Passei anos da minha vida jogando Crysis . Nele, eu não era uma pessoa da burocracia. Eu tinha uma outra vida. Era o que eu sempre havia sonhado para mim e que não pude ser. Como soldado do exército norte-americano, eu lutava, num futuro próximo, contra a Coréia do Norte.
Nós éramos os bonzinhos e eles os malzinhos. Comecei jogando a primeira versão apenas como jogador individual. Depois, eu fui me afeiçoando à trama do jogo e passei a jogar online com centenas de jogadores, distribuídos ao redor do mundo.Era gente de todo lugar e conhecíamos pessoas de todos os tipos. Com o tempo, passei a jogar em ambientes, que eram criados pelos próprios usuários avançados. Era gente que gostava do jogo e entendia muito de informática. Já não havia limites para os temas e os cenários de guerra eram cada vez mais fantásticos. Jogávamos em florestas, desertos, savanas, matas fechadas etc. Havia possibilidades mil, inclusive, algumas fases, eram de coisas absurdas.
Com o tempo, me apeguei muito a um dos cenários, criados por um usuário avançado, que nunca fiquei sabendo quem era. Ele se chama N évoa da Manhã. Nessa opção, a gente jogava dentro de uma floresta fechada, totalmente coberta pela névoa da manhã. Havia uma cabana no meio do terreno, que era muito amplo. A opção suportava claramente mais de quarenta pessoas jogando ao mesmo tempo, embora, nem sempre ficasse cheia e movimentada. E eu podia ficar atravessando a mata de lá e para cá, vendo os detalhes do terreno, enquanto os jogadores não entravam e começavam os combates.
Eu gostava tanto do jogo, que fiquei muito triste, quando, por necessidade, tive que parar de jogar para trabalhar num horário mais complicado. Eu havia acabado de me divorciar e muitas contas batiam na minha porta. Mas eu sempre sonhava com aquele cenário. Eu conseguia sentir nos meus sonhos a névoa da manhã. Ela sempre voltava de forma recorrente nas minhas noites. Eu sentia, que de alguma forma, havia uma ligação emocional entre aquela floresta eternamente coberta de neblina e eu. Eu só não sabia o que era. Tempos depois, aconteceu algo que marcou a minha vida para sempre.
Em San Diego, Califórnia, eu estava voltando para o hotel Holiday Inn de Old Town, após participar de mais um dia na Comic Con, e, ao descer em Old Town Transit Center, vi uma menina loira, magrinha, de uns 17 anos, com um echarpe e um gorro branco, parada na numa lanchonete dentro da área da estação. Ela não tinha o braço esquerdo e foi evidente, que sentimos uma curiosidade recíproca, embora não houvesse nada físico naquilo. Da minha parte, fiquei compadecido por aquela menina tão nova não ter um dos braços e ela deve ter olhado para mim e pensado: mais um maluco com pouco mais de quarenta anos, saindo da Comic Con com boné de Star Wars na cabeça.
Comprei um cartão na lanchonete e liguei de um telefone público para o hotel, pedindo que eles mandassem um carro me buscar. Quando olhei para trás, por reflexo, eu a vi, a cerca de três metros, perto da entrada da loja da estação, olhando diretamente para mim. A minha carona chegou e quando eu me virei para trás, para olhar pela ultima vez para a loirinha, ela havia misteriosamente desaparecido.
Fui embora para o hotel e fiquei pensando naquela menina, que havia cruzado o olhar comigo na estação. Havia algo de diferente com ela. O seu olhar era muito profundo. Eu senti nela uma força e ao mesmo tempo, ela parecia ser frágil. Mas, era claro, que ela era tudo, menos frágil. Naquela noite, eu peguei o avião e voltei para o meu país, Brasil, onde na minha cidade, retomei o meu trabalho na minha repartição. Mas, eu não conseguia deixar de pensar naquela cena. Havia algo de misterioso naquele encontro na estação de trem Old Town em de San Diego. Algo, que iria mudar a minha vida para a sempre e eu, ainda, não sabia.
Algumas semanas depois, chegou um aviso onde trabalho, de que alguém queria me entregar uma correspondência importante na portaria e, que tal carta, só poderia ser entregue pessoalmente. Fiquei meio frustrado, pois eu estava trabalhando num caso importante com um colega, e aquilo ia atrapalhar a nossa concentração. Desci a rampa do segundo andar para o térreo e fui lá receber a pessoa, achando que se tratava, em verdade, de um carteiro. Minha surpresa foi grande ao chegar na portaria e encontrar a mocinha loira da estação de trem Old Town de San Diego me esperando. Pensei, inicialmente, que eu havia me confundido, mas era ela. Ela era a mesma moça sem o braço, embora, agora, estivesse usando um vestido vermelho, bonito, mas um pouco quente para a temperatura da minha cidade. Foi uma grande surpresa, mas não fiquei preocupado. Desde quando a vi pela primeira vez, ela me transmitiu no olhar, a sensação de se uma pessoa de boa índole.
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Névoa da manhã - Um conto no universo da saga "A Irmandade dos Párias"
Short StorySinopse: Conto de fantasia onde narro como fui transportado para o reino mágico de Aurora, após minha visita a San Diego Comic Con de 2015. Neste conto, são introduzidas duas personagens (Frida e Clara) da saga de fantasia, A Irmandade dos Párias.