Terça-feira, 26 de novembro de 2013.
O acelerômetro passava dos 90km/h, as luzes da noite londrina eram apenas pontos que corriam velozes através das janelas do carro. Uma garrafa whisky jogada pelo chão do veículo e outra em sua mão esquerda. A mão direita segurava o volante. Suas lágrimas caíam como pedra, seu amor havia sido ferido. Ele era a piada, um traído por quem mais amava. Não tinha mais qualquer esperança. Não tinha mais controle da sua direção, os pneus cantavam os semáforos ultrapassados e ditavam o ritmo de seu choro. Ele era a piada. Luzes. Luzes dos prédios, luzes das casas, dos bares, dos outros veículos. As luzes o guiavam. Guiavam aquela alma desesperada e fadada ao sofrimento que por mais que fosse passageiro, doía, parecia ser eterno. Nada é eterno. Nem ninguém. Luzes. Elas corriam ainda mais rápido, o motor rugia e seu choro ainda era mais desesperado, amaldiçoava os céus. Luzes, mais luzes. Elas cresciam, pareciam se aproximar. Amor, o sentimento mais traiçoeiro. Transforma pedra em água, transforma força em fraqueza, faz da alegria uma tristeza que dilacera. As luzes cresciam. O cantar dos pneus fez seu último ato antes do estrondo. Antes da escuridão chegar.
-Dias atuais-
Coma, o sono sem previsão de fim. O limbo do inconsciente, a alma mergulhada em um infinito mar de escuridão, o cemitério dos sentidos. O descanso sem sonhos...
A consciência e o corpo de Noah começam a responder a alguns estímulos. Tudo parece tão longe, tudo parece ser tão irreal. As trevas ainda assolavam seu cérebro, a escuridão o tomava.
Passaram-se dois anos e alguns meses após o terrível acidente envolvendo o carro que Noah dirigia e um caminhão no centro de Londres. O motorista morreu na hora, o carro capotou alguns metros até ser parado por um poste, uma multidão se aglomerou para ver a tragédia. Foi ali que o jovem, que na época tinha apenas 21 anos, mergulhou no sono pesado. ''O que foi que houve?'', ''alguém sabe o contato da família?'', ''ele está vivo?'', essas perguntas ecoavam pelas ruas até serem abafadas pelas sirenes gritantes do caminhão dos bombeiros e da ambulância. ''Procurem a documentação do garoto!'' ordenou alguém. ''O nome dele é Noah, senhor''. Era uma noite chuvosa, quase onze e meia da noite e fazia frio.
Uma mulher de quarenta e poucos anos chorava acompanhada de um homem de cabelos grisalhos, mas muito bem aparentado no corredor do hospital. Outros dois jovens se abraçavam enquanto dividiam sua dor. Ele era filho, ele era amigo.
— Como ele pôde fazer isso? — Gritava a jovem. A mulher mais velha nem falava, só conseguia soluçar. O desespero havia adentrado em seu corpo, o filho querido dela, a pessoa para qual ela dedicou vinte anos de sua vida.
— Onde ele está? — Surge outro garoto, mais ou menos da mesma idade, vestindo uma camisa xadrez.
— Some daqui! Isso é tudo culpa sua! — A mãe de Noah explodiu. Raiva, angústia e tristeza todas misturadas.
Enquanto o mundo chorava lá fora, Noah dormia e ele dormiu... Por dois longos anos. Não havia dor, nem sinal de qualquer movimento. Enquanto a incerteza e a tristeza consumiam seus entes queridos e seus amigos, a paz tomava conta dele como um abraço reconfortante. Talvez a morte o espreitasse apenas esperando o momento certo para leva-lo com ela. No mundo real tudo estava ruindo e ele continuava dormindo.
Os dois anos que se estenderam pareceram durar quase a eternidade inteira, mas o curso da maré mudou e Noah começou a dar sinais. A morte não o levaria, não agora. Ele estava vivo. Depois de tanta luta, ele acordou. Seus sentidos começavam a se manifestar vagarosamente. Primeiro o tato, sentiu o grosso lençol posto sobre seu corpo e o que forrava a cama do hospital, o olfato o fez sentir o cheiro de álcool e de produto de limpeza que pairava. A audição jogou o som dos bipes do medidor cardíaco para dentro de seus ouvidos. Sua visão foi o único sentido ainda debilitado, havia alguém ali com ele? Seu cérebro ainda estava lento demais, não sabia onde estava ou o que estava acontecendo e também não fazia questão de saber, pois logo depois ele adormeceu mais uma vez.
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A Luz e a Sombra
RomanceA vida... Dizem que a vida é bela. Ela pode ser bela, mas ela sabe ser traiçoeira. Ela pode ser alegre, mas consegue ser obscura. A vida não espera por ninguém, ela é como um rio feroz onde só os fortes conseguem navegar sem seus barcos afundarem. ...