminhando entre os jardins e fontes de água cristalina que formavam um belo ambiente.
Aos poucos, ela foi abrindo o coração e contando tudo o que estava acontecendo. O médico, em silêncio apenas ouvia o que a jovem dizia.
Ao final da narrativa, sentaram-se num dos bancos numa agradável sombra, e o médico põe-se a falar.
Leandra, a Psicologia não é a minha especialidade, mas posso indicar-lhe um colega. Mas antes gostaria de lhe dar uns conselhos.
Ele continuou: a morte é algo irreversível e todos nós vamos passar por ela. Para quem fica, só resta a conformação. Os seus pesadelos são decorrentes do seu grande amor e apego pelo seu noivo, que lhe foi tirado de forma violenta pela vida. Lhe digo isso porque passei também por isso, pois também perdi minha namorada de 3 anos, recentemente, e íamos ficar noivos e marcar a data do casamento. Também por acidente.
Passei pelos pesadelos e noites insones, mas graças a ajuda de amigos e da minha fé em Deus, estou recuperado.
Gostaria que você começasse a pensar em fazer algo por alguém. No hospital público, faço 2 dias de atendimento gratuito para as pessoas. É um trabalho realmente voluntário,sem nenhum ganho e dedico esse trabalho em memória dela, que era médica.
Você poderia fazer algo assim e ver o resultado. Caso não solucione seus problemas, voltamos a conversar e lhe indico o meu colega de profissão.
Leandra, assentiu e agradecida seguiu para casa.
Depois da conversa com dr. Clóvis, Leandra sentiu-se mais tranquila, mas continuou com os perturbadores sonhos, sempre acordando banhada em lágrimas.
Um dia, resolveu ir procurar o médico lá no hospital indicado por ele e integrou-se num grupo que fazia uma trabalho com as crianças em estado terminal. Ajudava a contas histórias e contas infantis, porque não tinha conhecimento na área médica, mas como voluntária da leitura poderia ser útil.
Passou a frequentar o hospital três fins de tarde por semana, dando o melhor de si.
Aos poucos, foi percebendo-se mais calma e relaxada, até um dia, notou que havia dormido a noite inteira sem que tivesse pesadelos.
Num dos dias de trabalho, encontrou dr. Clóvis no corredor do hospital.
Como sempre acontecia, a moça corou até a raiz dos cabelos, mas dessa vez teve coragem suficiente para olhá-lo nos olhos.
O médico, contente com o encontro, perguntou como estava se sentindo e se havia, ainda, interesse na consulta com o psicólogo. A moça sorriu docemente e disse que não, pois já não mais tinha os sonhos de antes e que tinha que agradecê-lo pela indicação de "tratamento" que ele tinha dado.
Disse-lhe que estava muito contente com o trabalho desenvolvido no hospital e aos poucos a vida estava entrando os eixos.
O médico, satisfeito, sorriu e disse um dia qualquer eles poderiam encontrar-se para falar a respeito. A moça somente assentiu, calada e rubra.
A vida seguiu o seu ritmo e cada um foi cuidado das próprias necessidades.
Após uns meses, Leandra começou a sentir um bem-estar indescritível na sua vida.
Mais feliz, ia a empresa da família todos os dias e as tardes ia para o seu trabalho no hospital.
Um dia, deitou-se, cansada com a luta do dia e em seguida começou a sonhar com Anselmo. Só que dessa vez a cena era um pouco diferente.
Apesar de estarem no mesmo jardim, com a mesma cachoeira no recanto, a moça percebeu que Anselmo estava mais próximo. Sorridente, ele levantou a mão como se fora tocar o "vidro" que os separava e pela primeira vez ela sentiu a sensação de entrelaçamento entre seus dedos e os do rapaz. Ainda na inconsciência do sono, Leandra sentiu os olhos lacrimejarem, mas o viu menear a cabeça, levemente, sempre sorridente.
E ela o viu balbuciar as palavras "Viva em paz e seja feliz". E assim a cena no sonho desfez-se.
Leandra acordou, como das outras vezes, aos prantos, mas dessa vez sentia um conforto e uma alegria indescritíveis.
Levantou-se, arrumou-se e foi para o trabalho feliz da vida, após tomar café da manhã com os pais.
À tarde, foi para o trabalho no hospital, onde encontrou com dr.Clóvis. Como sempre sorridente, o médico percebeu que um milagre havia acontecido.
Os jovens, sorridentes, mudos e felizes entrelaçaram as mãos, assim como havia acontecido no sonho da moça e ela sentiu-se abençoada pelo noivo agora em outra vida.
E novamente venceu o amor.
Regina Madeira
20/09/2015
Queridos leitores, espero que gostem de minha estória. Por favor, comentem, deixem os votos na estrelinha. Sua interação enriquece o meu trabalho e me faz melhorar como escritora. Esse é o meu objetivo.
Beijos carinhosos
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CONTOS QUE GOSTO DE CONTAR II
Short StorySão contos de amor, pura e simplesmente amor. Agradeço ao carinho especial de PaulinhaKarine, com a divulgação de minha obra e a Ester Elizabeth, uma capista muito talentosa. Pessoas como elas fazem o mundo melhor e mais bonito.