A noite apareceu Henrique Teixeira, que andava um tanto arredio.
O médico desistira do seu plano de trazer Hermano às partidas do Sr. Veiga, desde que D. Felícia tinha abandonado a idéia do casamento. Continuou, porém, a frequentar a casa com a mesma assiduidade. Foi só quando percebeu certa repulsão de Amália para ele, que se retirou.
causa dessa repulsão não a podia precisar; mas suspeitou que se referia a Hermano, Seda porque fora ele quem envolvera o amigo na existência da moça; ou era ao contrário porque não tivera força de aproximá-lo dela?.
A verdadeira causa, nós a sabemos.
Era a indignação que Amália sentira contra o esposo infiel e que ressaltava sobre o amigo, como sobre tudo o mais que lhe pertencia.
— Já tive o prazer de ouvi-la hoje, disse o doutor apertando a mão de Amália.
— Passou por aqui?.
— Estive na sua vizinhança.
Amália entendeu a alusão.
— Ah! exclamou com indiferença.
Quando a moça começou a cantar naquela manhã Teixeira estava em casa de Hermano e conversavam os dois no gabinete. As primeiras notas este levantou-se; esqueceu a presença do amigo e saindo à chácara aproximou-se da casa vizinha, resguardando-se com a folhagem do arvoredo.
Teixeira que o acompanhara, sentou-se junto dele e escutou. Aquela vivacidade do amigo, tão alheio a tudo que não se prendia à sua antiga existência, e a emoção com que ele ouvia a Amália, o surpreenderam, Interrogou as suas recordações. Julieta cantava essa ária, o que explicava tudo.
Terminado o canto, Hermano voltou e gabinete a conversa, sem a menor alusão ao incidente. Henrique de seu lado também absteve-se de qualquer observação, e mui de propósito.
Deixando o amigo, lembrou-se o doutor de fazer à noite uma visita à família Veiga; e no primeiro ensejo referiu a Amália todas as circunstâncias do que ele chamava um triunfo.
— Um triunfo artístico bem entendido, acrescentou sorrindo.
— Os outros não são para mim, observou Amália em um tom de modéstia desdenhosa, que tornava ambígua sua frase.
A moça conteve e dissimulou a alegria produzida pela confidência do doutor. Agora sabia que Hermano a tinha ouvido e que sua voz atraia aquele homem indiferente ao mundo. Esta certeza encheu-a de confiança.
Desde esse dia não cantou mais a Lucia. As vezes ensaiava uns prelúdios, como quem se preparasse, e de chofre passava a outra peça, que executava primorosamente.
Compreende-se bem o que devia ser Amália nesses dias, convencida como estava de que o seu encanto, o seu condão, estava na voz. Todos os esplendores de sua formosura, todas as seduções de sua pessoa, toda sua graça e gentileza, ela os transportou para a música e idealizou em arpejos e melodias.
Quem já lhe tivesse admirado a beleza a reconheceria nesse canto inspirado que era como uma transfusão de sua radiante imagem. Seus lábios somam num trinado, com a mesma garridice com que desabrochavam a sua rubra flor.
A moça já não duvidara de seu império. Ela senta em torno de si, a envolvê-la incessante a admiração de Hermano. A cada momento via ou adivinhava na espessura das árvores, na penumbra de uma janela, o olhar que a buscava com ansiedade e a seguia infatigável.
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Encarnação- Jose de Alencar
RomanceHermano, muito bem situado socialmente, casa-se com Julieta, de projeção social menor, filha de coronel aposentado, muito atraente, e vão viver na chácara de São Clemente uma vida plena de felicidade e que só terminará com a morte da esposa durante...