Capítulo 11

140 4 0
                                    

A noite apareceu Henrique Teixeira, que andava um tanto arredio.

O médico desistira do seu plano de trazer Hermano às partidas do Sr. Veiga, desde que D. Felícia tinha abandonado a idéia do casamento. Continuou, porém, a frequentar a casa com a mesma assiduidade. Foi só quando percebeu certa repulsão de Amália para ele, que se retirou.

causa dessa repulsão não a podia precisar; mas suspeitou que se referia a Hermano, Seda porque fora ele quem envolvera o amigo na existência da moça; ou era ao contrário porque não tivera força de aproximá-lo dela?.

A verdadeira causa, nós a sabemos.

Era a indignação que Amália sentira contra o esposo infiel e que ressaltava sobre o amigo, como sobre tudo o mais que lhe pertencia.

— Já tive o prazer de ouvi-la hoje, disse o doutor apertando a mão de Amália.

— Passou por aqui?.

— Estive na sua vizinhança.

Amália entendeu a alusão.

— Ah! exclamou com indiferença.

Quando a moça começou a cantar naquela manhã Teixeira estava em casa de Hermano e conversavam os dois no gabinete. As primeiras notas este levantou-se; esqueceu a presença do amigo e saindo à chácara aproximou-se da casa vizinha, resguardando-se com a folhagem do arvoredo.

Teixeira que o acompanhara, sentou-se junto dele e escutou. Aquela vivacidade do amigo, tão alheio a tudo que não se prendia à sua antiga existência, e a emoção com que ele ouvia a Amália, o surpreenderam, Interrogou as suas recordações. Julieta cantava essa ária, o que explicava tudo.

Terminado o canto, Hermano voltou e gabinete a conversa, sem a menor alusão ao incidente. Henrique de seu lado também absteve-se de qualquer observação, e mui de propósito.

Deixando o amigo, lembrou-se o doutor de fazer à noite uma visita à família Veiga; e no primeiro ensejo referiu a Amália todas as circunstâncias do que ele chamava um triunfo.

— Um triunfo artístico bem entendido, acrescentou sorrindo.

— Os outros não são para mim, observou Amália em um tom de modéstia desdenhosa, que tornava ambígua sua frase.

A moça conteve e dissimulou a alegria produzida pela confidência do doutor. Agora sabia que Hermano a tinha ouvido e que sua voz atraia aquele homem indiferente ao mundo. Esta certeza encheu-a de confiança.

Desde esse dia não cantou mais a Lucia. As vezes ensaiava uns prelúdios, como quem se preparasse, e de chofre passava a outra peça, que executava primorosamente.

Compreende-se bem o que devia ser Amália nesses dias, convencida como estava de que o seu encanto, o seu condão, estava na voz. Todos os esplendores de sua formosura, todas as seduções de sua pessoa, toda sua graça e gentileza, ela os transportou para a música e idealizou em arpejos e melodias.

Quem já lhe tivesse admirado a beleza a reconheceria nesse canto inspirado que era como uma transfusão de sua radiante imagem. Seus lábios somam num trinado, com a mesma garridice com que desabrochavam a sua rubra flor.

A moça já não duvidara de seu império. Ela senta em torno de si, a envolvê-la incessante a admiração de Hermano. A cada momento via ou adivinhava na espessura das árvores, na penumbra de uma janela, o olhar que a buscava com ansiedade e a seguia infatigável.

Encarnação-  Jose de AlencarOnde histórias criam vida. Descubra agora