O Lago

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Rodrigo nunca se esqueceu do lago onde aprendeu a nadar. Era ali onde ele brincava nos dias de calor, com seu irmão e seus primos quando criança. Aquele era um lugar de boas lembranças. No momento, porém, havia algo que o incomodava. Como poderia ele estar ali sem se lembrar como havia parado ali? Já não morava na roça há anos e desde então nunca mais voltara ao lago.

Parado, de frente àquela imensidão de água escura, um frio lhe subiu à espinha. Aquele era um lago de boas lembranças, sim, mas agora algo sombrio pairava abaixo do véu da superfície. Havia uma aura silenciosa e terrivelmente atraente serpenteando no fundo. Tudo parecia ainda mais assustador com a neblina densa que engolia tudo em volta.

Rodrigo queria fugir e ao mesmo tempo queria mergulhar em sua curiosidade. Ficou estacado por um tempo incontável, apenas encarando o lago, que por sua vez o encarava de volta, desafiando-o.

Do outro lado do lago havia outra pessoa. De onde estava, Rodrigo não conseguia distinguir quem era, embora lhe parecesse muito familiar. Ele pensou em gritar, mas sabia que estava muito longe para que fosse ouvido. Inocentemente, ele acenou com o braço estendido, e o gesto foi retribuído timidamente.

No mais íntimo de seus sentimentos, Rodrigo desejava atravessar toda aquela distância e ver de perto quem era aquele indivíduo na margem oposta. Firmou a vista, mas de nada adiantou. Se perdeu em devaneios inconscientes enquanto fitava aquela silhueta tão comum a ele.

De repente algo se mexeu na água, tão próximo que fez o jovem saltar de susto. Quando olhou para baixo do barranco que se estendia há um metro acima do lago, Rodrigo encontrou o rosto de uma criatura inumana, dotada de uma feição dolorosa, digna de pena. Seu coração congelou, seus dedos formigaram, uma sensação mista de medo, repulsa e compaixão inundou sua cabeça e entupiu-lhe os ouvidos.

Magro, pele em osso, cheio de protuberâncias no corpo quase decomposto, aquele ser rastejante sustentava em seu rosto pálido e enrugado, um par de olhos inchados, os quais penetraram na mente de Rodrigo por serem, em demasia, semelhantes aos seus. Não. Eram de fato seus olhos espelhados naquela face semi-morta.

Amedrontado, Rodrigo se afastou daquele corpo abjeto que se arrastava a seus pés. Olhou em volta, procurando forças para correr. Foi nesse momento que ele viu que a pessoa na outra margem já não estava mais lá, mas sim dentro do lago, se debatendo enquanto lutava para não se afogar. Rodrigo sentiu o coração doer ao ver aquela cena, desesperou-se, queria ajudar, mas o medo travara suas pernas.

— Aduja, aduja! — foram as palavras que saíram guturais da boca murcha daquele ser tenebroso que derramava lágrimas grossas de seus olhos inchados.

Sem entender uma só palavra, Rodrigo virou-se nos calcanhares e correu. Correu o máximo que pode. Não enxergava nada dentro da neblina que se adensava cada vez mais. E mesmo tendo certeza de que já havia corrido o suficiente para estar longe do lago, os sons da água pareciam cada vez mais próximos.

Terrível! Como chegara ali? Estava agora na margem oposta do lago. Onde antes estava aquele sujeito que há pouco vira se afogar, o mesmo que agora não estava mais se debatendo dentro da água, mas sim jazia estacado do outro lado. Rodrigo estava aliviado por vê-lo são e salvo, mas toda a situação o deixara confuso.

A pessoa na margem oposta acenou com o braço estendido, ele hesitou por um segundo e retribuiu sem muito entusiasmo. Tinha uma sensação estranha de que aquilo já havia acontecido. Foi quando Rodrigo sentiu seu coração gelar novamente ao ver que a criatura rastejante novamente saia da água e se dirigia aos pés daquela pessoa do outro lado do lago. Distraído com o que via, não se deu conta de que o solo onde pisava cedia ao seu peso e logo havia despencado para dentro daquela água escura.

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