Cresci em uma fazenda, uma casa afastada das outras, longe de aglomerações e de cidades. Um lugar tranquilo e de uma sensação de liberdade incrível. Lugar onde passei um dos melhores tempos da minha vida, perto da minha família, da natureza, de animais, longe da correria, da preocupação e do caos... Uma vida em meio a simplicidade onde nada me faltava e tudo o que aparecia de novo era lucro e maravilhoso. Um lugar livre de barulhos e agitações, a não ser do meu pequeno irmão, uma das pessoas que mais me surpreendeu e que sempre continua me surpreender. A sua grande capacidade de raciocínio era notável desde criança, com uma mente admirável e pensamentos tão simples. A lógica das coisas por ele aplicada era sempre algo instantâneo, como se não tivesse pensado e uma preguiça que motivava isso.
Lembro me quando o ensinei a joga xadrez, comecei falando que era um jogo simples, mas de uma lógica que ele demoraria a acostumar, que levaria algum tempo montando ataques até poder consegui montar uma estratégia e ganhar alguma partida. E como ele odiava rodeios e explicações demoradas, logo me perguntou:
– Como se ganha nesse jogo? Apenas isso que preciso saber!
Respondi de forma mais lúdica possível, afinal era uma criança de 8 anos.
– Nesse tabuleiro de madeira temos dois reinos, onde eles guerrilham entre si, tentando conquistar o território inimigo. O principal objetivo do jogo e enfrentar todos os soldados (piões), cavalos, torres, bispos, rainha até chegar ao rei, e matá-lo ou fazê-lo se render. Logo o objetivo é destruir o rei e tomar o seu reino.
E como ele não sabia o que era horizontal e nem vertical ainda, mostrei os movimentos e as direções que cada peça poderia fazer. No fim ele sorriu.
– Tudo Bem, vamos jogar! – Disse.
Bem, o que pensar de uma "criatura" que vivia no meio do nada, que não tinha contanto com pessoas que jogavam jogos do tipo e nunca tinha visto uma partida antes a não ser, talvez, pela TV em algum desenho animado. Além de não ter nenhum conhecimento de técnicas e de movimentos de um jogo tão complexo, seria muito complicado até para mim que me considerava um bom jogador, ganhar aquela partida, afinal ele iria interromper e atrapalhar com as suas dúvidas mais do quer jogar.
Estranho como julgamos sem conhecer e, quase sempre quando fazemos isso estamos enganados. Nesta situação, 10 minutos depois o placar estava 1x0 para ele. Eu me perguntava o que estava acontecendo de errado, pois não conseguia entender como pôde ele ganhar com jogadas que não demoraram mais do que o tempo de se mover uma peça de um lugar ao outro, enquanto eu demorava até 1 minutos em alguns movimentos, não mais que isso, pois seria muito vergonhoso para mim, ainda mais com quem eu estava jogando.
O que mais me impressionava era a lógica empregada por aquela criança. Uma inquietude para chegar logo a sua vez e jogar novamente, como se já tivesse planejado todo o jogo e soubesse todos os movimentos futuros, não importasse o que eu fizesse.
"Como alguém que foi privado de quase tudo conseguia analisar tamanha situação sem precisar de algum tempo para sua realização?", isso me deixou encabulado.
Analisando situações como essa, penso que o problema está em pensarmos demais, em querermos lutar contra tudo e todos ao mesmo tempo. Em não nos concentrarmos nos nossos verdadeiros objetivos, que ao contrário de mim, nada mais lhe importava a não ser matar o rei, apenas isso.
Nós nos tornamos seres dispersos e desprovidos de capacidade de pensar singularmente em nossos verdadeiros objetivos e, quando fazemos isso geralmente é apenas para pensar em nós mesmo, esquecemos que um dia fomos uma criança e que nada importava a não ser ver um sorriso na face dos outros, esquecemos que mesmo não tendo tudo o que temos hoje, nada nos faltava. Na verdade, tínhamos todo tempo do mundo e sabíamos usá-lo sabiamente, ao contrário de hoje que somos governados pelo mesmo, por termos esquecido de como lidar com "ele".
Chegamos diante de uma época onde temos esquecido que a verdadeira felicidade reside na simplicidade das coisas... Na simplicidade do pensamento. Em ver o mundo novamente através dos olhos de uma criança, e em não nos esquecermos dos piões, cavalos, torres, bispos e rainhas, mas sim em não nos deixarmos levar pelas dificuldades e pelas quantidades de mistérios que envolvem este reino, sem jamais esquecermos do rei, que é o único verdadeiro objetivo do jogo e, em vez de destruí-lo do seu reino (nossos corações), devemos aceitá-lo.
"As coisas são ótimas quando as temos pouco ou uma de cada vez, só assim damos o verdadeiro valor e atenção."
Arismário Neves
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A Simplicidade do Pensamento
Short StoryA Simplicidade do Pensamento é mais um dos meus contos de um só capítulo. Geralmente eles não tem um "moral da história", apenas tentam surpreender e aproximar o leitor do escritor. Já este fiz um pouco diferente. Em vez de apenas ser mais um preté...