QUATRO

10.7K 933 307
                                    

SENTADA EM UMA DAS MACAS da enfermaria, eu mantinha a palma de minha mão dentro da bacia de água gelada que Aqua havia trazido para mim enquanto uma garota abria com agilidade uma folha verde cheia de espinhos e raspava cuidadosamente uma espécie de gosma de dentro dela para um recipiente de barro.

Batendo a mistura com um cabo de metal, ela se aproximou de mim com um sorriso tranquilizafor.

— Já se passaram os vinte minutos. — ela indicou a bacia de água. — Pode tirar a mão.

Lentamente, retiro meu braço da água. Alcançando uma das toalhas brancas empilhadas na cômoda ao lado, a garota enxuga minha pele delicadamente, analisando minha queimadura.

— Bem, felizmente não foi muito grave. — disse ela, em óbvio alívio.

— Nem imagino o tamanho da dor que eu teria sentido se tivesse sido grave, então. — murmuro.

— Não sei o que estava pensando ao dar um tapa na cara dele. — Aqua sacudiu a cabeça de seu assento a alguns metros de distância. — Ainda não consigo acreditar que fez isso.

— Você bateu em Eydam? — a garota a minha frente pergunta, perplexa.

Encolho os ombros, concordando timidamente com a cabeça.

— Você tem personalidade! — ela elogia, rindo. Porém, ao receber um olhar enviesado por parte de Aqua, seu riso morreu.

A mulher mais velha no cômodo suspira, descansando a cabeça em uma das mãos e apontando com a outra para a menina que agora está pincelando uma espécie de gel transparente em uma gaze que acabara de ser esterilizada.

— Senhorita Sycamore, está é a sua colega nova, senhorita Waterbloom.

— Pérola está bom — emendei, querendo me desfazer dessas formalidades.

— Neste caso, prefiro Rosalina. — sorriu.

Rosalina tinha pele morena e longos e lisos cabelos pretos, com uma franja que lhe caía sem um fio fora do lugar na testa. Seus olhos eram de um verde cor de mar e brilhavam com um toque de dourado quando a luz do sol batia sobre eles.

Era facilmente a garota mais bonita que eu já tinha visto.

— A senhorita Sycamore vem de uma antiga e poderosa família de Elementais da Terra. — continuou Aqua. — Está conosco há seis meses.

— Isso explica o porquê de você saber qual a utilidade daquela gosma que saiu de dentro da folha com espinhos.

— Não é uma gosma. — ela achou graça. — Se chama cataplasma. E a “folha espinhenta” é uma Aloe vera. É fácil de se encontrar. Irei aplicá-la em sua queimadura porque além de diminuir a dor, também ajudará a hidratar e cicatrizar a pele queimada. — dito isso, ela ergueu a gaze com o cataplasma pelas duas pontas e cobriu minha mão com ela, dando duas voltas antes de finalmente prendê-la. — Você deve trocar duas vezes ao dia. Sempre que precisar de mais, pode vir aqui ou pedir para alguém buscar para você. E não se preocupe, em breve sua mão vai ficar como nova.

— Obrigada. Você é muito gentil. — agradeci, encarando meu punho enfaixado. — Diferente de certas pessoas...

— Está se referindo a Eydam, presumo. — ela comentou, divertida.

— E quem mais haveria de ser? — de repente, sinto um desconforto surgir em meu peito. — Há mais pessoas como ele aqui?

Rosalina gargalhou suavemente.

— Não, não há. E Eydam não é tão ruim assim. Você provavelmente só o pegou em um mau momento.

Arregalo os olhos diante da desculpa esfarrapada.

— Ele me chamou de escória.

Ela fez uma careta.

— Ele tende a ser... temperamental.

— Um babaca da pior espécie, eu diria.

— Acho que está sendo um pouco dura demais com Eydam, assim como ele foi com você. — Aqua interrompe, pondo-se de pé. — O fato de ele ser do Fogo e você da Água não deve impedir que se dêem bem. Toda a bagunça que houve no chalé já foi resolvida e o esperado é que vocês dois façam um pedido de desculpas formal um ao outro hoje à noite na hora do jantar.

— Mas por que eu preciso fazer um pedido de desculpas? Eu estava apenas tentando ajudar! Além do mais, não é como se ele estivesse realmente arrependido — justifiquei, sentindo minha língua formigar só de pensar em pedir perdão àquele idiota.

— Você não tem como saber. — Aqua apontou, caminhando em direção à porta de saída da enfermaria. — E eu tenho certeza de que você não estava querendo ajudar quando o estapeou no rosto, estava? — diante do meu silêncio, ela balança a cabeça, como se confirmando algo para si mesma. — Dito isso, vamos manter a harmonia no acampamento, sim?

E então fecha a porta atrás de si.

Respiro fundo, tentando não surtar.

— Não fique assim. Tenho certeza de que tudo vai dar certo. Hoje é apenas o seu primeiro dia — Rosalina diz, colocando uma mão sobre o meu ombro na tentativa de me consolar.

— É disso que tenho medo. — confesso, num sussurro. — Hoje é só o primeiro dia.


*  *  *


Meu dormitório, diferentemente do meu quarto antigo, tinha um papel de parede perolado com pequenos lírios brancos por toda sua superfície e piso de linóleo. No centro do cômodo, uma cama de ferro forjado se erguia sob um colchão grosso forrado por lençóis e travesseiros brancos. Do seu lado, uma minúscula mesa de cabeceira, onde decido colocar o frasco com o cataplasma que Rosalina usou em minha queimadura e as ataduras.

De resto, há apenas as minhas coisas recém-chegadas, um guarda roupa de madeira cor de conhaque e uma escrivaninha.

Bem, ao menos tem janelas.

Respiro fundo, puxando uma das minhas malas para cima da cama e abrindo o zíper. Tenho que começar a organizar minhas roupas se quero ter algo apropriado para vestir até a hora do jantar.

O esperado é que vocês dois façam um pedido de desculpas formal um ao outro, a ordem de Aqua ressoa em meus ouvidos.

Eu sou uma pessoa orgulhosa. Não a ponto de me recusar a assumir um erro ou admitir quando não estou certa a respeito de alguma coisa, mas realmente me dói ter que baixar a cabeça e pedir desculpas a Eydam. Eu bati nele, mas e daí? Ele mereceu. E se eu tivesse que fazer de novo, com certeza faria pior.

Contudo, não estou aqui para jogar este tipo de jogo. Tenho uma lista de prioridades a seguir e nenhuma delas envolve o estúpido e arrogante príncipe do Fogo.

Sorrio com o pensamento.

Na verdade, se eu fizer tudo certo, não vou ficar aqui nem mesmo tempo o suficiente para que ele se torne mais do que um agudo desconforto no meu pé.

Água e Fogo [EDITANDO E RESPOSTANDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora