3 - Calmaria

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Ela...

Como ele se atreveu a se meter na frente do meu carro? Estou tão aflita por pensar que eu poderia tê-lo matado que mal consigo respirar. Meu corpo, minhas mãos... tudo em mim treme. Mas ele não está assustado. Simplesmente se debruça em minha janela e depois de me observar por alguns segundos, pede desculpas.

― Eu podia ter matado você! ― minha voz sai tão trêmula que penso que mesmo que eu dissesse nesse momento que sou Elisa Ádamo, não conseguiria convencer ninguém pela voz.

― Por que você sempre sai apressada? ― ele insiste ― Canto tão mal assim que você precisa sair correndo antes que vomite todo o jantar na minha frente?

O.k. essa foi péssima. Mas de perto assim, vejo como ele consegue ser ainda mais bonito. Ben Sales... É assim que o restaurante o anuncia numa placa luminosa. O cara que adoça um pouquinho meus fins de semana com seu talento e seu jeito simples de cantar o amor - e com amor! Nesse instante me olha tão profundamente e me perco. Esqueço até mesmo onde estou.

― Apenas cinco minutos, só isso. ― diz ele enquanto estende a mão esquerda para mim e abre a porta do meu carro com a outra.

― Hã? ― meu raciocínio ficou lento de repente. Talvez tenha sido o susto de quase tê-lo atropelado. Ou do susto de tê-lo assim, tão perto... tão lindo.

― Vem, sai do carro. Eu juro que te deixo em paz em seguida. O que são cinco minutos?

Eu confesso que se fosse esperta o bastante, teria ido embora daqui com planos sérios de nunca mais voltar. Mas não sou. A vontade de falar com ele já me consome a um certo tempo, não consigo evitar de assentir:

― Só preciso estacionar.

― O.k.

Escolho uma vaga logo à frente e levo meu carro até lá. Antes de descer, retoco minha maquiagem e confiro se meu disfarce está me escondendo como deve. Tudo parece perfeito.

Essa peruca ruiva, Chanel um pouco abaixo do queixo, é um tipo de corte que eu nunca cheguei a usar. E gosto do jeito como ela emoldura meu rosto, escondendo bem algumas características da artista que fui um dia.

Outra coisa que aprendi antes de fugir foi descaracterizar meus olhos. Meu pai sempre diz que meus olhos é a parte mais marcante em mim. Grandes e azuis. Então minha primeira providencia foi comprar uma lente preta. Em seguida aprendi um truque genial pela internet para disfarçar o tamanho e até mesmo o formato de meus olhos.

A primeira vez que peguei um avião e fui para casa, depois de seis meses vivendo escondida aqui, minha mãe levou um susto quando entrei assim, disfarçada. Ela já sabia que eu me disfarçava, mas nunca tinha me visto assim. Entrei de mansinho pelo quintal e toquei a campainha de casa. Ela mesma que veio abrir e logo entrei. Lembro que ela me seguiu com o olhar e manteve a porta aberta, como se fosse me expulsar no momento seguinte. Mas não precisei dizer que era eu.

― Filha! ― o susto era por me vir, finalmente. Não por não me reconhecer ― Quer me matar de saudades?

― Ah, mãe... esse disfarce é uma droga! ― lamentei indo abraça-la.

Mais tarde ela me disse que o disfarce era bom. E que ela me reconheceu porque me ama e porque conhece mais do que meus traços.

― Quem ama, meu anjo, reconhece pelo conjunto. Os gestos, o jeito de olhar, o jeito de andar... o cheiro! ― disse me cheirando e me beijando ― Te reconheceria mesmo que entrasse aqui disfarçada de moita!

Nas Notas da Canção (Completo na Amazon)Onde histórias criam vida. Descubra agora