Capítulo 1

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Gosto de pensar que minha vida é normal. Que eu saio, ouço musicas e flerto com garotas da minha idade. Gosto da história que minha mãe conta onde a pior coisa que eu fiz foi vomitar na camiseta nova dela. Gosto de pensar que não me olham torto na rua quando eu ando, ou fazem piadas disso para os outros. Eu gosto de pensar assim...

Mas não é verdade.

Quando acordei não havia barulho algum em casa. Meus olhos seguiram o quarto cinza até a porta branca. As luzes estavam apagadas e pensei em voltar a dormir quando ouvi os passos de alguém na sala. Devem ter sido os de minha mãe, ela não tem dormido bem esses dias, pois acabei e fazer dezoito anos.

Não, ela não tem medo que o filho mais novo que acabou de fazer dezoito anos saia por ai no carro do pai e cause um acidente, ou vá para um bordel e traga bebês para casa. Não é isso que ela teme. Ela sabe que amanha eu vou me afastar de casa.

E eu não queria isso.

Desde que me lembrava, a cidade onde morávamos era dividida por um muro, e não daqueles que você vê nas casas feitos de blocos, fáceis de derrubar, este é um muro preto de ferro, impossível de se penetrar. As palavras "Hit and Error" estão gravadas nele, não faço ideia do porque escreveram em inglês, deve ser para parecer mais bonito.

Devo me afastar porque não me encaixo deste lado do muro. Meu lugar é do outro lado, com pessoas como eu.

Quando eu nasci no sétimo mês, meus pulmões não foram fortes o suficiente para me fazer chorar e então, o oxigênio não chegou ao meu cérebro na hora certa, ai bem, eu fiquei com sequelas.

Não são sequelas graves. Não me afetam intelectualmente, mas me afetam esteticamente. Minhas pernas são frágeis, incapazes de sustentar meu corpo por mais de cinco minutos. Eu já passara por duas cirurgias para me ajudar em alguma coisa que nem me lembro o que era. De acordo com minha mãe, me ajudou, mas também me causaram cicatrizes enormes nas duas pernas. Por isso nunca uso bermudas fora de casa.

Ter paralisia cerebral quando se mora desse lado do muro é um pouco complicado, minha ida a lugares são acompanhadas de cochichos, sussurros e olhares tortos, como se achassem que eu tive culpa de nascer assim.

Morava com a minha família numa casa pequena e confortável. Não tínhamos muito luxo. Meu irmão dormia no quarto ao lado, ele é completamente diferente de mim, tinha os cabelos pretos quase brilhantes, um corpo de dar inveja e sempre provoca risinhos quando passa por garotas. Ele é dois anos mais velho do que eu. Seu nome é Miguel.

Minha mãe sempre gostou de ler bíblias e sempre gostou dos anjos, colocou o nome do meu irmão de Miguel porque ele é o mais velho, eu fiquei com Gabriel. Simples e comum. Gosto do meu nome, e vendo outros nomes que há naquele livro, tirei a sorte grande.

Minha mãe é escritora. - Na verdade só gosta de escrever, nunca teve coragem de publicar, mas é realmente boa, já devo ter lido umas três histórias dela e não são nada ruins. Seu nome é Clara, ela é perfeita com seus cabelos encaracolados e olhos castanhos que nunca transmitem raiva, apenas calma.

As pessoas como eu são chamadas de "Erros" simplesmente assim. Os erros são uma espécie de aberração deste lado. Minha mãe é o tipo de pessoa que não se abala com o fato de seu filho ser um erro. Ela é diferente das outras porque está em contato com um todos os dias. O pior momento da vida de uma mãe é saber que seu filho é um erro, algumas choram descontroladamente quando isso é anunciado, outras sofrem em silêncio. Eu não posso deixar de acreditar que minha mãe sofreu com isso também. Justo ela. Justo eu...

Ainda faltava o meu pai... Vejamos, ele é alto, tem cabelos castanhos e olhos claros. Uma tremenda injustiça, pois minha avó tem olhos claros, ele também e eu não. Triste, mas acho que a única parte que gosto do meu corpo são meus olhos. São castanhos escuros e se não olharem para o resto de mim, posso ser considerado uma pessoa bonita.

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⏰ Última atualização: Mar 01, 2020 ⏰

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