O monge - "degustação"

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Noite, numa abadia beneditina duma pequena cidade italiana, no coração da Idade Média.

Ele estava sentado calmamente na cadeira enquanto observava o monge olhar para os lados como se procurasse uma saída. A lua entrava pela fresta da pequena janela no alto da alcova, derramando seus raios pálidos sobre os olhos azuis intensos do rapaz no centro do quarto. Abancado tranquilamente, o demônio sentia o cheiro do suor que ensopava a pele bronzeada do beneditino. Adorava aquele odor. Talvez tenha sido exatamente esse aroma que o levara até ali. Sondara aquele mosteiro, procurando corações que duvidassem. Tudo começava assim, precisava da dúvida e se alimentava do medo. Todavia, era importante algo mais que a dúvida; era necessário pureza.

Gabriel duvidou. Uma única vez. E essa foi a sua perdição.

O belo beneditino suava em uma espécie de pânico digno, pois não gritava por socorro, mas buscava com os olhos rotas de fuga. O crucifixo estava seguro fortemente nas mãos; era de prata e reluzia sob os raios pálidos e cruéis de Diana. Talvez se a lua não existisse, ele fosse poupado de mirar o olhar pálido do demônio que o admirava numa mistura de desejo e desprezo.

— Ah, Gabriel, Gabriel, não percebe que somente eu tenho a capacidade de escolher aqui? — o imortal disse com sua voz rouca, suave e fria. Os lábios finos e eternamente vermelhos abriram-se num meio sorriso sádico. Tais criaturas nunca sorriam de verdade. Não conheciam o sentido da alegria ou quaisquer sentimentos humanos. Eram predadores, nascidos do parto profano entre terra e trevas. Escolhida a vítima, tenha certeza, eles só as deixariam quando se encontrassem completamente saciados. E eles não se saciariam facilmente.

O crucifixo de prata tiritava entre os dedos do monge. Ele ficava preso ao seu corpo por um longo cordão. Gabriel caiu de joelho, implorando misericórdia, não àquele ser desalmado, mas ao deus que jurou acreditar e defender. Ao deus pelo qual abdicara da sua juventude e também, era verdade, ao deus que o tirara da miséria do seu vilarejo tomado pela peste, anos antes. Todavia, rogava mudo, seu orgulho não lhe permitia a humilhação; não diante daquele ser pertencente às fossas infernais.

O não-humano continuava imóvel, deliciando-se com aquela tensão. Ouvia de forma profunda o choro dos seres elementais presentes ali naquele momento e que entoavam uma oração pela alma do jovem monge. Mal sabiam eles que o demônio não tinha intenção alguma de destruir aquela vida, pois, por este viés, Gabriel seguiria o túnel de luz que o levaria aos campos e que seria conduzido a uma vida futura mais condizente com seu sacrifício de resistir a uma cria do inferno. Não. Sua intenção, sua missão, não era essa, pelo contrário, a morte do jovem seria um grande fracasso. Ele estava ali para cumprir com Gabriel o que lhe fora solicitado por seu mestre.

O demônio ergueu-se e andou ao redor do monge. Como faria um predador, ele examinava a presa com paciência, como o gato que brinca com o rato antes de abrir suas entranhas. Suas mãos frias afundaram-se nos cabelos lisos e negros de corte arredondado. Ele sorriu: o rosto de Gabriel era a coisa mais agradável que vira nos últimos 300 anos. Os olhos dele eram azuis e límpidos, a pele lisa como uma maçã vistosa e suculenta, os lábios vermelhos e carnudos. Ele todo era um convite à luxúria, algo que aquele jovem pobre e desprovido de grandes conhecimentos sexuais e intelectuais estava tão distante de saber que quase poderia dizê-lo puro como uma criança; mas havia a dúvida. E foi esse cheiro de inocência e luxúria misturados que despertou o interesse do demônio.

Seu nome era Sebastian, e ele era um anticristo. Um ser demoníaco nascido da cópula entre um poderoso demônio, um príncipe do inferno, e uma mortal. Tal concepção era tida por meio de uma sedução cheia de ardis que levava a mortal à loucura e posteriormente ao suicídio. Um anticristo era um demônio-vampiro e, mesmo filho de uma mortal, possuía o dom da imortalidade, contudo, ao contrário dos demônios pertencentes às castas de anjos expulsas do céu, eles poderiam ser mortos por alguns relicários sagrados.

A missão de todo anticristo era reverter a influência do Cristo na terra. Se o Messias procurava a conversão dos homens, a missão do anticristo era a perversão de cada alma que tivesse potencial para levar adiante a mensagem do filho de deus. Infelizmente para Gabriel, ele era uma dessas almas, e Sebastian não poderia desistir de desviá-lo ou sofreria as consequências pelas mãos do seu senhor, o príncipe Caim.

Além de ter uma missão, Sebastian quis Gabriel assim que o viu. A beleza, a santidade e a convicção do monge o seduziram. O demônio tentou várias abordagens: o seduziu, o enlouqueceu, mas nunca conseguiu vencer a resistência do beneditino. Então... Teve que tomar à força o que tanto queria, mesmo sabendo que aquilo não correspondia ao seu objetivo.

Gabriel continuava orando baixinho, enquanto Sebastian o examinava com atenção.

— Reze mais alto monge, eu gosto de ouvir a sua voz — a voz poderosa ordenou, os olhos de um cinza frio, quase brancos, encaravam o jovem beneditino com sarcasmo.

Gabriel ergueu o olhar para ele, a revolta brilhava em seus olhos como chamas escuras. A revolta e o medo.

— Eu o odeio cria das trevas! — cuspiu. — A justiça do senhor será feita! Se não por mim, por outros!

O demônio sorriu, exibindo seus longos e brancos caninos.

— Você me quer Gabriel, e esse é seu maior desgosto, porque eu posso sentir o cheiro da luxúria em você. sempre pude sentir...


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⏰ Última atualização: Oct 15, 2015 ⏰

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