A terra

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E daí, você fechou os olhos.

Fui inundado, repentinamente, por uma onda fria e incolor.

Que sentimento obscuro é esse? É a tristeza? É o sentimento triste que acabei de ver em seu olhar?

Porque ele está consumindo minha alma? Eu não dei permissão para nada disso!

Pare! Não quero sentir isso! Pare! Me dê agora as cores, eu não suporto essa monotonia monocromática!

E então, você abriu os olhos.

Meu peito contraiu-se. Cadê o ar? Para onde foi o ar? Ei, o que está acontecendo?

Que azul é esse? São olhos de água. Piscou. Por favor, não pisque! Olhe para mim.

..

...

Ar, eu preciso de ar. Peito estufado. Ah, obrigado.

E tão logo ele se foi, fechando os olhos, o caminho, destruindo todo o trabalho feito por Moisés ao abrir o mar. Roubando os lápis que pintam minha rotina, ele trancou as águas.

Por favor, volte. Volte... Eu não gosto da terra, preciso do mar!

x

Céu acinzentado. Malas por todos os lados. Conferi, pela última vez, minha silhueta no espelho quebrado existente em meu quarto. Barulho de portas fechando: entrei no carro. Quantas árvores existem no mundo? Pela janela do automóvel, corri os olhos pelo verde da mata, enquanto pingos de chuva dançavam nos finos pelos do meu braço.

Feche a janela - Imperou senhora Elisa, que dirigia. Fechei. Tons de cinza inundaram todo meu campo de visão. Monotonia. Dormi.

Batida. Batida.

Toque, toque! - Abri os olhos levemente, avistando Elisa tentando me cegar com a luz branca de seus dentes. - Acorda Yuri, chegamos! - Ela sorria demasiadamente, como se a casa pequena de dois andares que eu via na minha frente, tivesse uma piscina, um campo grande de grama e animais, mas não havia nada disso.

Era uma casa pouco engraçada. Não tinha verde, não tinha amarelo, não tinha vermelho, mas tinha azul. Ninguém podia entender meu sorriso irônico ao constatar tanta depressão no azul, que já fora a cor êxtase vivenciada pela minha visão. Ninguém podia dizer que a sala era pequena, pois o sentimento de solidão se apossou de mim logo que entrei nela. Ninguém podia dizer também, que a escada não era segura, porque quando segurei o corrimão, os degraus desistiram de tentar me abocanhar. Mas, ao chegar no quarto, com apenas um tostão de azul, quase totalmente branco, senti paz e isso bastava pra nova casa ganhar o meu perdão. 

Tão logo entrei no quarto, fechei a porta. Deitei no chão gelado, alinhando minha coluna com o piso, sentido um breve desconforto, que fugia aos poucos. O teto tinha estrelas fluorescentes, com um pequeno lustre no centro, parecendo Urano de tão redondo e azul. De novo essa maldita cor. Essa bendita cor. Maldita, digo. Ah, as cores. 

As cores deveriam estar menos presentes na minha vida, Elisa mesmo já disse isso. Porém, o arco íris endiabrado me alucina desde criança. Lembro quando chupei, pela primeira vez, um picolé de céu azul e, desde então, eu sinto o gosto dele quando olho para essa cor. Tem também o sabor apimentado do vermelho e o marrom, que foi uma péssima experiência com a terra, quando achei necessário experimentá-la. O lado bom do marrom, depois disso e, de acordo com uma dermatologista que visitei, é que não tenho o mínimo interesse por chocolate, afinal parece terra alagada. 

...

Pegar caixas. Subir. Descer. Caixas. Subir. Caixas. E assim, mudamos. 

...

3º ano. Qual o motivo de ir à escola? Nenhum. Professores são auxiliadores, assim como o Google e eu o tenho no computador. Entretanto, Elisa não desiste de me apunhalar, obrigando-me a estar presente diante de tantas pessoas sem pretensão de aprender, apenas dificultando o árduo trabalho de doar atenção aos pseudo professores da rede pública. 

Pac, pac, pac... Pac, pac... 

Bom dia, pois não? - Disse a senhora que surgiu atrás de uma grande estante. Observando seu crachá, o nome Estela sobressaltava com um cor preta, tão sem graça quanto sua feição de trabalhadora explorada. 

Olá.. Estela. Eu sou Elisa Bonevour, esse é meu filho Yuri, gostaria de falar com o diretor do colégio, por favor - Rolei os olhos, óbvio que em uma escola pública diretor algum teria interesse em conversar com ninguém. 

Sim... Elisa Bonevour, isso mesmo, vejo aqui. - Ela pegou uma prancheta e meteu em nossas caras, batendo suas unhas pouco higiênicas em um grande nome "Elisa Bunevu" - Pode entrar - O sorriso inanimado de Elisa me animou, um pouco.

Sala média, tons amadeirados, bagunçada.

Bom dia, eu sou Philipe Augusto, dirijo a escola, tudo bem com vocês? - Seu sorriso era tão largo, que pra ser o Coringa no Halloween, bastava colocar uma peruca verde e um corretivo pras olheiras ficarem no tamanho correto do personagem.

Olá Philipe, eu sou Elisa, te liguei na semana passada para conversarmos sobre o Yuri. Estamos bem sim, podemos dialogar agora? - Não diferente de sempre, Elisa continuava com sua postura de boneca e sorrisos manipulados. 

Ele assentiu.

Bom, meu filho tem um diferencial dos outros garotos e não quero que ele seja maltratado por conta disso. As vezes pode ser difícil pra ele dialogar com estranhos, ou se interessar nos assuntos corriqueiros de crianças, até mesmo assuntos escolares dos professores. Por conta disso, Philipe, gostaria que o senhor intervisse, se necessário, nas diversas esferas em que o preconceito possa agir sobre o Yuri. Tudo bem? - Respirei algumas vezes mais rápido que o comum, mesmo que já pressentisse esse tipo de atitude vindo dela. Absorvi o ódio e transpareci quietude, para não piorar tudo e apenas sair dali.

De acordo senhora Elisa. Pode esperar que o seu filho tenha uma ótima estadia na nossa escola. Os professores estão preparados, temos uma nova maneira de gerenciar a relação entre os alunos, difundindo as diferenças culturais e psicológicas existentes, com o intuito de diminuir os problemas gerados pelo preconceito. Vocês podem ficar tranquilos, no tocante à escola, vamos oferecer apoio a qualquer momento - Seus lábios sorriram, exibindo dentes tão brancos quanto os de Elisa, o diferencial, é que essa felicidade não parecia falsa, ao passo que seus olhos amarelos sorriam em conjunto com o resto. 

Mais palavras soltas foram jogadas ao vento. Fomos, Elisa e eu, para o portão de entrada dos alunos. 

Yuri, olha pra mim - Imperou, de novo. Assim, rolei meus olhos para os dela. - Espero que esse lugar te traga novos amigos e interesses, mas pra isso acontecer você precisa correr atrás, tudo bem? 

Não sou um imbecil. - Continuei olhando em seus olhos. Elisa estreitou os olhos rapidamente, dei um sorriso fino, com seus olhos ainda vidrados nos meus.

Claro que não é - Sorriu um pouco mais aberto - Pode ir. 

Entrei. 

_______

Prazer, Hugo. Depois de muitos meses, decidi continuar a história, que será atualizada semanalmente. Adorei ver um comentário, pois mesmo o Wattpad me apresentando que tenho leitores, eu não acreditei, devido ao teor fantasmagórico destes. Assim, espero que vocês interajam mais comigo, entre si e com a história. Até logo!



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⏰ Última atualização: Nov 07, 2015 ⏰

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Um oceano de sabores (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora