Prólogo

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Você não pode mudar o vento

Mas pode ajustar as velas do barco

Para chegar onde quer.

-Confúcio.

                                                          COMO, QUANDO E POR QUÊ?

NINGUÉM DISSE QUE SERIA FÁCIL. A vida não é para ser fácil e compreensível. Só é feita para viver da forma mais autêntica que pudermos. Na realidade, lutamos sempre para enxergar sinais, montar quebra-cabeças, ligar os números. Vivemos num mundo de adivinhações, decifrando o que dorme atrás dos sorrisos, o que diz um olhar. Predizemos atitudes perfeitas, esquecemos, com frequência, que o ser humano é feito de pedaços perdidos, de peças erradamente colocadas. No fim, só estamos constantemente e, muitas vezes, inconscientemente, buscando as partes que nos montam neste universo infinito.

-Ana Luísa Ricardo.

                                                                   Prólogo

                                                  -Sobre Barcos e Direções-

Sempre acreditei na liberdade como uma consequência da coragem. Entretanto, quando se está estagnado no tempo, olhando para os lados, a coragem parece nunca chegar. Não que não tenha opinião própria. A questão não é essa. O que realmente me deprime com mais frequência do que gostaria é expor o que sinto e o que quero ser. E definitivamente, o que serei um dia. Mas ainda continuo aqui, respirando o ar pacato dessa cidade do interior sul de São Paulo.

Olho para meus amigos sorrindo e fico brava, sem razão aparente, apenas por observar como são felizes com tão pouco. Suspiro com sofreguidão e encosto a cabeça no tronco descascado do grande Ipê roxo.

_Já pensou que louco? – Espreguiço enquanto espero que eles me olhem, quando o fazem, continuo com a voz preguiçosa - Viajar sem rumo... Colocar suas coisas preferidas numa mochila velha, cheia de fitinhas coloridas. E simplesmente sair?

_Gosto de estar em casa. – Geanne replica num tom baixo, quase um sussurro agudo.

_Você não tem espírito de aventura... – Digo enquanto ajeito minhas costas no tronco.

O parque está mais bonito do que o habitual, as árvores, em sua maioria Ipês, estão abertas e completamente floridas. O cheiro da primavera parece passear acima de nossas cabeças. Geanne está sentada perto da cerca que circunda o lago. Tudo está silencioso, também pudera, é mais de meia noite e estamos sozinhos, divagando sobre a vida e seus inúmeros mistérios que, por alguma razão do universo, jamais serão totalmente desvendados.

Felipe está com a cabeça apoiada no colo de Geanne, ela massageia seus cabelos negros e ondulados. Os olhos semicerrados avistam as estrelas em constelação, ele sorri e fala sem desviar o olhar do céu.

_Tenho vontade de fazer isso, mas acho que é uma questão de como se está no momento.

_Do que você está falando? – Pergunto remexendo em alguns gravetos espalhados na grama baixa.

_Você sabe... Esse tipo de coisa é para quem quer sentir um pouco de liberdade. Já me sinto livre aqui...

_Isso é ridículo! Ninguém pode se sentir livre aqui... – Resmungo fazendo um movimento exagerado com as mãos – Olhe bem... Estamos presos num cubículo de terra, com pessoas hipócritas que só sabem falar dos outros... Ganhamos cerca de seiscentos ou, no melhor dos casos, setecentos reais, trabalhamos oito horas por dia em algo que não nos satisfaz... Nossa criatividade está condensada em apenas responder sim ou não... – Suspiro – Seremos uns fracassados.

_Você só enxerga o lado ruim das coisas. – Ele constata rindo.

Faço careta e jogo um graveto em sua direção.

_Mentira! - Ele me lança um olhar de dúvida, dou de ombros – Talvez um pouco, mas o que tem de bom em ficar aqui? O mundo é maior do que isso... Sou nova, tenho muita coisa para viver, não acho justo me prender a algo que não irá me levar a lugar algum, sendo que lá fora tem uma infinidade de inspirações... Eu quero viver plenamente.

_Você fala como se vivêssemos numa bolha. – Geanne diz austeramente, mas acaba sorrindo.

_É quase isso...

Felipe finalmente se levanta e começa a andar. Encosta-se em um outro Ipê, bem a minha frente, e inicia uma divagação como só ele sabe. Adoro a forma como ele utiliza as metáforas para tentar explicar o inexplicável.

_Pensa em você como um barquinho... – Começa.

Aperto os olhos. Já ouvi metáforas sobre pássaros, flores, oceano, até bolinha de gude, mas essa é nova. Mudo minhas costas de posição e dou sinal com a cabeça para ele continuar o pensamento.

_Agora, imagine que tem um oceano inteiro na sua frente. Sua vontade é navegar... Sem rumo. – Ele dá um longo suspiro e olha em minha direção - Ficar no porto é mais seguro, não dá dor de cabeça, você não precisará se arriscar num oceano que pode ser calmo e, ao mesmo tempo, tempestuoso... É questão de lógica, Laura... Lógica... Nunca iremos saber para onde os ventos irão nos levar...

_Pode até ser, mas do que adianta um barco ser construído para ficar no porto? Óbvio que seria melhor, sem tempestades, sem possíveis mudanças de rota... Mas que graça teria? É claro que seria mais seguro, mas um barco não foi construído para isso. E os ventos? Bom... Nunca saberemos para quais direções irão nos soprar... É a vida.

Geanne revira os olhos. Felipe bufa, pois sua sessão de metáforas não deu certo dessa vez. Tenho bons argumentos quando se trata de algo em que realmente acredito. E no momento, acredito que meu destino é a liberdade. Um barco só é completo quando faz exatamente aquilo para a qual foi destinado.

PrólogoWhere stories live. Discover now