Voraz

Capítulo 2

"Jurei não mais amar pela décima vez, jurei não perdoar o que ela me fez. O costume é a força que fala mais forte do que a natureza e nos faz dar provas de fraqueza.

Joguei meu cigarro no chão e pisei, sem mais nenhum, aquele mesmo apanhei e fumei. Através da fumaça neguei minha raça chorando, a repetir: Ela é o veneno que eu escolhi pra morrer sem sentir."

Pela Décima Vez - Noel Rosa

Clara

Passo a manhã inteira fazendo planos e me preparando para o almoço. Ele não sabe que fui demitida, por isso marcou em um restaurante no centro, perto dos nossos trabalhos. Quando estávamos juntos, almoçávamos lá quase todos os dias. Pensando bem, no final do relacionamento, nós quase não almoçávamos mais juntos.

"Ele devia estar mentindo para mim e comendo aquela puta!"

Sacudo a cabeça para tentar apagar esses pensamentos e resolvo ligar para Alice e contar para ela as novidades. Assim que eu termino de falar ela, obviamente, começa a gritar.

- Você o quê? Você só pode ter perdido o juízo! Como é que você pôde aceitá-lo de volta? Você vai deixar esse canalha te enganar outra vez, Clara? E agora que você perdeu o emprego ele vai achar que pode mandar na sua vida. Eu não acredito nisso! Você estava decidida, comprou até a passagem... Caralho! E o que você vai fazer com a passagem para Grécia?

Meu coração fica apertado com tudo que ela me diz. Resolvo não falar nada sobre os comentários e responder apenas a pegunta sobre a viagem.

- Não sei... Estou pensando em ligar para a companhia aérea e ver o que pode ser feito. No pior dos casos vou perder todo o dinheiro da passagem, mas por mim tudo bem.

- Por você tudo bem? Você está LOUCA? Eu não acredito que você vai desistir de tudo outra vez por causa desse palhaço e...

Eu a interrompo. Não quero mais ouvir nada sobre isso.

- Olha Alice, eu preciso desligar. Mais tarde nos falamos. Um beijo.

E sem dar a oportunidade dela falar qualquer coisa, desligo o telefone. Fico algum tempo sentada no sofá tentando digerir tudo que ela me disse. Não é facil ser amiga da Alice. Estando certa ou não, ela sempre fala o que pensa sem querer saber se vai ferir os sentimentos dos outros. Resolvo deixar isso para lá e volto a me arrumar para almoçar com Eric. Escolho um vestido florido e soltinho acompanhado por uma sapatilha branca. Passo uma maquiagem leve, faço um rabo de cavalo no cabelo e saio para o restaurante. Chegando lá, vejo que ele já está sentado e almoçando.

- Oi amor! Não me esperou para começar?

Dou um beijo no rosto dele e ele não retribui. Sento-me ao seu lado.

- Você está atrasada. E que roupa é essa para ir trabalhar?

Conto-lhe tudo o que aconteceu no meu trabalho, que estive deprimida todos esses meses por causa do nosso rompimento e vou deixando o assunto da viagem para o final da conversa, mas chega o momento e eu não tenho mais como fugir. Conto para ele sobre meus planos de mudar de vida para esquecê-lo e sobre minha decisão de ir à Grécia para fazer isso. Quando começo a falar da viagem, o humor dele começa a piorar. Enquanto ainda estou falando, o telefone dele toca, ele levanta o dedo indicador para mim, como se pedisse um minuto, se levanta, se afasta da mesa onde estamos e vai para o bar. Lá ele se senta e começa a falar com alguém no telefone.

Tenho tempo de pedir minha comida e da mesma chegar. Quando estou quase terminando de comer, me viro para procurá-lo e vejo que ele está em uma conversa bastante informal ao telefone, sorrindo o tempo todo. Quando ele vê que eu estou olhando, fica sério e logo desliga.