Capítulo 2

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      No momento que minha voz e os movimentos das minhas pernas voltaram, achei que o pesadelo tinha acabado, mas para a minha surpresa, aquela era apenas a ponta do iceberg. Pude finalmente conversar com meu amigo, que parecia já ter esquecido o maldito beijo.

     Ele me contou que eu vivia em uma época difícil, quando a transformação começou a tomar força e destruir a vida de milhares de pessoas inocentes. Nosso país que antes era um lugar maravilhoso, foi invadido pelo ódio desde que o nosso ditador matou o antigo rei. Esse ditador nomeou um conselheiro,  o responsável pela criação da transformação, que nada mais era um nome bonito para o ritual de tortura que nos faziam passar.

       Segundo o meu amigo, primeiro havia o isolamento, onde todos os maiores de 15 anos de uma determinada região ficavam juntos no mesmo prédio, esperando que o seu número fosse chamado. Não dava para saber quando iriam lhe chamar, o que já os torturava, fazendo com que muitos se suicidassem.

       Quando finalmente chamam o seu número, ele contou que as pessoas eram encaminhadas para uma outra área. Assim que um novo número chegava, eles o perguntavam  se estava disposto a jurar fidelidade eterna ao governo, e dependendo da resposta, o levavam para setores distintos. Os que se negavam a jurar, chamados de "rebeldes", seriam interrogados e levados para uma das salas de tortura. Após cada dia de terror, voltavam a perguntar aos rebeldes se alguém estava disposto a  mudar de opinião e ser levado para o outro setor, onde as outras pessoas ficavam. Esse foi o caso do meu amigo. Contou que no outro lado as pessoas eram forçadas a trabalhar e sustentar os luxos do governo, mas era melhor do que o lado dos rebeldes.

       Interrompi a história por um minuto e perguntei o que tinha acontecido comigo e como ele havia me conhecido, então ele continuou:
       - Te conheci no isolamento, você era uma menina sonhadora que tinha acabado de perder seus pais e foi obrigada a ir para lá, aquele tinha sido um ano muito difícil para você. Eu me aproximei de você e logo nos tornamos amigos, e você disse que não tinha dúvidas: não juraria fidelidade ao governo mesmo que que isso custasse sua vida. Eu me acabei me apaixonando, e jurei que iria te proteger. Nossos números foram chamados, e nós escolhemos os caminho rebelde: você por opção, e eu por amor. Aguentamos bravamente por 7 longos anos, quando você bolou um plano de fuga, mas  foi sozinha. Ele teria dado certo se não fosse por um menino que estava brincando e te delatou aos soldados que te recapturaram e te levaram para longe de mim. Então decidi pedir a transferência para o outro setor, mesmo com medo de nunca te ver novamente.

       Fiquei pensativa por um momento, aquele menino com certeza era o dos meus sonhos, mas será que ele tinha culpa? Vivíamos em circunstâncias difíceis, e a inocência do menino fez com que ele me delatasse, o que faria qualquer um com medo.

       Eu me lembrava a partir daquela parte da história, os soldados me capturando e continuando com a tortura, mas antes não entendia por que eles haviam feito isso. Durante a tortura, me deram uma droga que segundo os soldados, paralisava as minhas pernas permanentemente, coisa que eu nunca acreditei e que provei que estava certa 5 anos depois.
       Depois de ter me deixado paraplégica, me jogaram em uma cela, onde pude reencontrar meu amigo: ele havia sido transferido para ser um agente penitenciário, por ser um "homem de confiança" para os soldados.

       Naquela época, não me lembrava dele e não tinha entendido a causa da sua ajuda para me libertar. Sim, foi ele quem me tirou daquela cela, e quem conseguiu me carregar até o quarto onde me encontro hoje, por mais que isso pudesse custar a sua vida.

       A minha raiva do governo só aumentava enquanto ouvia o relato do meu amigo, e eu definitivamente não estava disposta a ficar sentada olhando eles destruírem a vida de outras pessoas, como fizeram comigo.

      Então, apesar do seu apelo para que eu esquecesse aquela história, quando meu amigo voltou para casa, decidi fugir. Saí do prédio e não conseguia acreditar no que meus olhos viam: tudo estava diferente, as ruas estavam tomadas por gente sem casa, não haviam crianças, os prédios estavam em ruínas e eu comecei a me perguntar se era aquele o mesmo lugar que eu havia visto há 12 anos.

     

Anos de MedoOnde histórias criam vida. Descubra agora