Ordinary Coffé

Flechas

Seus olhos estavam vidrados nos dele. Transmitiam uma mensagem secreta ou um sei-lá-o-quê de ódio, um código esquisito provavelmente. Eu não me atrevi a tentar desvendar já que "em briga de marido e mulher não se mete a colher".

Mas não era uma briga de marido e mulher. Penso assim: ela gostaria muito que fosse; já ele... Para ele era tudo uma grande piada.

Ah, o sexo...

Se quer arrumar problema, faça sem camisinha e engravide a tal moça-de-família-com-pai-militar-que-você-pegou-na-balada. Ou engravide se você for a moça. Ou pegue uma DST. Ou perca a virgindade na cama da mãe - escondido - com o namoradinho do colégio e suje a casa toda de sangue. Ou assuma sua homossexualidade e aí as bestas-humanas lhe caçarão como bruxa na Idade Média. Ou estupre e vá dizer "oi" ao capiroto, porque só ele vai aceitá-lo. Ou... Quer saber?! Eu poderia ficar listando uma variedade de situações, porém meu tempo é pouco e vou direto ao ponto logo.

Ela queria mais e ele menos. "Ok, narrador-desconhecido, e daí? Isso acontece todos os segundos", você deve estar reclamando do outro lado aí, mas calma. Já já explico tudo com os mínimos detalhes, my friend.

A mulher já estava sentada contra a porta do banheiro. O olhar corajoso e avermelhado dizia tudo a qualquer um, suas expectativas foram estilhaçadas pelo cara.

A mais romântica falaria: "quê esse filho de uma erva daninha fez para a menina?". Ou o clássico: "homem não presta mesmo". Suspire e vá comprar um vibrador, querida.

A mais "moderninha" já deve ter rido do último parágrafo e dito: "mulher besta, vai dar pra qualquer um, sua prostituta".

Como citado anteriormente, meu tempo é curto para poder esclarecer cada ponto de vista. Só digo que prostitutas são profissionais que chegaram a tal ponto devido às suas razões pessoais. Se ela gosta ou não, não cabe à sociedade entrar nesse mérito. "Ah, mas poderia ser doméstica ao invés de ganhar dinheiro fácil dando o rabo". Amor, quem disse que trabalhar assim é fácil? Já experimentou?

Ah, falando nesse assunto: um homem come 40 mulheres por semana e é o fodástico, a pica das galáxias e os etc. Uma mulher dá para um cara numa festa e é puta? Oi? Mulheres têm o mesmo direitos dos machões aí, ok? Os mesmos deveres também, só para constar. Qual o problema caso uma mulher deseje saciar seus anseios sexuais? Ela quis e ponto final. Não há porquê julgá-la. "Ah, minha filha vai casar virgem", você perguntou para ela se é isso que ela quer ou impôs a ela um padrão de sei-lá-que-século-antes-do-XX?

Voltemos a nossa história, esses argumentos arcaicos me entediam.

Completava, justamente naquela data, um ano que mantinham um relacionamento de cama, mesa e banho. Como sei agora não vem ao caso.

O homem estava defronte à moça e olhava-a com certo desprezo para com suas ideias. A cara cerrada em um semblante rígido e sério, talvez porque não acreditasse no que acabara de ouvir. Talvez apenas estivesse repreendendo-a por tal feito.

Ela sentada tal como submissa tentava controlar o choro insistente. Sua silhueta divina iluminava o breu advindo das luzes apagadas do cômodo o qual um feixe luminoso vinha do poste de luz exterior à casa. Esguia, coberta por panos vermelhos... Estava vestida para uma comemoração provavelmente, estou supondo isso pois o vestido era de alta costura.

O homem trajava um terno estilo pinguim. Não era feio nem tão bonito, era... Uma beleza exótica, digamos assim. Uma gargalhada irônica saiu de suas pregas vocais. O canto esquerdo de seus cabelos já estavam desarrumados e pequenos capilares se destacavam em suas pupilas. O volume da risada aumentava com o passar do tempo.

A mulher abafava os soluços tapando a boca com a mãos. A risada aumentava, a frequência dos soluços também. O que se passava na cabeça de ambos? Não sei, não sei. Sou espectador apenas, estou alheio à dedução a partir das ações das personagens.

- Ai, ai, ai. Caí no golpe da barriga, então?

Ela ficara calada durante alguns segundos. Um barulho de motocicleta rasgou o silêncio funerário entre os adultos.

- RESPONDA, VADIA! Coragem para me pregar essa peça teve, mas pra falar agora tem não, né? - o homem quebrou um prato de louça há poucos centímetros da cabeça da moça.

- Eu não fiz... Nada... Com intenção de ter seu dinheiro. Nada. - esfregou o nariz, em seguida, passou a mão na cauda do vestido.

- Não? Não? Não, sua pobretona? Não? Mas também não fez nada com a intenção de prevenir!

- Você também não, oras!

- Isso é dever seu. Você armou isso tudo! Aaaaaaaaaaah, céus! Deveria esperar isso de uma puta desesperada que nem você - aproximou-se dela.

- Não fiz nada - ela chorava como uma criança, implorando aos pés do homem.

Ele andava para lá é para cá, quando parou, de repente, e exclamou firmemente:

- Você vai abortar.

- Não - respondeu, convicta.

- Não? Não perguntei de você queria. Você vai abortar. Você aprontou essa e vai abortar - a expressão de medo dominou as faces da mulher a qual se levantou vagarosamente.

- Não vou. Fique comigo, Henrique. Nós estávamos bem, um bebê vai fortalecer nosso amor.

- Amor? Amor? Que dia eu disse que te amava? - Ria em êxtase? Em delírio? Eu já estava com medo e saindo do ambiente de fininho - Dinheiro! Isso é o que você quer! Amor de verdade só existe em contos dos irmãos Grimm ou em casa de pobre que não têm nada a dividir. No mais, é interesse.

- Não quero grana! - Ele pegou no maxilar da moça e apertava-o.

- Então pode sumir da minha frente com esse moleque.

- Eu te amo - e, de fato, ela o ama verdadeiramente. Como sei? Oras oras...

- E eu te odeio.

Os olhos de ambos ainda estavam fixos uns aos outros quando saí do cômodo rumo a outra casa. As flechas balançavam nas minhas costas e o arco pesava um pouco mais esta noite. Da próxima vez, acho melhor usar duas flechas...

Eu poderia ter acabado com toda aquela discussão. Porém, o que seria do mundo se eu fizesse isso todas as vezes?

Todos amando, menos eu? Sozinho a chorar no mundo invisível? Prefiro ser a víbora cujo veneno é o amor e... Não quero falar mais nada. A culpa não é do cupido. Afinal, em briga de marido e mulher não se mete a colher.